quarta-feira, 31 de março de 2010

Millenium 2 - A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo, por Tiago Ramos



Título original: Flickan som lekte med elden (2009)
Realização: Daniel Alfredson
Argumento: Jonas Frykberg e Stieg Larsson
Elenco: Noomi Rapace, Michael Nyqvist, Georgi Staykov e Micke Spreitz

Se no primeiro tomo da adaptação da trilogia Millennium aos cinemas poderíamos falar num filme que quebrava clichés e uma profundidade incomum para um policial, este segundo capítulo acaba por cair em todos os erros que não tinha cometido em Millennium 1 – Os Homens que Odeiam as Mulheres.

O principal motivo para tal descida drástica em qualidade e intensidade prende-se com o facto de esta sequela ter sido originalmente pensada para ser exibida apenas em televisão e com isso perdeu em orçamento, o que se denotou na qualidade técnica dos efeitos especiais nas cenas de acção. Encontramos cenas ridículas, excessivamente artificiais – note-se a cena de luta no armazém entre Paolo e o enorme Ronald ou a cena final no barracão entre Lisbeth e Zala. E isso não se perdoa numa trilogia de respeito como esta. O sueco Daniel Alfredson realiza como se de um telefilme se tratasse – no final de contas até o era – e isso no grande ecrã não funciona, fazendo com que Millenium 2 - A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo perca intensidade.

A sequela acaba por fazer uso excessivo de flashbacks do primeiro filme e perde em suspense – factor primordial no primeiro filme – o que acaba por ter como consequência o arrastamento da narrativa adaptada ao cinema, rodeada de previsibilidade. O argumento assinado por Jonas Frykberg não consegue transmitir a complexidade e interesse do livro que lhe deu nome e ao decidir dar ainda mais impacto e tempo de ecrã à personagem de Lisbeth Salander, explora muito menos as relações entre as personagens, nomeadamente entre Lisbeth e Michael e entre Michael e Erika.

Contudo, Millenium 2 - A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo mantém o arrojo com que retrata situações socialmente incómodas, como a corrupção, o tráfico de mulheres e outras situações abusivas contra o sexo feminino. Mesmo as cenas de sexo, incluindo o sexo entre mulheres, são retratadas de uma forma muito íntima e natural, como nunca o seriam numa produção de Hollywood. E nesse sentido, o cinema sueco e esta sequela continuam de parabéns.

A nível de elenco mantém-se a boa qualidade, nomeadamente de Noomi Rapace – nesta sequela conhecemos uma fase mais íntima e dócil - que continua a arrancar o fabuloso desempenho a cada frame e que faz desta sequela um one woman show, bem como do racional Michael Nyqvist, cuja composição de consegue sempre equilibrar o sentido de lógica e a motivação impulsionada pela relação complexa da sua personagem com a hacker Lisbeth. Ou ainda Georgi Staykov, que apenas surge nas cenas finais, mas que surpreende e consegue intimidar em todo o mistério envolvente. E temos também Micke Spreitz numa prestação quase sem diálogos, mas corporalmente intensa e intimidante.

Este segundo capítulo é claramente mais fraco que o seu antecessor e desilude bastante. Perde intensidade, complexidade e interesse. Torna-se ridículo em algumas das cenas e bastante previsível. Contudo, tem sempre esta aura de thriller mais negro que o habitual e que se distancia das cansativas super-produções norte-americanas. E aí é positivo.

Classificação:

Estreias 01 Abril'10: Away We Go, The Crazies, Ruínas, Dolan's Cadillac e Law Abiding Citizen

Amanhã, dia 01 de Abril, pode contar com as seguintes estreias numa sala de cinema perto de si:

Destaques:

Um Lugar Para Viver (Away We Go)

Ano: 2009
Realização: Sam Mendes
Argumento:
Dave Eggers e Vendela Vida
Género: Drama, Comédia
Elenco: John Krasinski, Maya Rudolph, Catherine O'Hara, Jeff Daniels e Maggie Gyllenhaal

Verona (Maya Rudolph) e Burt (John Krasinski) são namorados, têm 33 anos e fazem uma aterradora descoberta: vão ter um filho. Quando percebem que os pais dele vão deixar o país um mês antes do nascimento do bebé tomam consciência que já nada os prende ao lugar onde vivem. Decidem então fazer uma longa viagem pelos EUA e Canadá em busca de um lugar para viver e de um modelo familiar que os inspire no seu novo papel de pais. Pelo caminho vão reencontrar velhos amigos, alguns com famílias mais excêntricas, outros mais conservadores, mas todos com as suas próprias contrariedades e alegrias. No final ambos vão compreender que o lugar a que chamarão lar é, de todos, o detalhe menos importante... O último filme de Sam Mendes ("Beleza Americana", "Caminho para a Perdição", "Revolutionary Road"), em estilo "road movie", fala sobre a beleza de cada recomeço e do pouco controlo que cada um pode ter sobre o seu próprio destino.

Outras sugestões:

The Crazies - Desconfia dos Teus Vizinhos (The Crazies)

Ano: 2010
Realização: Breck Eisner
Argumento: Scott Kosar e Ray Wright
Género: Terror, Thriller

Numa pequena cidade do interior dos EUA, algo de aterrador está a acontecer aos seus habitantes: estão a transformar-se em violentos psicopatas. Antes que toda a população seja infectada pela demência, um conjunto de pessoas une-se e começa a investigar, descobrindo que a causa está num vírus que contaminou o abastecimento da água. Agora, numa corrida contra o tempo, eles terão de descobrir a cura ao mesmo tempo que se esforçam por permanecer vivos. Realizado por Breck Eisner, é o "remake" do filme homónimo de George A. Romero (que neste filme entra como produtor), filmado em 1973.

Ruínas (Ruínas)

Ano: 2009
Realização: Manuel Mozos
Género: Documentário

O novo documentário de Manuel Mozos retrata os lugares esquecidos e abandonados pelo tempo. Numa viagem pelo Portugal profundo, ele vai filmando as ruínas que trazem as memórias das coisas vividas e das histórias contadas. Estes são lugares desprezados, obsoletos e vazios mas que fazem parte da narrativa de um país e do imaginário colectivo de um povo. "Ruínas" conquistou o prémio Georges de Beauregard no FIDMarseille e o prémio TOBIS para melhor longa-metragem portuguesa no IndieLisboa 2009. Em complemento a curta "Canção de Amor e Saúde", realizada por João Nicolau. João é filho do dono da loja Chaves Morais e quando Marta do Monte, uma estudante de Belas Artes, lhe pede para duplicar uma chave, algo maravilhoso acontece...

Morte no Deserto (Dolan's Cadillac)

Ano: 2009
Realização: Jeff Beesley
Argumento: Stephen King e Richard Dooling
Género: Thriller

Depois de ter testemunhado uma execução no meio do deserto do Nevada, em Las Vegas, Elizabeth (Emmanuelle Vaugier) é marcada para morrer. O objectivo é eliminá-la antes que possa depor contra o mafioso Jimmy Dolan (Christian Slater), líder de um grupo organizado de tráfico de mulheres. Quando, apesar da protecção do FBI, Elizabeth é encontrada morta, o seu marido Robinson (Wes Bentley), com a vida devastada, toma a vingança como a sua única razão de viver. Após compreender que as vias legais nada podem contra o poder de Dolan, Robinson passa meses a estudar todos os movimentos do gang até conseguir infiltrar-se, transformando-se, a pouco e pouco, em alguém que ele nunca julgaria possível: um carrasco frio e calculista que levará o seu plano até às últimas consequências. Realizado por Jeff Beesleys, é uma adaptação de um conto de Stephen Kings sobre um homem cuja existência se prende apenas a uma incontrolável sede de justiça e vingança.

Um Cidadão Exemplar (Law Abiding Citizen)

Ano: 2009
Realização: F. Gary Gray
Argumento: Kurt Wimmer
Género: Thriller

Durante um assalto, Clyde Shelton (Gerard Butler) assiste, impotente, ao assassínio brutal da mulher e da única filha. Os culpados são presos, mas o procurador a quem é entregue o caso, Nick Rice (Jamie Foxx), oferece um acordo para que um deles cumpra apenas uma pena leve em troca do seu testemunho contra o seu cúmplice. Dez anos depois, o assassino, já em liberdade, é encontrado morto e Shelton confessa a autoria do crime. Preso, lança o aviso a Rice: ou este consegue corrigir a falha do sistema judicial de há dez anos ou todos os envolvidos no caso acabarão por pagar... Da sua cela e sem que ninguém o consiga deter, Shelton começa a orquestrar uma série crimes hediondos. E, sem que ninguém consiga antever os seus passos, as ordens começam a ser dadas e as vítimas brutalmente assassinadas. Até que o procurador vê a sua própria família ameaçada... Depois de "O Negociador" (1998), "Um Homem à Parte" (2003), "Um Golpe em Itália" (2003) e "Be Cool" (2005), um thriller psicológico que marca o regresso de F. Gary Gray ao grande ecrã.

Classic Film Festival, do canal TCM e a revisitação de posters

Depois de uma surpreendente iniciativa no Verão passado, onde o canal TCM apresentou a iniciativa Summer Under the Stars, comemorando-a com uma revisitação de posters clássicos (pode vê-los aqui e aqui), o canal volta agora à carga, mas com uma iniciativa ainda maior. Desta vez, o TCM apresenta-nos o primeiro Festival de Cinema Clássico, que decorrerá de 22 a 25 de Abril no coração de Hollywood. Com reposições de filmes, painéis de discussão e eventos com celebridades, o festival terá exibições especiais de A Star is Born (1954), À bout de souffle (1960) e o recentemente remasterizado Metropolis (1927).

O canal aproveitou para lançar uma série de posters, levemente inspirados no conhecido Teste de Rorschach, numa alusão à própria essência dos clássicos:




Pode ainda consultar a programação completa sobre o festival aqui.

Novos posters de Iron Man 2, incluindo de Black Widow

Já bastante se falou aqui de Iron Man 2 que - gostos à parte - irá certamente ser um dos grandes blockbusters do ano. Foram divulgados dois novos posters do filme, semelhantes, mas com a diferença que o poster americano não inclui a personagem Whiplash, interpretada por Mickey Rourke.



Mas a grande novidade e a mais ansiada, é o primeiro poster com a personagem Black Widow interpretada por Scarlett Johansson e que muita expectativa tem gerado. Este poster será distribuído na WonderCon que decorrerá este fim-de-semana na Califórnia.



Iron Man 2 estreia a 7 de Maio nos Estados Unidos.

Leia também:

Teaser do Festival Black & White 2010



Depois de um fantástico poster, salivávamos por mais novidades relativas ao 7.º Festival Audiovisual Black & White. À semelhança da qualidade que nos habituaram nos anos anteriores, mas diríamos que, com um maior requinte este ano (sempre a piscar o olho aos cinéfilos), somos agora brindados com os dois primeiros teaser do festival:





A recordar os vencedores da edição anterior do Festival, ficamos com vontade de saber mais novidades. E que grandes novidades, é o que podemos adiantar desde já. O Black & White 2010 decorrerá de 21 a 24 de Abril e terá uma abrangente mostra na área do vídeo, áudio e fotografia. O Split Screen fará questão de estar novamente presente e de fazer toda a cobertura do festival!

terça-feira, 30 de março de 2010

Rachel Weisz será vilã em novo filme de James Bond, de Sam Mendes?



O site Cinema Blend noticiou que a actriz Rachel Weisz está em negociações para interpretar o papel de vilã no próximo filme da saga James Bond. A vencedora do Óscar de Melhor Actriz Secundária por The Constant Gardener (2005), a ser verdade, será a chefe da organização criminosa Quantum e a primeira mulher a interpretar o papel de um vilão principal em toda a saga.

O 23.º filme da saga, ainda sem título, será realizado por Sam Mendes (Revolutionary Road) e escrito por Peter Morgan (The Queen).

Amar... É Complicado!, por Carlos Antunes


Título original: It's Complicated
Realização: Nancy Meyers
Argumento: Nancy Meyers
Elenco: Meryl Streep, Steve Martin e Alec Baldwin

É interessante ver a argúcia com que Nancy Meyers vem rasgando o preconceito geracional Hollywoodiano através do modelo da comédia romântica.
Ao reatribuir os propósitos românticos aos casais que atravessam as idades entre 40 (ou a caminho) e 60 anos, ela vai discutindo o papel que estas gerações ainda tâm na indústria que, em geral, para um género tão "consumível" procura sempre os casais mais "frescos".
Nancy Meyers trabalho no género mantendo-o fiel a uma ideia clássica que não arrisca nem falha.
Ela não é uma realizadora com uma imaginação fresca, tem antes um domínio sereno das características do género e uma mão-cheia de piadas que quando não funcionam não é por não terem graça, mas por não terem novidade já.


Claro que convocando para o jogo um trio de actores de elevado calibre, a tarefa de fazer ir torna-se mais simples, mesmo com piadas reutilizadas.
Um Steve Martin com a sua habitual verve, um Alec Baldwin a confirmar que já há muito que deveria andar a fazer papéis cómicos assim e uma Meryl Streep com rédea solta a divertir-se tanto a si mesma quanto a nós, são garantia de um filme aprazível onde ninguém leva demasiado a sério o trabalho entre mãos, mas antes deixa que a química genuína passe da vida real para o ecrã.


Numa história pouco evidente sobre a possibilidade do amor para lá do divórcio - onde, aliás, este serve de catárse aos erros que tem o casamento - com a química já mencionada é fácil de conseguir um bom efeito, senão cómico, pelo menos de boa disposição geral.
O filme, seguro e eficaz, não revoluciona mas agrada, o que pode bem ser o seu objectivo último.
E se ignorarmos a "aberração" da Disney com que se estreou, The Parent Trap, é seguro dizer que Nacy Meyers se afirmou como uma das últimas guardiãs de um género altamente banalizado.
Que tenha agora chegado ao seu melhor filme é apenas um prenúncio de que mais alguns bons passos poderão ser dados para benefício de quem frequenta as salas.



Fora de Controlo, por Carlos Antunes


Título original: Edge of Darkness
Realização: Martin Campbell
Argumento: William Monahan e Andrew Bovell
Elenco: Mel Gibson, Ray Winstone, Danny Huston e Bojana Novakovic

Martin Campbell parece sofrer de dupla personalidade cinematográfica consoante o material com que trabalha.
Se o argumento revela cuidado e empenho, como a cada lançamento de um actor como Bond, então ele parece encontrar soluções generosas para a história, mas se o material é mais pobre ele parece deixar cair a fasquia, como se estivesse desmoralizado.
É o caso aqui, em que Campbell recorre vezes demais ao grande plano e se deixa ficar hirto em cenas que exigiam agilidade.
Campbell nunca será um grande realizador, mas era escusado parecer tão pouco capaz.


Até porque se o material não é extraordinário, não deixa de ter o mérito de pegar em Mel Gibson e colocar a sua idade em evidência.
A personagem de Gibson está envelhecida, embrutecida por tantos anos na polícia.
Quando lhe matam a filha ele sabe que tem apenas mais uma força dentro e que não é a de um polícia. É a força de uma vingança que ele não tenta travar e da qual sabe não poder voltar.
O filme é esse caminho de vingança, mais do que um policial.
A busca de provas é mais uma âncora dos seus velhos tempos de polícia, uma busca de consciência que não lhe permita tomar inocentes por culpados, mas apenas isso.


Com ele cruza-se Jedburgh (Ray Winstone), um discreto agente que resolve ameaças à segurança nacional da forma como lhe aprouver.
Também ele se encaminha para o fim, mas ao contrário, finalmente ganhou uma consciência.
Ele é o contraponto de Gibson quando ambos servem os propósitos mútuos.
Ray Winstone - e a sua personagem - é mais interessante do que Gibson, mas entende-se o protagonismo do segundo.
O que não se entende é que a história não assuma a sua verdadeira natureza de perseguição implacável e tente temperar tudo com diálogos reflexivos.
Para tal era preciso dar mais espaço a Winstone, então.



LOST: Ab Aeterno (6.09)

Ab Aeterno: desde o princípio dos tempos, dois homens disputam uma batalha na Ilha. Após uma série de eventos trágicos, Richard vê-se envolvido no meio desta disputa. Num dos melhores episódios da série, é finalmente revelado como este personagem chegou à Ilha, se tornou imortal e obteve o cargo de mensageiro do Jacob.

O episódio regressou ao formato tradicional de flashbacks e forneceu uma grande quantidade de respostas há muito tempo esperadas, mas foi também uma excelente história emocional sobre a motivação de Richard. Sem apressar em contar a história, o espectador é envolvido no Inferno pessoal do espanhol que perdeu a sua mulher e procura uma única coisa antes da sua morte: a redenção. O desempenho brilhante de Nestor Carbonell é uma das maiores surpresas da série: após duas temporadas com um personagem completamente sereno, representa agora com toda a credibilidade e realismo um vasto leque de emoções que contagiam o espectador.

1867 – Ilhas Canárias

Ricardo vive em Tenerife com a sua esposa, Isabella. A imagem que abre estes flashbacks introduz-nos uma figura equestre, heróica, acompanhada por uma das mais belas composições de Michael Giacchino nesta série e que define o tema do personagem.

Apesar do tom heróico, rapidamente é acrescentada uma nota trágica à melodia: Isabella está gravemente doente. São um casal pobre, e Isabella dá-lhe a sua jóia de maior valor, um crucifixo em ouro, para pagar ao médico. Naquelas que serão as suas últimas palavras ao Ricardo, Isabella pede-lhe que feche os olhos e se lembre que sempre estarão juntos. Este parte a cavalo em direcção à casa do médico mais próximo, onde chega ensopado a meio da noite.

O médico não está disposto a visitar a paciente, devido ao mau tempo e a distância a que vive. O dinheiro de Ricardo não é suficiente para pagar o medicamento e a cruz de Isabella, para o médico, não tem qualquer valor. Para Ricardo, a cruz tem todo o valor do mundo, representa o amor pela sua mulher. Quando o médico a atira para o chão, é a maior forma de desprezo que lhe pode demonstrar mas, ainda assim, Ricardo implora-lhe a ajuda até que acidentalmente provoca a morte do médico. Desesperado, foge com o medicamento, mas chega já tarde demais à sua mulher, que não resistiu à doença.

Ricardo é preso e condenado à morte. Consigo, levou apenas a Bíblia que Isabella lia no momento em que faleceu. Tem-na aberta numa passagem em que Cristo é tentado três vezes pelo demónio. Um homem de negro, um padre visita-o para ouvir a confissão. Ricardo está profundamente arrependido dos seus pecados, mas o padre vai – contra todos os princípios – recusa-lhe o perdão divino. Esta é uma inversão do momento em que Black Smoke confronta Eko e lhe exige o arrependimento, em "The Cost of Living" (3.05). O padre diz-lhe (ironicamente, tendo em conta o que mais tarde acontece) que Ricardo não terá tempo para a penitência: não há redenção possível e o Diabo aguarda-o no Inferno.
O padre corrupto, no entanto, estava apenas a preparar um bom negócio: com a Bíblia escrita em inglês de Ricardo, convence o britânico Whitfield que tem em suas mãos um escravo de valor. Ricardo é agora propriedade de Magnus Hanso e irá embarcar no seu navio, Black Rock.

1867 – Ilha

Com o Black Rock a aproximar-se, no horizonte, o homem de negro – Black Smoke – visita Jacob junto à estátua de Taweret, a deusa egípcia da fertilidade e do renascimento.

Nesta famosa conversa do episódio "The Incident", Smoke discute com Jacob a inutilidade de trazer mais pessoas para a Ilha: eles chegam, lutam e destroem – acaba sempre da mesma forma. Jacob acredita que só termina uma vez, tudo o resto é apenas um progresso. O Black Rock não foi o primeiro, nem será o último grupo de pessoas que Jacob traz para a Ilha, na sua tentativa de provar que o ser humano é capaz de escolher o Bem se tiver liberdade de escolha.

Conforme o barco se aproxima da Ilha, levanta-se uma terrível tempestade. Todos os grupos trazidos pelo Jacob chegam em circunstâncias atribuladas, como foi o caso do Oceanic 815, o Bésixdouze ou o helicóptero do Lapidus. No interior do Black Rock, um dos escravos espreita por uma frincha e vê a estátua de Taweret, gritando que vê o Diabo. Uma onda violenta destrói a estátua com a ajuda do barco, que acaba no meio da floresta.

Ao amanhecer, Ricardo recupera a consciência e repara que grande parte da tripulação morreu. No exterior, ouve-se que Magnus Hanso morreu, sem ter a oportunidade de conhecer o local que, um século mais tarde, será habitado pela Dharma Initiative, fundada pelo seu descendente Alvar Hanso. Whitfield dirige-se aos escravos e, um a um, crava-lhes a sua espada. Não aparenta estar "infectado", simplesmente acredita que é o melhor a fazer para a sua sobrevivência. Quando apenas resta Ricardo, a carnificina passa para o Black Smoke, que paira em frente ao espanhol após eliminar todos os outros sobreviventes. Em pânico, Ricardo reza e pede perdão pelos seus pecados. O seu arrependimento é sincero e Smoke recua, numa nova alusão à cena em que Eko é morto por recusar a redenção.
Ricardo encontra-se no seu próprio Inferno. Sem se conseguir soltar das correntes e após assistir ao cenário macabro em que um javali se alimenta dos restos mortais de outro escravo, Ricardo já perdeu qualquer esperança quando tem uma visão de Isabella. Esta aparição diz-lhe que viu o Diabo: olhou-lhe nos olhos e tudo o que viu foi maldade. John Locke, após ter visto o monstro em "Walkabout" (1.04), afirma ter olhado para o coração da Ilha e o que viu foi deslumbrante.  Curiosamente, o único personagem que sugeriu a hipótese de todos estarem mortos e a Ilha ser o Inferno foi Anthony Cooper em "The Brig" (3.19), quando estava acorrentado no interior do Black Rock.

A visão de Isabella tenta salvar Ricardo sem qualquer sucesso e foge quando ouvem sons do Black Smoke no exterior. Há uma ambiguidade intencional que levanta a dúvida se tudo isto foi realmente uma encenação do Smoke para manipular o espanhol, ou um dos sonhos causados pela Ilha, como os de John Locke.
Sob a forma de homem de negro, Smoke acorda Ricardo, tocando-lhe no ombro. Diz ser um amigo, oferece água e confirma-lhe que está no Inferno. Convence-o de que o Diabo tem Isabella e estabelece um acordo: irá libertar Ricardo, que se compromete a ajudá-lo. "É bom ver-te livre dessas correntes", expressão que o homem agora livre irá recordar passados 140 anos, no final de "LA X". Smoke diz-lhe que é preciso fugir, mas para o fazer é necessário matar o Diabo.

O homem de negro entrega a Ricardo a mesma adaga com a qual o Sayid o tentará matar. As suas instruções são exactamente as mesmas dadas por Dogen: se o deixar falar, já será tarde demais. A palavra de qualquer um deles é suficiente para influenciar o coração dos homens e só alguém completamente motivado seria capaz de matar o Jacob, como acaba por ser, mais tarde, o caso de Ben. Alguém verdadeiramente religioso naquela época seria muito facilmente levado pelo medo do Inferno e do Diabo, mas Black Smoke revela ainda algo sobre o seu passado: foi Jacob quem lhe roubou o corpo e lhe tirou a humanidade. A tentação oferecida ao Ricardo é a mesma oferecida a Sayid: poder voltar a ver a sua amada.
Determinado a matar o Diabo, Ricardo dirige-se à estátua empunhando a adaga, mas o homem de branco agride-o e desarma-o. Ricardo pergunta pela Isabella, mas Jacob não sabe do que este está a falar, apercebendo-se que terá havido influência do Black Smoke nas acções de Ricardo. Ao descobrir que este está convencido que morreu e se encontra no Inferno, Jacob mergulha Ricardo no mar até o convencer do contrário, numa imagem alusiva ao baptismo. Jacob leva o espanhol de volta à praia e oferece-lhe uma manta, mas não o deixa entrar na estátua sem ser convidado.

O homem de branco oferece vinho a Ricardo, por oposição ao homem de negro que lhe ofereceu água. Diz-lhe não ser o Diabo e admite ter trazido o barco para a Ilha. A garrafa de vinho é uma alegoria para o mal que está aprisionado na Ilha, que o previne de se espalhar. Explica que o homem de negro acredita que todos os homens são corrompíveis, pois está na sua natureza pecar. Jacob traz as pessoas à Ilha para provar que esse homem está errado. Antes do Black Rock, muitos outros vieram parar à Ilha, e todos morreram. Se Jacob diz a verdade, não existem "Others", apenas Ricardo e estes dois homens. Jacob nunca interferiu nas acções de quem chega à Ilha, espera que eles encontrem por si o seu caminho: nenhuma acção teria significado se fosse Jacob a forçá-la. Esta posição é bastante representativa da imagem do Deus cristão, e Ricardo contrapõe a posição representativa do Diabo tentador – se Jacob não interferir, o Smoke vai interferir.

Jacob mostra-se surpreendido com esta perspectiva. É aqui que lhe ocorre a ideia de criar um cargo de mensageiro, alguém que o represente e leve a sua palavra até aos homens que ele traga à Ilha. Em troca, oferece qualquer coisa que Ricardo queira. A resposta é imediata: Ricardo quer a sua mulher de volta, mas Jacob não tem essa capacidade. O seu segundo desejo é também algo que não está ao alcance do homem de branco: redimi-lo dos seus pecados, para que não vá para o Inferno. Quase como um desabafo, Ricardo diz que não quer morrer, mas viver para sempre. Jacob sorri e, dizendo que isso é algo que ele pode fazer, concede-lhe a vida eterna com um toque no ombro.

Ricardo encontra-se com o homem de negro, não foi capaz de cumprir a sua tarefa e traz-lhe uma pedra branca como lembrança do Jacob. A frustração de Smoke é evidente, mas este diz compreender e garante que a sua oferta se irá manter caso algum dia Ricardo mude de ideias, seja quando for. Smoke entrega-lhe a cruz de Isabella, que encontrou no navio, mas Ricardo enterra-a, despedindo-se assim da sua amada. Há que salientar o desempenho de Titus Welliver neste papel, bastante próximo do de Terry O'Quinn, trazendo muita credibilidade ao facto de ser um único personagem com aparências diferentes.

Na manhã seguinte, Jacob encontra-se com Smoke. Ao contrário da conversa anterior, esta é mostrada exclusivamente em planos de câmara filmados pelas costas dos pesonagens, salientando assim o atrito entre eles. Smoke não se arrepende da sua tentativa de o matar e pede-lhe que simplesmente o deixe sair. Jacob não irá deixar sair enquanto estiver vivo, razão essa pela qual Smoke promete matá-lo ou a qualquer um que lhe suceda. Jacob deixa-o com a garrafa representativa da sua prisão, mas o homem de negro não hesita em quebrá-la e derramar o vinho.

2007

Na praia, o grupo discute a sua situação. Curiosamente, é Sun quem explica a Jack o motivo pelo qual o seu nome estava escrito no farol e que este é um dos últimos 6 candidatos. Desde que chegou no Ajira 316, Sun tem sido a personagem das perguntas. Como resultado, é agora a personagem melhor informada do grupo, a seguir à própria Ilana. Talvez seja este um sinal que a personagem mais criticada nesta temporada possa finalmente atingir o seu potencial.

Num flashback de Ilana, vemos que Jacob a instruiu para seguir até ao Templo com os candidatos, Richard saberia o que fazer a seguir. Ilana está determinada quando Jacob lhe pede ajuda, mas mostra-se triste ou desiludida com a missão que lhe é dada. Possivelmente, Ilana desejaria ser uma candidata e não a protectora. A sua relação com Jacob permanece um mistério: desde o princípio dos tempos, tem levado pessoas à Ilha sem interferir nas suas acções, até ter criado em Richard um mensageiro da sua palavra. Dogen foi recrutado pessoalmente por Jacob para a Ilha, mas Ilana diz que este homem foi o mais próximo que teve de um pai, foi treinada e é agora levada numa missão.

Instruída por Jacob, Ilana pergunta a Richard o que fazer em seguida, provocando-lhe uma gargalhada. Richard diz não saber o que fazer, tudo o que Jacob alguma vez disse é mentira e talvez seja hora de ouvir outra pessoa, deixando o grupo para trás. Jack questiona-se sobre quem possa essa pessoa ser, ao que Sun responde "Locke". A expressão de Ben diz tudo: de facto será muito interessante ver o encontro de Jack com Locke, mesmo sendo este uma entidade diferente. Entretanto, Hurley vê Isabella – quer ajudar o seu marido. É esta mudança na vontade do Richard, a determinação em juntar-se ao Black Smoke que faz com que Isabella tente impedi-lo e convença Hurley a ajudá-la.

Richard perdeu a fé em Jacob e dirige-se ao local onde enterrou o crucifixo da esposa. Se a oferta do homem de negro se mantiver de pé, poderá reencontrar-se com Isabella. Richard grita na esperança de ser ouvido por Smoke, mas é interrompido por Hurley, que lhe revela o facto de Isabella estar presente. Numa cena emocional ao nível do telefonema entre Desmond e Penny em "The Constant" (4.05), Isabella pede ao seu Ricardo que feche os olhos, lembrando-o das suas últimas palavras: "siempre estaremos juntos".

O amor de Isabella é a constante de Richard: a única verdade que ninguém lhe pode negar. Assim, volta a colocar a cruz ao peito como símbolo dessa verdade absoluta. Hurley avisa-o que a sua esposa fez mais um pedido: Richard tem de parar o homem de negro, senão todos irão parar ao Inferno.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Parnassus – O Homem que Queria Enganar o Diabo, por Tiago Ramos



Título original:
The Imaginarium of Doctor Parnassus (2009)
Realização: Terry Gilliam
Argumento: Terry Gilliam e Charles McKeown
Elenco: Johnny Depp, Jude Law, Heath Ledger, Colin Farrell, Christopher Plummer, Tom Waits e Lily Cole

Desde cedo que o mais recente filme de Terry Gilliam popularizou-se ganhando o estigma de “último filme de Heath Ledger”, que faleceu ainda durante as filmagens. E se, para muitos, perder o protagonista de uma produção pudesse ser o fim, para o cineasta – fundador dos Monty Python – foi apenas o início de uma viagem a um mundo complexo, genialmente construído através de um brilhante imaginário fantástico. De uma grande adversidade, o realizador soube trazer uma produção extremamente arriscada e ousada, mas que – inevitavelmente – teve dificuldades em ganhar uma distribuidora disposta a arriscar assim tanto. Ainda bem que houve quem o fizesse.



Dr. Parnassus é um contador de histórias imortal, com um espectáculo itinerante e com dificuldades em tornar-se apelativo perante as gerações contemporâneas. É este espectáculo físico e psicológico que dá mote a toda esta dualidade e ambiguidade que prevalece na obra de Terry Gilliam. Isto porque nos vemos confrontados entre a decadência externa de um espectáculo que não consegue se renovar perante o avançar das épocas e o ambiente mágico de um mundo imaginário que só podia existir na mente de cada um de nós. O nosso intelecto é o resultado das nossas ambições e receios, porque somos vítimas do imaginário que criamos, numa linha ténue entre o real e a ficção.

Isto não quer dizer que Parnassus – O Homem que Queria Enganar o Diabo seja um filme perfeito. Não o é porque às vezes perde profundidade narrativa com todo o exagero visual que o permeia. Contudo, é revigorante pelo afrontamento às normas da indústria cinematográfica actual e pelo visual potencialmente infantil e genuíno com que somos brindados a cada cena. É revigorante porque não conseguimos imaginar este argumento sem este lote de actores que substitui Heath Ledger, ou melhor, que o complementa, que fazem de alter-ego de Tony. Porque esta solução, encontrada sob pressão, parece tão natural, quase feita propositadamente. É uma divisão entre o mainstream e o indie, que resulta muito bem, mas que no fim de contas acaba por pesar na opinião final. E nem sempre a influencia positivamente, até porque não estamos habituados a este arrojo.



O elenco de actores está excelente. Christopher Plummer personifica a decadência e o anseio humano por mais e melhor, enquanto que Lily Cole brilha nesta prestação debutante em que representa a pureza e a perda da ingenuidade. Temas recorrentes na filmografia de Terry Gilliam. Depois temos ainda a inevitável prestação de Heath Ledger (já havia colaborado com o realizador em The Brothers Grimm), quase sempre improvisada, mas que tão bem encarna o papel que lhe foi concedido. O final anuncia-nos «um filme de Heath Leadger e amigos» e foram precisamente os seus amigos que deram um brilho maior a esta produção: Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel. Deste trio destaco o último que surpreende num fantástico desempenho a que, sinceramente, não estou habituado da sua parte. E já que falamos em surpresas, Tom Waits parece talhado para este papel. O Diabo, o vilão, o apostador inconsequente, cheio de artimanhas, mas para quem, no fim de contas, tudo é um jogo. A sua vida e a dos outros, é um jogo., ou não fosse esta mais uma revisitação do mito de Fausto.



E se no argumento sentimos dúvidas, é precisamente a nível técnico que o filme se apresenta espectacular: a cinematografia de Nicola Pecorini (Tideland), a direcção artística nomeada para o Óscar, de Anastasia Masaro (Tideland) ou o guarda-roupa também nomeado ao Óscar na categoria correspondente, de Monique Prudhomme (Juno). São estes que contribuem para o espectáculo visual que é Parnassus – O Homem que Queria Enganar o Diabo. A meio, a ousadia delirante torna-o num espectáculo bizarro, que acaba por causar estranheza no espectador. Perde em complexidade e profundidade argumentativa, o que faz com que não seja o filme genial que poderia ser, mas acaba por ser uma obra surpreendentemente agradável. Especialmente para os fãs do género fantástico.

Classificação: