sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O Leitor, por Tiago Ramos



Título original: The Reader (2008)
Realização: Stephen Daldry
Argumento: David Hare e Bernhard Schlink
Elenco: Ralph Fiennes, David Kross, Bruno Ganz e Kate Winslet

Um filme minuciosamente preparado para agradar a Academia.

Circulam piadas em Hollywood que dizem que para as actrizes ganharem o Óscar de Melhor Actriz precisam de protagonizar filmes sobre o Holocausto ou então interpretar uma personagem em que surjam irreconhecíveis. Em The Reader, Kate Winslet enquadra-se nos dois parâmetros, podendo ser a vez da actriz, depois de cinco nomeações, levar a estatueta dourada para casa.



Stephen Daldry é outra das preferências da Academia. Três filmes, três nomeações. Billy Eliot, The Hours, The Reader. Com o realizador não há margem de manobra, tudo é preparado até ao mais ínfimo pormenor, bons planos, bons actores, bom argumento.

Em O Leitor (The Reader), adaptação do romance de Bernhard Schlink, nota-se essa cartilha de normas, esse rigor habitual em Daldry. Acompanhamos de imediato, o erotismo e o amor carnal, que não são tão habituais nos seus argumentos. Mas mesmo essa intimidade é organizada, detalhada, sem descurar os pequenos pormenores, acompanhando um erotismo calculado. E curiosamente é aí, na ficção e romance, que o argumento sai beneficiado. O Leitor é uma bela história de amor, numa história de opostos, onde a leitura e os livros servem como um progresso na relação de uma mulher madura e simples e um jovem estudante. O argumento é um constatar de como podemos ver e sermos cegos ao mesmo tempo, como páginas e páginas carregadas de letras e expressões, podem ser brancas para os olhos de muitos. Uma história simples.



Contudo, é nas cenas que tendem a retratar a história e a realidade, que o filme se torna mais artificial. O filme é uma obra inteiramente orquestrada, mas que revela a deficiência das obras de Stephen Daldry: os copos meio vazios. Ou meio cheios, depende. Tal como nos anteriores filmes, também em O Leitor parece-nos que há sempre questões que ficam pela metade, planos abruptamente invadidos, cernes importantes descurados. Será esta uma tentativa de reflexão forçada para o espectador?

Os planos e as cenas iniciais do filme são metodicamente organizadas, pena que a presença do britânico Ralph Fiennes não tenha tido grande preponderância. Por outro lado, a surpresa surge do lado do jovem actor David Kross, que até então só tinha interpretado na sua língua materna e agora teve de interpretar o papel de um jovem frágil, romântico e literado, que lê romances inteiros em voz alta (e na língua inglesa). Na primeira meia hora de filme nota-se a fragilidade e insegurança com que o jovem actua, mas à medida que o filme vai mudando de sentido, o seu talento desabrocha. Tal como mais tarde o mesmo sucede com o desempenho de Ralph Fiennes.

Contudo e fica desde já o aviso, Kate Winslet não tem aqui uma senhora intepretação. O desempenho é bom, mas não extraordinário. (Não é uma April Wheeler, em Revolutionary Road, se bem que me parece injusta a eterna comparação entre trabalhos antigos). A primeira metade do filme é algo insonsa para o habitual, sendo no momento do twist do filme, que a sua Hannah Schmitz revela o seu poderio, principalmente quando entra em confronto com outros personagens e alia a sua convicção e sentido de responsabilidade com a sua ingenuidade. Hanna Schmitz é maioritariamente ingénua e isso David Hare, o argumentista que trabalhou com Daldry em The Hours, soube adaptar. A sua caracterização, numa fase mais avançada da história, se em dadas alturas aparenta algum descuido, tem o seu ponto alto em determinadas cenas, cuja fragilidade é contraposta à firmeza da personagem.



O argumento é frio e depressivo. É profundíssimo o olhar da frieza perante o livro e afinal O Leitor é sobretudo um hino à leitura. É arrepiante e perturbadora a frieza de uma personagem que cometeu atrocidades, coniventes com o absurdo do nazismo. David Hare conseguiu transmitir estabilidade ao seu argumento. Já Stephen Daldry limita-se à rigidez do costume. É uma realização de qualidade, é certo, mas mostra-se incapaz de seguir um caminho mais aberto e incerto. A fotografia do filme é um dos pontos altos do filme, tal como a perturbadora banda sonora e nisso Daldry e a sua equipa é extremamente competente.

Contudo há sempre incertezas e questões abordadas que são rapidamente largadas. O trabalho conjunto de David Hare e Stephen Daldry sempre pecou por isso. Já em As Horas o mesmo se passou e pelo sim, pelo não tenho o livro de Bernhard Schlink pronto para ler e esclarecer esse sentido de incompleto que as versões cinematográficas habitualmente não conseguem completar.

O Leitor é um bom filme, plenamente competente e virado para os Óscares, pena que o fim caía no erro dos moralismos. Parece-nos que no fim de contas todo o argumento não é mais que uma campanha virada para o combate à iliteracia e que tudo isso tenha contornos demasiado moralistas. Até que ponto iria para guardar um segredo? Esse sim, parece-nos o cerne da questão.

Classificação:

2 comentários:

  1. E é com pena que venho dizer que considero o último filme de Daldry muito muito abaixo d'AS HORAS e extremamente sobrevalorizado.

    Kate Winslet tem um grande papel, o rapaz também mas quer dizer... o filme mais parece um telefilme, Daldry conduz com competência mas sem inspiração. Não há uma única cena que em que eu diga: "grande cena!". O argumento ou a história em si não ajuda. Penso que não acrescenta nem traz nada de novo. É uma história bem contada? É, mas... e daí? Depois tecnicamente não há nada assim de extraordinário: nem fotografia, nem guarda-roupa, nem cenários, nem montagem, nem banda-sonora...

    Enfim... 3/5

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  2. Eu tenho esse grave problema com Stephen Daldry. Todas as suas obras são extremamente sobrevalorizadas e pretensiosas. Eu gosto de algumas cenas em O Leitor, acho que em algumas ocasiões temos bonitos postais e planos e a banda sonora também não é má. Mas não é mais que isso. Mesmo o papel de Kate Winslet é inferior ao de Revolutionary Road e não devia ter ganho um Óscar por ele, mas sim pelo segundo.

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