terça-feira, 3 de março de 2009

A Troca, por Tiago Ramos



Basta ouvir falar em Clint Eastwood que os ouvidos de um cinéfilo mais atento, imediatamente disparam um aviso. Eastwood tem esse efeito nas pessoas, quer seja como actor ou como realizador, devido ao facto de ter imortalizado obras distintas em qualidade, como Cartas de Iwo Jima, Million Dollar Baby, Mystic River ou Unforgiven.

Há muito que não via uma obra de Clint Eastwood que dividisse assim tanto o público e a crítica em geral, apelidando o novo Changeling ora como uma obra-prima, ora como um filme menor. Muito culpa da diversidade e pluralidade que espreita em cada esquina do argumento e da prestação de Angelina Jolie, que alguns afirmam como uma escolha errada.



A Troca dividiu-me logo de imediato. A primeira meia hora de filme é a dada altura decepcionante, sem grande impacto, mesmo quando o filho da protagonista desaparece. A prestação da actriz parece incompleta e, por vezes, se quisermos ir a extremos, vazia. No entanto, algures a meio do argumento dá-se uma reviravolta em energia, em dramatismo e o espectador vê-se perdido nos loucos anos 20, num sistema altamente corrupto, manipulador de massas e perverso.

Clint Eastwood cria um filme activista, que ilude o espectador e que faz confundir realidade e ficção, tamanha é a fusão entre ambos. O argumento de J. Michael Straczynski (Babylon 5) é coerentemente inteligente, onde nada fica a despropósito, nada surge como acessório, mas como peças preponderantes para uma correcta percepção da história. A mesma história que é crua e fria na reconstituição da época e que conflui numa luta contra o sistema político corrupto e que tenta ocultar tudo o que surge contra a fachada de competência que enverga.



O filme é estonteantemente perfeito na recriação da época, quer seja nos ambientes cénicos, quer nos guarda-roupas. A música, por outro lado, ficou a cargo de Clint Eastwood, que na altura se dividia entre a composição da banda sonora e a realização do filme, bem como o seu desempenho no filme Gran Torino. A banda sonora que é um crime não ter sido nomeada para os Óscares, tamanha é a sua envolvência no argumento e profundidade musical.

O ponto mais delicado do filme é a prestação de Angelina Jolie. Habituados a vê-la em filmes de qualidade mais duvidosa e no género de acção, de início parece-nos megalómana a tarefa da actriz em interpretar a corajosa Christine Collins. Aliás, comentei logo a meio do filme, que me parecia que à sua prestação faltava-lhe substância. Contudo, houve uma cena do filme, em tribunal, cuja acusação contra Christine Collins foi a de ser uma mulher aparentemente indiferente, sem grande reacção dramática incontrolável. Ora, aqui percebi que a máxima “não é defeito, mas feitio” se aplicava como uma luva ao seu desempenho. Angelina Jolie cumpriu plenamente o propósito que Straczynski e Eastwood propuseram para a sua personagem e terá ido ainda mais além. O chapéu que lhe provoca um olhar semicerrado, faz de Christine Collins, uma das grandes personagens do ano, com uma energia e força incontestáveis, uma única mulher contra um sistema que sempre foi determinante na eliminação dos inconvenientes. Uma mulher contida e politicamente correcta, mas ao mesmo tempo com uma coragem invejável. Uma mulher que, apesar de tudo o que passou, nunca perdeu a esperança e nunca parou de lutar. Uma mulher que acredita na justiça, mesmo que tenha de a enfrentar. Uma prestação de Angelina Jolie que a coloca ao lado de mulheres como Kate Winslet e Meryl Streep e que não a deixa em desvantagem perante elas.



O maior problema do filme será sobretudo a focagem única na protagonista, deixando o resto como cenário, salvo algumas das cenas em que entra John Malkovich, que merecia mais algum destaque, nem que fosse num único argumento. Changeling é perturbador e forte, desconcertante até, como um murro no estômago e que nos deixa sem palavras. É uma história que concebemos ser possível acontecer a qualquer um, mas que nos faz temer essa mera possibilidade. É um filme diferente de Clint Eastwood, mas que merece um visionamento atento e que se dê uma oportunidade ao brilhante desempenho de Angelina Jolie.

Classificação:

3 comentários:

  1. Obrigada pela visita!

    Fantástico blog, excelentes reviews.

    Hei-de vir cá mais vezes!

    Beijinhos*

    ResponderEliminar
  2. A Troca não é, pois, senão o drama na sua melhor forma, realizado por Clint Eastwood, um dos maiores mestres do género. Tão bem feito que não me admiraria nada se, daqui a uns anos, se impusesse como um clássico absoluto.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

    ResponderEliminar
  3. Na primeira metade, o filme para mim permanecia indefinido. Depois acabei por render ao filme... Um clássico mesmo!

    ResponderEliminar