domingo, 30 de agosto de 2009

Sacanas Sem Lei, por Carlos Antunes

http://dorkshelf.com/wordpress/wp-content/uploads/2010/01/600full-inglourious-basterds-poster.jpg

Título original:
Inglourious Basterds
Realização: Quentin Tarantino
Argumento: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Eli Roth, Michael Fassbender e Diane Kruger

Não haja dúvidas de que o mais recente filme de Tarantino não pode ser visto senão como uma inteligente declaração de amor ao Cinema.
Ao Cinema como arma, propagandística e literalmente incendiária. Ao Cinema como força aglutinadora. Ao Cinema como expressão universal (e universalmente entendível), ainda que passível de divergência.
Se tal não bastasse, o filme de Tarantino é também um tratado sobre o poder e a importância da linguagem.
Algo como um poema multilingue onde cada contorno do que se diz - e faz, pois a um ponto trata-se também de linguagem gestual - pode ser, afinal de contas, menos importante do que como se diz.

http://judao.mtv.uol.com.br/wp-content/uploads/2009/05/inglourious-basterds-may13photo-10-552x333.jpg

Nota-se que este filme começou a crescer para lá do que primeiro teria sido, que cresceu para lá do que o seu nascimento deixava prever.
Uma declaração de amor que se vive tão intensamente na forma como Tarantino tão magistralmente toca a linguagem do western spaghetti, thriller Hitchcockiano ou do noir, entre tantos outros géneros dignos de nota que sentimos na tela.
Tão intensa declaração de amor suplantou por completo a reinterpretação do sub-género de filme de guerra com que Tarantino começou mas à qual teima em voltar uma e outra vez.
Tarantino não parece disposto a ceder à evidência de que o sub-género menor que cita não se coaduna com o género maior que estava prestes a criar.
Quando tal acontece, coloca a nú as fragilidades de um cineasta que não soube largar o que não é mais do que uma condicionante admiração de fã e não uma fonte de inspiração de um cineasta.



De permeio com cenas tão dramaticamente magníficas como são a de abertura ou a do jogo disputado num bar de cave, as cenas com os bastardos (cito estas exactamente para acentuar a distância entre os dois pólos deste filme) fazem figura de caricatura destoante.
O humor sôfrego e a violência sadística não fazem aqui figura de marca autoral mas antes revelam o quão imberbe Tarantino ainda é.
O seu argumento, mais uma vez dividido em capítulos - cada vez mais pedaços independentes de cinema ligados tenuamente -, tem um problema de falta de ligação narrativa e dramática, surgindo segmentado e periclitante entre as suas componentes.
Essa ligação é algo que se exigia a uma obra que está sempre à beira de tornar-se magistral se se afirmasse como um épico coerente.

http://judao.mtv.uol.com.br/wp-content/uploads/2009/05/inglourious-basterds-may13photo-05-552x333.jpg

Se a isso juntarmos o péssimo casting dos bastardos - Brad Pitt consegue ser terrível mas sem a ironia que os irmãos Coen lhe tinham imposto e nem a amizade justifica o "job for the boy" de Eli Roth - perceberemos logo que só há um pormenor a atravessar o filme e a salvá-lo.
Que é como quem diz que este é um filme de um actor só e esse actor é o brilhante Christoph Waltz a interpretar um papel que vai entrar directamente para a história do cinema.
O carisma e o génio do seu Coronel Hans Landa fica assente logo à primeira cena (tão tensa, tão aterradora, tão apaixonante) e quando o final chega, temos pena do que lhe acontece, mas sobretudo de o perder de vista, ele que merecia um épico só seu, das suas façanhas.

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Ainda que a confiança de Tarantino neste seu trabalho seja admirável em toda a sua dimensão - seja pela sua afirmação de que Inglourious Basterds é que merecia a Palma de Ouro ou a frase (em breve mítica, certamente) com que conclui o filme "I believe I just made my masterpiece." - não consegue realmente compôr a obra que anuncia.
Tarantino estagnou logo antes da maturidade cinéfila e apesar do seu estilo, isso já não chega para satisfazer as esperanças que depositamos no seu talento.

[3.png]

http://theaterofmine.files.wordpress.com/2009/05/inglourious-basterds-cast11.jpg

5 comentários:

  1. Ainda não vi. Portanto não tenho autoridade para emitir qualquer opinião. Mas é a primeira crítica menos boa que leio. E já li imensas...

    Abraço.

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  2. Olha que já li críticas muito piores.
    Para ser sincero, foi um alívio mesmo assim que este filme não tivesse sido tão mau quanto o À Prova de Morte, mas não consiguiu voltar a convencer.

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  3. Carlos Antunes. Nota-se que percebes bastante do que falas, e que tens o cinema como um assunto sério e do qual tens algum dominio. No entanto discordo muito quando dizes que o seu amor ao cinema suplantou o seu sub-genero de guerra, não concordo. Tarantino é o que é devido ao seu amor ao cinema, nota-se a cada cena, a cada dialogo que ele realmente percebe muito de cinema e que o respira.
    Uma coisa é verdade, todos esperamos um filme do Tarantino capaz de suplantar qualquer coisa, isso espera-se porque o génio dele tem de ser reconhecido, o seu talento é único, é por isso que esperamos sempre tanto.

    Se perguntares pelo mundo fora, as cenas com os Basterds são fortemente ditas como muito boas, como cenas cómico/trágicas cheias de humor negro.
    Péssimo Casting? Num filme em que Tarantino descobre um actor como Christoph Waltz torna-se ridiculo falar em pessimo casting. Brad Pitt tem das interpretações mais consistentes dele e mostra que é realmente um actor capaz, o seu tenente Texano está impecável na minha opinião. O filme é falado em 3 linguas, deve ser o filme que melhor consegue fazer isso. A maioria do elenco era europeu e desconhecido e todos eles deram uma grande identidade ao filme.
    E eu percebo porque tarantino pode considerar este filme a sua obra-prima, é talvez o filme dele que consegue arrebetar mais gente no cinema, consegue ser tão marcante, com cenas tão belas que quase toda a gente poderá reconhecer neste um grande filme.
    Agora dizer que é a Obra-prima é sempre subjectivo, ainda para mais quando o realizador em questão conta no curriculo com pulp fiction.

    Carlos tens aqui um texto muito bom, no entanto creio que uma vez ou outra é necessário que os critícos tratem os filmes de maneira mais soft e relaxada, que se consigam sentar no cinema unicamente com vontade de se deixarem ser levados no filme. Este filme é perfeito nesse aspecto também

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  4. Tiago,

    Não te enganes em ler o que escrevi.
    Não disse que foi o amor de Tarantino ao cinema que se sobrepôs ao subgénero de filme de guerra.
    O que disse foi que a declaração de amor ao cinema - ou, se preferires, a história em que o cinema se torna numa arma, literalmente - se tornou mais importante do que o subgénero com que se começou.
    E é verdade, pois não há uma única cena de batalha no filme.

    O mesmo vale para o casting que se refere apenas aos bastardos, em si mesmos.
    Sobretudo aqueles dois em mais evidência e cujo nome cito. Eli Roth não é actor e Brad Pitt está a fazer o papel do idiota sem ponta de ironia.
    Não me parece, no entanto, que as cenas com os Basterds sejam de humor nego, menos ainda trágicómicas.
    Parecem-me, pelo contrário, constituir a componente de humor fácil do filme. Basta ver o caso do "sotaque italiano" de Raine (Pitt, aliás, tem um historial de péssimos sotaques, se calhar a ironia era essa).
    Já não percebo o que a quantidade de línguas faladas tem a ver com a qualidade de um casting.
    Isso tem antes a ver com um desejo de realismo, perfeitamente aceitável.
    E o casting nem era assim tão desconhecido. Fassbender, Bruhl ou Kruger não são nomes desconhecidos.
    Mélanie Laurent e Waltz, esses sim, finalmente chegaram ao público mais abrangente.

    Para concluir, não sou um crítico.
    Não sou, ou se sou, sou-o tanto como qualquer outra pessoa.
    Todo o espectador julga o filme. Eu escrevo sobre ele aqui neste blog, mas sou um espectador como qualquer outro.
    Quando me sento na sala não estou sujeito a qualquer "defeito profissional".
    Sento-me disposto a ver o filme com toda a minha paixão cinéfila.
    Depois do filme concluído, passadas algumas horas ou quando finalmente me sento ao computador, então sim, degladio-me novamente com o filme de forma mais racional, traduzindo em palavras o amor ou ódio (ou indiferença, claro) que senti em estado bruto quando as luzes se acenderam.
    Quando dizes que o filme é "perfeito nesse aspecto também" estás tu próprio a ser crítico mas eu não duvido que o dizes como espectador de cinema.
    É preciso deixarmos de lado essas divisões.
    Sei que não pretendeste qualquer dano, até porque deixaste um elogio entre as tuas palavras, mas acho que qualquer amante de cinema ficaria um pouco aborrecido com essa ideia de que está numa sala com a caneta feita arma.

    Um abraço!

    ResponderEliminar
  5. Tiago,

    Não te enganes em ler o que escrevi.
    Não disse que foi o amor de Tarantino ao cinema que se sobrepôs ao subgénero de filme de guerra.
    O que disse foi que a declaração de amor ao cinema - ou, se preferires, a história em que o cinema se torna numa arma, literalmente - se tornou mais importante do que o subgénero com que se começou.
    E é verdade, pois não há uma única cena de batalha no filme.

    O mesmo vale para o casting que se refere apenas aos bastardos, em si mesmos.
    Sobretudo aqueles dois em mais evidência e cujo nome cito. Eli Roth não é actor e Brad Pitt está a fazer o papel do idiota sem ponta de ironia.
    Não me parece, no entanto, que as cenas com os Basterds sejam de humor nego, menos ainda trágicómicas.
    Parecem-me, pelo contrário, constituir a componente de humor fácil do filme. Basta ver o caso do "sotaque italiano" de Raine (Pitt, aliás, tem um historial de péssimos sotaques, se calhar a ironia era essa).
    Já não percebo o que a quantidade de línguas faladas tem a ver com a qualidade de um casting.
    Isso tem antes a ver com um desejo de realismo, perfeitamente aceitável.
    E o casting nem era assim tão desconhecido. Fassbender, Bruhl ou Kruger não são nomes desconhecidos.
    Mélanie Laurent e Waltz, esses sim, finalmente chegaram ao público mais abrangente.

    Para concluir, não sou um crítico.
    Não sou, ou se sou, sou-o tanto como qualquer outra pessoa.
    Todo o espectador julga o filme. Eu escrevo sobre ele aqui neste blog, mas sou um espectador como qualquer outro.
    Quando me sento na sala não estou sujeito a qualquer "defeito profissional".
    Sento-me disposto a ver o filme com toda a minha paixão cinéfila.
    Depois do filme concluído, passadas algumas horas ou quando finalmente me sento ao computador, então sim, degladio-me novamente com o filme de forma mais racional, traduzindo em palavras o amor ou ódio (ou indiferença, claro) que senti em estado bruto quando as luzes se acenderam.
    Quando dizes que o filme é "perfeito nesse aspecto também" estás tu próprio a ser crítico mas eu não duvido que o dizes como espectador de cinema.
    É preciso deixarmos de lado essas divisões.
    Sei que não pretendeste qualquer dano, até porque deixaste um elogio entre as tuas palavras, mas acho que qualquer amante de cinema ficaria um pouco aborrecido com essa ideia de que está numa sala com a caneta feita arma.

    Um abraço!

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