sábado, 20 de março de 2010

Disponível Para Amar, por Tiago Ramos



Título original: Fa yeung nin wa (2000)
Realização: Wong Kar-Wai
Argumento: Wong Kar-Wai
Elenco: Maggie Cheung e Tony Leung Chiu Wai

Poucas vezes no Cinema vimos um Amor assim tão casto. Disponível Para Amar é precisamente o Cinema feito poesia pelas mãos de um dos mais talentosos e sensíveis realizadores contemporâneos, o chinês Wong Kar-Wai. Por vezes as palavras não são suficientes e o silêncio das personagens de Mrs. Chan e Mr. Chow são suficientes para criar um dos mais sedutores quadros da mais bela história de amor centrada na melancolia e no desejo. É um amor proibido, casto, único. Singular.



Wong Kar-Wai repete-se ao longo do filme. É uma poesia rítmica, assente em repetições, movimentos lentos, extremamente erotizados, sem sequer existir um único beijo que confirme esse Amor. Lá fora chove. A chuva persiste, cai ritmada, a um compasso sensual, tal como a personagem feminina que sai do ambiente (pouco) familiar para comprar arroz. E a monotonia dessa rotina quase diária é suficiente para manter o espectro de sensualidade e romantismo sob o qual o filme vive. O Amor é um jogo de sedução e este vive de rodeios eternos, como se a sua consumação fosse impossível. E é impossível. «Achava que não seríamos como eles». E por isso repetem um ensaio contínuo, frequente, sobre como tudo começou, como se gerou aquela intimidade que tanto afectou a sua vida pessoal, mas que os uniu. «Só tinha curiosidade em saber como tinha começado».



Maggie Cheung e Tony Leung Chiu Wai são dois actores talentosos. É por meio deles que esta história vai avançando lentamente, ao ritmo de um belo poema, com uma enorme química entre os dois, ao som de velhos êxitos de Nat King Cole e no meio do vazio das ruas. As mãos, os olhos presos no marginal, os gestos e diálogos quotidianos insinuam-se no amor negado pelos dois. «Sabemos que não é verdade, para quê preocuparmo-nos?». A comida, as paredes do quarto, a solidão dos corredores, a melancolia num compasso sedutor e lento.

O conceito do Amor proibido é desde o início mantido pela estética do realizador. E aí Wong Kar-Wai faz uso da luz intensa, dos jogos de sombra, da montagem invulgar (que aumenta o poder da sugestão), das cores e da banda sonora tão subtil e tão sensual. Música essa da autoria de Michael Galasso (Séraphine) e Shigeru Umebayashi (A Single Man), com o violoncelo como factor predominante para a cadência da sensualidade em cada frame do filme. Christopher Doyle (Donwloading Nancy) traz-nos mais uma vez um belíssimo trabalho fotográfico, ou não fosse ele um dos melhores directores de fotografia contemporâneos, com auxílio de Pung-Leung Kwan (My Blueberry Nights) e Pin Bing Lee (Air Doll).



A abordagem artística de Wong Kar-Wai é única. Disponível Para Amar é sobretudo um belíssimo exercício de estilo que lhe falta uma maior profundidade argumentativa para agradar a outro género de público. Não é este um ponto negativo, é apenas um impedimento para que agrade um público mais diverso. E de certo modo ainda bem, porque o cinema do realizador chinês é dos mais belos e inocentes de sempre. É díficil não ceder ao encanto das imagens que vemos em Disponível Para Amar, tanto que as palavras são insuficientes e limitadas para descrever a sensação de assistir à castidade deste Amor proibido.

Classificação:


7 comentários:

  1. "Poucas vezes no Cinema vimos um Amor assim tão casto. Disponível Para Amar é precisamente o Cinema feito poesia pelas mãos de um dos mais talentosos e sensíveis realizadores contemporâneos, o chinês Wong Kar-Wai. " Excelente introdução a uma crítica, no seu todo, bastante completa e bem escrita. A tua crítica, curioso, serviria perfeitamente ao 2046. Não será por acaso uma continuação do autor.

    Tenho que ver.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  2. É precisamente o próximo filme que verei. :) Muito obrigado pelas palavras simpáticas.

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  3. Esplendida review e sobre a qual estou 100% de acordo. É uma belíssima descrição ao filme no próprio estilo do filme. Este foi sempre um filme que muito o adorei desde que o vi na altura que saiu para aluguer. O caro Tiago conseguiu focar tudo o que me havia impressionado. É um dos filmes sobre "o amor" dos melhores que já vi.
    Bravo pelo excelente artigo! Parabéns!!!

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  4. Muito obrigada pelo elogio. :) Mas de facto é um filme impressionante e que mexe com o coração, daí o estilo...

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  5. Gostei da crítica, nota-se imenso que te deixaste absorver pela extrema sensibilidade da obra.

    Kar Wai tornou-se, em poucos meses, um dos meus realizadores de eleição.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  6. O filme que mais vezes vi. Mesmo há poucos meses atrás, deixou-me completamente fascinada, ou não fosse este tema o meu preferido.Assisti de seguida ao 2046.

    Quanto ao artigo de opinião, apenas digo : quem me dera ter escrito isto :-) Parabéns
    (uma agradável descoberta, este espaço)

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    Respostas
    1. Olá AnaMar. Este é mesmo um dos meus filmes preferidos de sempre, acho exactamente fascinante, tal como dizes.

      Em relação aos elogios, digo sem qualquer pudor que sabe bem recebê-los assim inesperadamente, numa crítica escrita há quatro anos atrás... Obrigado! :)

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