segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Escritor Fantasma, por Carlos Antunes


Título original: The Ghost Writer
Realização: Roman Polanski
Argumento:
Robert Harris
Elenco: Ewan McGregor, Kim Cattrall, Olivia Williams e Tom Wilkinson

Dois mestres abordam o thriller e dois mestres fazem do thriller algo novo jogando pelas suas regras clássicas.
Um deles foi Martin Scorsese com Shutter Island, o outro é Roman Polanski com este The Ghost Writer que vem mostrar que continua a saber dominar os caminhos do género como muito poucos.


Um thriller sem necessidade de criar situações espalhafatosas mas com ideias de cinema ainda revolucionárias na sua ligação ao clássico.
Um thriller com entoação política mas que não necessita de agitar a crítica na cara do público para o fazer comparecer.
Um thriller com ritmo mas com espaço para respirar, com espaço para se render às personagens.


Aliás, o elenco foi magnificamente composto, sem protagonistas nem secundários, mas antes com uma partilha da construção global do trabalho de interpretação, toda ela em uníssono criando e servindo a história com o cuidado que merece.
Porque por mais que o elenco seja bom, o filme é Polanski, da sua composição de planos, da sua escolha de cenário, da sua articulação dos movimentos sensoriais.
Veja-se como o espaço arquitectónico da casa, onde há tanto espaço aberto, não deixa de ser motivo de tensões e receios. A casa que parece uma prisão vista de fora, que atrai depois na sua modernidade interior mas que deixa todos com uma sensação de liberdade - ou será isolamento - que não apaga uma percepção de estar constantemente vigiado.
Com estas subtilezas Polanski cria o ambiente que é o grande motor do filme.


É o ambiente que retrata a solidão do homem que é, não só, o fantasma de um livro a precisar de ganhar interesse, como o fantasma de um homem que morreu por esse mesmo trabalho.
A história que tem de contar tem pouco interesse, mas a história que ficou por contar traz todo um novo interesse a essa outra.
O homem que ele serve é outro à luz do homem que ele substitui. O dilema político que o filme retrata - e bem, com espaço para o espectador tirar ilações se assim lhe apetecer - é consequência do dilema humano que vive um homem apagado pelas vidas dos outros.
Um homem num espaço que o influencia e a ele connosco.
Num filme sobre um escritor, é apenas natural que Polanski resolva o seu thriller com um bilhete passado de mão em mão até à fila da frente que causa a mesma dose de curiosidade e indiferença sabendo-se que logo depois de lido aquele bilhete será um pedaço de lixo esquecido.
Isto porque, na verdade, o seu thriller já estava resolvido, sem absurdos nem um esticar da realidade admissível.


As indicações de quem era o "culpado" nascem do ambiente que cria. Sabe-se quem é que está por detrás de tudo sem revoluções que colocam em causa da inteligência do espectador, apenas por transmissão de um sentimento de perturbação que se opõe ao traço geral de sedução do filme.
Polanski faz com as imagens o mesmo que o escritor fantasma anunciava sobre o manuscrito que leu: as palavras estão lá mas todas fora de ordem.
Se a narrativa cumpre este prenúncio, o filme cumpre-o também deixando sempre as indicações à mercê de um espectador que sente que algo não está correcto no que vê, ainda que tudo seja perto de perfeito às mãos de quem comanda o filme.


Polanski introduz-nos por completo no ambiente da história que quer contar. Seduz-nos com a construção de um quadro que se estende para o exterior, que cria uma ligação do espaço da tela ao espaço que o espectador tem à sua volta.
Para acabar como comecei, vê-se que Polanski insinua-se para o exterior da tela enquanto Scorsese usava todas as armas para nos puxar para o seu interior. O resultado, no entanto, é o mesmo, a precisão da história a contar, a construção do cinema sem artifícios mas com um toque de ourives e uma conquista do espectador com a surpresa de até onde o Cinema ainda pode chegar.



1 comentário:

  1. Não vou ver ao cinema, já que há outros em lista de espera para as próximas duas semanas. Ainda assim, já tencionava vê-lo quando saísse em DVD e a tua crítica chegou a deixar-me a pensar se não deveria vê-lo já. De qualquer forma, vai esperar. Bom texto.

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