quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei, por Carlos Antunes


Título original: The King's Speech
Realização: Tom Hooper
Argumento: David Seidler

Haverá história mais edificante e animadora do que a de um rapazinho mal amado que se torna num rei de importância capital, do rapazinho gozado pelos irmãos à conta da sua gaguez que se torna na voz de um povo durante o período mais difícil da História Britânica do século XX?
Talvez até haja, claro, mas a cada filme convém colocar de lado a memória e deixar-se enebriar por uma história de grandíloquas conquista e emoção.


Esta história foi capaz de animar uma sala inteira e inspirá-la com a leveza do sucesso pessoal - do qual dependia o espírito de uma nação.
Animar porque não só está imbuída de sentimentos de realização pessoal que qualquer um pode identificar - ou identificar-se - como ainda os coloca num cenário que transcende a dimensão social mais corriqueira e o torna permeável a um lado humano que muitas vezes é escondido do olhar público.
A realeza como ser humano vulgar nas suas emoções, comportamentos, teimosias e nas suas imprecações. Sem desvalorizar o seu papel e sem atacar a sua existência.


Tal é feito mais habilmente porque as duas personagens têm dois óptimos actores a compô-las e, igualmente, porque a dinâmica de cada uma é pensada em favor da dupla.
George VI vive de inseguranças e solidão. Mas mantem a pose que lhe é exigida que lhe causa mais dificuldades a ele próprio do que a Lionel Logue quando tem de lidar com o futuro rei.
A fonte de humor nunca é o rei, mesmo quando ele é a origem das situações que o originam.
Essas situações acabam sempre filtradas pela reacção de Lionel Logue, pela sua defesa que faz do homem maior do Império e que acaba recompensada.
O respeito inerente à figura real nunca está em causa, mas cria-se um companheirismo entre os dois - e com quem se senta na sala.
Colin Firth tem mais uma boa composição - que, no entanto, não tem o interesse que tinha aquela que deixou em Um Homem Singular. Certamente difícil e, provavelmente, exagerada em comparação com a realidade. Mas uma boa interpretação não o é por mera verosimilhança ou imitação, é-o por ser distintiva e intransmissível, o que neste caso se verifica.
Geoffrey Rush é Geoffrey Rush. Satisfeito com os papéis que escolhe, um claro mestre do humor temperado e um executante primoroso.


Escrito tudo isto, há depois que considerar outros valores, outros detalhes e outras implicações.
Em parte por culpa da histeria dos prémios que se sucedem, mas em parte para simples honestidade para com o filme que se viu.
Ainda que os valores de produção sejam excepcionais, a execução é inócua. Tanto a realização como o argumento estão pertos de serem imaculados e, assim, se não há erro possível também não há espaço para um traço vincado de personalidade.
A ideia que todo o filme deixa é a de um serviço bem feito em favor de interpretações ricas demais para o "telefilme" que se está a ver.
O gosto pessoal poderá ditar alguma discordância com esta análise do filme. A divisão entre os aspectos de filme e de telefilme pode ser anulada pelo simples argumento de que as linguagens de ambos os meios continuam a influenciar-se e confundir-se.


Aquilo contra o que não se pode argumentar é que os irmãos Weinstein capitalizaram um filme que facilmente passaria despercebido por entre as estreias em sala semana após semana.
Capitalização daquilo que continua a parecer um subconsciente reconhecimento Hollywoodiano de que já não sabe produzir filmes que estão repletos de executantes de qualidades em todas as suas componentes apenas com vista à satisfação generalizada do público e não a um reconhecimento honorário ou artístico.
Aquilo que os ingleses ou os franceses (lembrar O Concerto) continuam a fazer de forma que se diria descarada, não fosse tão natural.



1 comentário:

  1. Carlos,

    Disseste tudo aquilo que eu penso sobre o filme. Um bom filme, é verdade, bem construído e à volta de duas grandes interpretações (Firth & Rush) mas nada entusiasmante. É sentimental e basta. E sim os Weinstein foram os génios por detrás desta corrida.

    A forma como fizeram a mesa virar a seu favor... Lembrou-me 1998. Excelente.

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