terça-feira, 8 de março de 2011

Somewhere - Algures, por Tiago Ramos


Título original: Somewhere (2010)
Realização: Sofia Coppola
Argumento:
Sofia Coppola
Elenco: Stephen Dorff, Elle Fanning e Chris Pontius

Sofia Coppola regressou a casa. Ao local onde se sente melhor, que é o local instável, a deambulação, a casa não definitiva, o hotel, a solidão. Em Somewhere, que em Portugal recebe o sufixo Algures, sentem-se reminiscências da filmografia passada da cineasta. E Somewhere fica precisamente algures entre a sua carreira, uma história passada num local que não interessa - algures apenas - a viver a mesma solidão de sempre, os problemas de menina rica e mimada. Nada disto é negativo ou de tom pejorativo. Pelo contrário, porque ninguém o faz tão bem quanto Coppola. Mas ao olharmos atentamente aqui não há nada de novo para acrescentar ao que já conhecemos do seu trabalho. Saber se isso era necessário ou não é mais complicado, mas a sensação de dejà vu deita por terra muito do esforço em apreciar esta obra de forma imparcial.

Em Somewhere, a cineasta recupera um estilo de cinema que evoca Michelangelo Antonioni, com longas sequências de planos, uma narrativa lenta, concentrado sempre na alienação das personagens e repleta de um sentido estético soberbo. É aqui que Coppola se dedica à exploração da sua própria vida, um olhar de dentro do mundo que tanto observa, a estagnação de si mesma, a busca pelo sentido da vida, a busca pelo seu próprio eu. O cinema verité, a estética art-house. adequa-se a Sofia Coppola, daí que esse não é o seu defeito. É apenas o seu estilo. Porém aquilo que nos fica de Somewhere não é nada mais que uma duplicação do seu trabalho, praticamente no mesmo formato que Lost in Translation (2003) numa história gémea à de Marie Antoinette (2006).

Há melancolia, solidão e aborrecimento em Somewhere. É o reflexo do seu protagonista a quem se lhe pergunta, a dada altura no filme, «Quem é Johnny Marco?». O mesmo que se perguntássemos quem é Sofia Coppola. A resposta seria a mesma: nenhum dos dois saberia responder. Porque o reflexo também do seu cinema é o de quem ainda não encontrou a resposta para o seu sentido de vida e para sua própria pessoa. Johnny Marco não se conhece a si mesmo, é apenas um mero reflexo não verdadeiro do que faz. Nem tampouco conhece quem o ama incondicionalmente, a sua filha Cleo. E esse encontro inevitável é o encontro do seu próprio eu, a transição da futilidade inconsequente para a maturidade paternal. Um caminho que Sofia Coppola retrata como seu, a temática da família tão importante para si.

Sem dificuldades, Stephen Dorff e Elle Fanning têm dois desempenhos descomplexados, naturais, verdadeiros. Repletos de gestos normais do dia-a-dia, cheios de acontecimentos banais ou momentos tão únicos e sentimentais como um jogo de Guitar Hero em família. De Dorff este é o desempenho da sua vida. De Fanning espera-se uma carreira nada menos que promissora. De eles não vem mais nada que a verdade, honestidade que o cinema de Sofia Coppola teima em trazer.

Somewhere é a simplicidade do cinema, um regresso às temáticas habituais do universo de Coppola. Mas o objectivo que encontramos nele é tão inócuo quanto encantador, porque perde-se nesse retrato constante de algo que já foi dito mais que uma vez por si mesma. Um retrato desenhado vezes sem conta, consecutivamente, um caminho belo e singular, mas já por demasiadas vezes trilhado, o estudo do habitat de Hollywood - é assim que ela o retrata, um habitat - a mesmo estilo de fotografia luminoso (sublime), desta vez da autoria de Harris Savides, o mesmo estilo de banda sonora tão poético que assemelha diversas cenas a um videoclip - a cena do striptease das gémeas, das melhores do ano - o mesmo olhar crítico e melancólico de uma vida que é a sua.


Sofia Coppola nunca o saberia fazer tão bem, não fosse ela também uma prisioneira desse mundo que tanto foca o seu cinema. É um filme menor - se é que isso existe - não é um Lost in Translation, mas é um retrato melancólico e único da solidão e do tédio. Um retrato fiel do nada, do sentimento depressivo de estar algures e não estar em lado nenhum. Algures está o sentido da vida.


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