quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vergonha, por Tiago Ramos


Título original: Shame (2011)
Realização: Steve McQueen
Argumento: Abi MorganSteve McQueen
Elenco: Michael Fassbender e Carey Mulligan

O título do filme vem de um prévio trabalho de pesquisa a viciados em sexo que nos seu depoimentos utilizaram inúmeras vezes a palavra "vergonha". Explicitamente e simbolicamente, a câmara de Steve McQueen capta a todo o instante esse sentimento que gera desconforto nas personagens e no espectador. Na sua primeira longa-metragem (Hunger), o realizador britânico revelou que tinha muito Cinema para mostrar e isso é confirmado na sua segunda produção, Shame, um retrato cru e sufocante sobre a compulsão extrema de um homem por sexo. Um tema que poderia ter resultado numa trama cliché, repleta de estereótipos, mas que aqui nunca se manifestam e transmitem uma sensação de honestidade única. Brandon segue uma vida dita como normal perante a sociedade. Profissionalmente bem sucedido, uma casa no centro de Nova Iorque, bem-parecido. Tudo para ser feliz e realizado, mas na verdade a imagem que Michael Fassbender (num dos seus melhores trabalhos) transmite tanto no olhar como na expressão corporal é a do vazio. Vazio que Steve McQueen faz questão de revelar exaustivamente, através da sua câmara próxima à personagem que mostra a sua compulsão sexual como um desejo de preencher precisamente os vazios da sua existência. Veja-se uma das mais belas cenas onde a personagem de Carey Mulligan interpreta uma versão de New York, New York, de Frank Sinatra e onde a sensação de constatação de vazio trespassa toda a cena e a face das personagens. Fassbender cria uma composição profunda, perturbadora, torturada de um homem preso no seu próprio labirinto de emoções. O mesmo faz Carey Mulligan. Personagem errante e essencialmente carente, cujos diálogos entre si e a personagem de Fassbender soam sufocantemente crus e verdadeiros. Raras vezes no cinema se transmitiu tão bem a essência da solidão como nestas duas personagens principais que compõem o filme.

A realização de Steve McQueen, virtuosamente impecável, demonstra de imediato a sua melhor forma nos minutos iniciais de filme, numa provocante e tensa cena tão bem capturada e assombrosa, que de imediato capta o espírito do filme e personagem. Em planos fechados e abertos, o realizador capta a angústia das personagens, tão desconfortável como subtil, mesmo nas cenas de sexo, psicologicamente fortes que transparecem a dor da personagem. Uma narrativa criada a meias por si e por Abi Morgan, não-linear, vai compondo gradualmente a estrutura das personagens, cujos actores tratam de cimentar. Através da repetição, de uma forma quase ritualista, de uma edição (de Joe Walker) tanto rápida como lenta, uma banda sonora que pontua a trama com um compasso (especialmente um tema específico de Harry Escott) e uma fotografia fulgurante de Sean Bobbitt, Shame transmite e constrói toda a claustrofobia das personagens, extremamente solitárias e em doses intensamente climáticas que trespassam a vergonha que o título retrata. Do mesmo tratamento das personagens, Nova Iorque é criada como uma personagem igualmente distinta, mas igualmente solitária. Sufocantemente aprisionadora, como prisioneira. Ritmada e opressiva. A sensação é a da vergonha. Da solidão. Dos grilhões da compulsão. Do vício. Da obsessão. A mesma sensação com que o espectador sai no fim do filme, também ele espancado e sufocado com tão claustrofóbica criação.


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2 comentários:

  1. Shame estréia só em 16 de março...a estréia foi adiada

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  2. Este blogue é escrito a partir de Portugal, tendo em conta as estreias no país. E de facto, "Shame" estreou hoje nos cinemas, dia 1 de Março.

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