terça-feira, 28 de junho de 2011

La Nana, por Tiago Ramos



Título original: La nana (2009)
Realização: Sebastián Silva
Argumento: Sebastián Silva e Pedro Peirano
Elenco: Catalina Saavedra, Claudia Celedón, Andrea García-Huidobro, Mariana Loyola, Agustín Silva e Alejandro Goic

A vitalidade do cinema sul-americano tem chegado, a bom tempo, cada vez mais perto dos cinéfilos. A própria abertura da Academia a este cinema (os Óscares 2010 foram um bom exemplo disso, com dois títulos presentes nos nomeados a melhor filme estrangeiro: o peruano La teta asustada e o argentino e vencedor do prémio El secreto de sus ojos), bem como as distribuidoras que começam a prestar maior atenção ao que de melhor se faz abaixo dos Estados Unidos têm contribuído para esta maior divulgação. La nana é uma dessas surpresas (ainda sem data de estreia em Portugal - mas exibido no FEST - Festival Internacional do Cinema Jovem). Oriundo do Chile, foi uma das grandes surpresas de 2009, recebendo inclusive uma nomeação para o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.

A rotina de uma emprega doméstica interna que trabalha ali há tanto tempo que já é parte integrante da família é fascinante. A câmara omnisciente de Sebastián Silva segue-a, sabendo avançar a narrativa apenas com imagens e fazer insinuações mesmo com o que não se vê. Em La nana são precisamente as sensações que fazem o filme. A câmara testemunha os acontecimentos daquela casa, gerida pela criada, de uma forma praticamente fetichista, cuja fotografia simples e quase amadora, imprime um grande sentido realista e verosímil.

O foco de La nana está no comportamento humano. Na forma como Raquel se anula a si mesma para servir os outros, mas como simultaneamente, se vê numa posição irreal. Vinte e quatro horas por dia a servir aquela família, vê-se tanto do lado de outro como do lado de fora, o que faz da sua personagem ainda mais característica. De notar a brilhante cena em que a obrigam a comemorar o seu aniversário em família, o que origina um interessante conflito de personalidade. Todo este trabalho Catalina Saavedra, grande revelação do cinema chileno, cuja expressão é mais reveladora que qualquer diálogo - daí que as falas de Raquel sejam curtas, mas eficazes. O sarcasmo e humor negro revelado pela sua personagem que tanto se sente demasiado auto-confiante, como se vê perdida entre um mundo que não é o dela, mas cuja longa permanência lhe tolda a percepção do mesmo. Não há um culpado em La nana, nem uma recriminação da figura patronal, nem condescendência pela figura assalariada. Daí cujo retrato social soe mais fidedigno, longe da propaganda política. Raquel é como se fosse da família, mas não o é. As contradições desta figura ora educadora e governanta, ora criada, que confunde noções de autoridade, é tão (positivamente) desinspirada que a torna numa das melhores personagens e interpretações do ano. Não é um estudo sociológico da profissão, mas mais da construção pessoal da personagem.

O lado cru do filme brutalmente real - nunca antes no cinema se recriou tão honestamente a vida de uma empregada doméstica - é contrabalançado por uma segunda parte mais humana, com a tentativa de reaprender a viver para si mesma. Porque se tudo estava feito para culminar numa tragédia, termina de uma forma modesta e sensível, mesmo que fácil.

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