Título original: Fantastic Beasts: The Secrets of Dumbledore (2022)
Realização: David Yates
Argumento: J.K. Rowling, Steve Kloves
Elenco: Eddie Redmayne, Dan Fogler, Jude Law, Mads Mikkelsen, Ezra Miller, Alison Sudol, Callum Turner, Jessica Williams, William Nadylam, Richard Coyle
Se o título é ilustrativo de alguma coisa é da esquizofrenia que estamos aqui perante, primordialmente devido à atenção dividida da autora deste universo. Onde, antes de criar novas histórias com personagens potencialmente tão reconhecíveis quanto as da saga originária, existe uma preocupação em alimentar vícios próprios de estabelecer e esclarecer elementos dogmáticos para as que já se sabiam nomeadas, retirando contínua e drasticamente a novidade e originalidade do que captou em tempos a imaginação de simultâneas gerações.
Parece haver à partida –e reportando ao elemento que faz sobressair esta franquia das suas congéneres fantasiosas– uma tentativa de Rowling de sumplantar o próprio material, assim como de Yates em tentar oferecer um novo mas familiar sabor aos elementos [mágicos] que já conhecemos da outra série de onde esta sai.
Facto que não traria resistência da minha parte, caso houvesse uma mínima contextualização para estas novas situações mágicas, mas à semelhança de Crimes of Grindewald (onde até já a presença de um pó capaz de revelar situações passadas retirava imediatamente entraves à história), são apresentadas novas dinâmicas pontuais que servirão a cena em questão e nada mais para além disso.
Exemplarmente, existe desde logo aqui uma espécie de dimensão paralela (semelhante à do universo de Doctor Strange, da Marvel) onde podem haver conflitos sem quaisquer baixas materiais ou humanas, que –ainda que interessante visualmente– retira qualquer conflito extra que pudesse haver no confronto entre os dois mundos, mágico e muggle, nos eventuais danos e revelações colaterais. Como se esta série sentisse a obrigação de responder às novas tentativas cinemáticas de transposição do elemento da magia.
Se o elemento magia oferece resolução sem explicação a qualquer situação com que as personagens (e a audiência) se deparem, então este deixa de ter o aliciamento original que possuía e passa a servir apenas de dispositivo resolutivo, perdendo-se o carácter próprio e diferenciador desta saga.
O que também não seria problemático se, ao mesmo tempo, este não fosse fulcral na nossa apreciação deste universo e, mais relevante, narrativa. Onde a nossa aceitação da fantasia inerente ao elemento e suas ramificações é necessária ao processamento dos eventos e onde a ausência do nosso (mínimo) entendimento do seu funcionamento passa a ser uma constante indesejável na apreciação da história.
A compl(exif)icação do mundo subjacente apenas produz maior número de questionamentos, onde antes a sua simplificação permitia um envolvimento maior na sua misteriosa lógica. Não só a limitação dos assuntos ao contexto de uma escola não trazia demais implicações na realidade, como a existência de um ministério dedicado aos assuntos mágicos parecia lógico, sem nunca levantar questões indesejadas, por servir a narrativa e se manter vago o suficiente.
São esses questionamentos que rapidamente são trazidos à superfície do nosso raciocínio na narrativa central deste Secrets of Dumbledore. Assistimos à tentativa de infiltração no sistema político do mundo dos feiticeiros, sistema funcional que à partida não conhecíamos a sua existência e para o qual não somos esclarecidos.
Isto porque, na feliz tentativa de reforçar a inclusão do título que originou esta nova franquia de filmes, a autora escolhe ao mesmo tempo incluir elementos reconhecíveis da nossa realidade, criando uma estranha mistura [de realidade e fantasia]. Tentativa (falhada) certamente de fazer paralelo com algumas situações políticas mais actuais, onde líderes são seleccionados para lá das suas duvidosas atitudes, mas misturando com elementos fantásticos que neste ambiente menos juvenil parece simplesmente ingénuo.
Para além de que o elemento fantástico apresentado desde o início levanta à partida demasiadas questões para nos conseguirmos abstrair da sua contraditória inclusão: Nasce um espécime da criatura em questão durante todo o filme apenas quando é necessário um líder? O que acontece se nenhum dos candidatos for puro de coração? Tendo no final apontado para Dumbledore como digno de ser nomeado, caso fosse o único nessa condição, seria ele o escolhido líder mesmo sem ser candidato? Aliás, no final, para que existem candidatos e apoiantes, se todo o suposto processo democrático se resume ao instinto de uma criatura fora do controlo do "governo" e população?
É aqui que se resume mas não se limita a referida esquizofrenia de uma total falta de intenção narrativa da autora. Pois não é meramente na clara sobreposição casual de eventos e elementos descritivos ao longo da narrativa amostra disso, sendo igual e especialmente as revelações sobre a família titular inconsequentes na narrativa geral, expressadas verbalmente ao protagonista sem razão, e resolvidas prontamente sem grande conflito. O que ilustra novamente a claríssima falta de história para tanto filme, podendo este e o seu antecessor ter sido condensados num só, ondes tantos pontos narrativos secundários poderiam ter sido retirados em detrimento de uma narrativa mais concisa e linear, por haver tantos elementos inconsequentes no conflito maior apresentado ou por todos os elementos apresentados no filme anterior terem uma resolução indigna e insatisfatória, sem consequências para nenhuma das personagens envolvidas. Sinal de um título que pretende clamar pela atenção dos fãs acérrimos, que procuram respostas que já conhecem ou que, ao invés, não têm quaisquer consequências na sua apreciação do resto.
É tão expresso o corte de substratos narrativos do produto final que Rowling incluiria num livro inteiro, que a inclusão da personagem de Yusuf (honestamente retirada da minha memória do filme anterior, talvez pelo mesmo encantamento que Grindewald usa sobre ele…) não tem qualquer relevância no filme, a dado momento infiltrado na equipa do antagonista e sendo desde então a sua presença colocada de parte durante a maior parte do filme para reaparecer no final e se voltar a juntar aos heróis, sem intuito para esse ponto específico.
Condição, aliás, partilhada pela personagem de Queenie, cuja aliança com o antagonista no filme anterior já por si contraditória com a sua própria vontade (dada a sua relação com Jacob) é aqui no final reposta à posição inicial, sendo inteiramente escusada e inoportuna a mudança da personagem de um para outro lado, já que nem mesmo as suas capacidades mágicas são propriamente postas a um uso suficiente que justifique tal mudança em termos narrativos.
De entre as novas personagens, existe uma bem colocada e curiosa dinâmica entre os irmãos Scamander mais ou menos silenciosa, onde Newt começa a assumir uma posição de liderança perante o irmão mas face ainda um claro desconforto presente nas suas interacções. E onde o próprio irmão, face um salvamento engendrado por Newt, se sente desconfortável na eventual aceitação e reconhecimento das ilustradas capacidades dele, preferindo não reconhecer a sua falta de igual capacidade perante Newt. Dinâmica essa que infelizmente não será explorada para lá destas minhas breves palavras.
Até a personagem interpretada por Katherine Waterston está restrita aos últimos momentos do filme (muito provavelmente devido a conflitos horários da actriz), preferindo o filme pôr de lado qualquer desenvolvimento na sua caracterização e/ou relação com Newt, e "substituindo" a sua presença pela de nova personagem, 'Lally' Hicks, agradável mas sem papel para lá do de avançar da história.
Será tudo isto sintoma do início desta franquia com(o) Fantastic Beasts, com a apresentação de uma série de novas personagens, às quais agora os filmes se sentem na (necessária) obrigação de responder, ao mesmo tempo que se vão redireccionando para um novo protagonista [sob a forma de Dumbledore] que já ofuscara Newt na sequela anterior. Assim, não é capaz de responder suficientemente à caracterização das suas personagens para nos fazer esquecer dos eventuais saltos de lógica necessários à percepção dos diferentes pontos narrativos, pois seria essa a eventual condição suficiente para nos envolver na história, mesmo que essa não fosse a mais desenvolvida.
Será aliás, e contraditoriamente, essa explorada dinâmica entre Albus [Dumbledore] e Gellert [Grindewald], criada a partir da primeira cena, a parte mais francamente apreciável do filme, muito graças às excelentes interpretações de ambos Jude Law e Mads Mikkelsen, que nas suas estreadas e breves interacções são capazes de transpor a relação subjacente e nunca vista entre ambos, transposta pela melancólica saudade de Albus face a posição que entretanto desenvolveu, contraposta à serena e algo exigente posição de Gellert para com o seu anterior aliado e amor.
Mas mesmo a resolução dessa dinâmica, desde logo obviamente ilustrada pela incapacidade de se degladiarem por factor de um medalhão que literalmente o não permite, é de ridícula e preguiçosa desinspiração, apesar de daí resultar o subsequente conflito entre Albus e Gellert que tanto traz de trágico nas espelhadas e íntimas movimentações de ambos.
"Call it destiny", afirma Dumbledore relativamente à resolução de tais eventos quando nos aproximamos do final do filme. Resposta a qual contraponho, antes chamando de conveniência. Conveniência saída de uma mente que não tem já respostas para as suas próprias ideias, antes e apenas mostrando vontade de objectivar as suas expressas idiossincrasias em aproveitamento dos recursos que os estúdios lhe continuam desesperadamente a oferecer. Tudo isto numa vontade de satisfazer as respostas de todos, criando no processo novas indesejadas questões, num universo que acabará por sofrer pelo seu arrastamento sem propósito último.
ótimo site
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