domingo, 20 de dezembro de 2020

The Mandalorian - Temporada 2, por Eduardo Antunes


Aquela que se tornou um fenómeno na sua generalizada e positiva apreciação, pela utilização de elementos narrativos e estéticos reconhecidos mas aplicados a uma história e personagens inteiramente novas, começa The Mandalorian a desligar-se, no entanto, do seu material original para (se) alimentar (d)as relíquias da história da saga, na permanente vontade de desnecessariamente interligar os diversos materiais de uma galáxia tão vasta.

Não que haja problema em aproveitar aspectos ulteriores do universo em que se baseia, como a primeira temporada soube demonstrar, ao agarrar modelos narrativos conhecidos através de um ponto de vista alternativo. Ao se manter isolada do restante material existente, a temporada de estreia permitia-se estabelecer como o material necessário para cativar velhos e possíveis novos fãs para a saga, sem necessitar nunca de conhecimento prévio do material nem alienar qualquer uma das partes.
Mas se na primeira temporada as referências a qualquer material complementar eram meramente amostra de um conhecimento profundo do universo em que se insere sem nunca ofuscar ou depreciar a narrativa em mãos, começam os criadores, não apenas a mostrar o seu fanatismo deleitavelmente no ecrã, como aproveitando este meio para legitimar, agora sobre uma nova forma, vários aspectos do antigo cânone face os seguidores que se sentiam, em certa medida, "traídos" pela atitude da Disney face o material.

Não é isso mais claro que na presença de Boba Fett. Se por um lado serve a sua introdução aqui para pôr um fim à eterna discussão sobre o destino da personagem e seu potencial retorno após Return of the Jedi, por outro essa mesma necessidade de deixar clara a posição da personagem nesta cronologia parece remeter todos estes novos esforços como apenas forma de dar razão e responder às questões prementes de quem sempre demonstrou o seu apreço pela personagem, apesar do seu diminuto contributo (ao menos, no grande ecrã) até agora.
Se de início, ainda pensei ingenuamente que a aparição breve da personagem ao final do primeiro episódio seria a sua única presença nesta série - como inteligente significação de uma personagem que, abandonando a sua armadura, simbolicamente abandonava também a sua vida passada -, a personagem retorna alguns episódios depois para entusiasmar os mais dedicados e, como primeira situação de várias, aliciar à série que lhe será dedicada (conforme literal promoção após os créditos do capítulo final).

Da mesma forma, ao terceiro episódio já se reconhece na inclusão de certas personagens conhecidas aos fãs das séries animadas uma mera forma de interligar o que eram até aqui narrativas saudavelmente desconexas. Ainda que o desconhecimento da história dessas personagens advindas de outras séries não fira inteiramente a nossa apreciação da história em mãos, existe uma clara vantagem em entender o passado das mesmas e uma certa alienação face a importância que também lhes é dada aí e que, chegados ao final da temporada, faz-nos questionar o que certos elementos querem sequer significar, ao serem apresentados sem conhecimento a priori dos seus mais recentes apreciadores.
Ainda assim, a apresentação de Bo-Katan nesta série acaba por deixar (re)aberta uma interessante visão acerca das diferentes perspectivas sobre a cultura de Mandalore, algo que Dave Filoni se interessa desde o seu envolvimento em Clone Wars e que é começado a ser questionado pelo protagonista ao longo da duração da temporada, ainda que muito esporadicamente.


E se, por exemplo, o segundo episódio surge aqui como uma relíquia do início da série, oferecendo um desvio do protagonista numa tarefa que em nada contribui para a sua principal meta, é ainda assim um episódio que faz por nos informar do conflito que se vem instaurando em Din Djaran. Face a primazia dada à protecção da criança que o acompanha, a quem se afeiçoa cada vez mais, é capaz de deixar de parte a sua profissão e, mais relevante, o sentido de honra subjacente à cultura que exterioriza, sendo questionado e relembrado disso mesmo.

O maior problema é quando, a partir do meio da temporada, começamos a ver verdadeiramente o carácter da série transpor para lá do que originalmente atiçou o interesse do seu público. Servia esta como uma série que alargava o universo de Star Wars, através de uma narrativa e personagens que intersectavam e eram influenciadas (necessariamente) pelos eventos em redor, funcionando no entanto sempre independentemente da restante saga narrativa e oferecendo novos acontecimentos. 
Mas a partir do quinto episódio, a discussão muda inteiramente da sua inicial e principal ideia para as ligações transcendentais à série que pretende criar, com uma desavergonhosa aplicação do modelo que possibilita o sucesso monetário do universo cinemático e serial interligado que as personagens da Marvel criaram desde há mais de uma década. Se geralmente os episódios são sempre iniciados com o personagem titular, a apresentação (imediata e sem cerimónia) de Ahsoka Tano no Capítulo Treze revela a importância que o restante episódio dedicará à mesma em detrimento de quem dá nome à série.

Realizado pelo criador original desta personagem - criada para as séries animadas - , é clara a vontade do autor deste episódio em legitimar e enfatizar a sua criação (desnecessariamente, até depois da conclusão da sua história na finalização de Clone Wars). E se a personagem de Pascal se cruza com as mais variadas personagens no seu caminho, da qual esta poderia ser apenas mais uma, nada na restante narrativa do capítulo desta história requer ou foca, na verdade, a presença do titular personagem. 
O episódio não serve nada senão o lançamento de narrativas secundárias adicionais, que nada têm a ver com o protagonista e para os quais não conhecemos factos ou personagens, apresentando-se todos os diálogos e duelos vazios de conteúdo ou sentido. E se o objectivo de Din Djarin era encontrar a Jedi indicada, ao final do episódio é ele prontamente redireccionado para outro lugar, ficando a frustração de um episódio desnecessário e a clara intenção do mesmo lançar apenas o próximo desejado (?) spin-off, inclusivamente com a nomeação de um outro antagonista pelo seu nome e título, como forma de facilitar a pesquisa a quem não o conheça.

No entanto, para lá de congratular o conhecimento expandido dos maiores fãs, o que se torna o real crime é o facto de, na cronologia em que os criadores inseriram este esforço televisivo, não serem exploradas melhor as potencialidades que o período oferecia. No rescaldo da aparente derrota do Império, de uma aparente paz na galáxia, são pontualmente mostradas pequenas instâncias do desenvolvimento do estado conturbado após a queda do antigo regime. 
Desde logo o primeiro episódio desta temporada volta a pôr em causa a vitória no final da trilogia original, com a subida imediata de poderes alternativos nos sítios mais remotos aonde o poder da que será chamada a Nova República não se estende, ainda que aparições ocasionais marquem a sua presença ao longo da série.


E se não desejo que esta se transforme numa tentativa de justificar aspectos inexplicados dos episódios cinemáticos mais recentes da saga - como, aliás, o Capítulo Doze pareceu apontar assustadoramente, no que toca a razão da captura a Criança -, não deixaria de ser interessante esta série afirmar-se inteiramente no seu particular cenário, explorando de que forma a Primeira Ordem foi surgindo dos restícios do Império, num espelho do que aconteceu inicialmente com o próprio surgimento da Rebelião. Aliás, o penúltimo episódio traz à superfície nuances interessantes do próprio funcionamento do anterior regime da galáxia, após o líder auto-apontado ter sido derrotado. Podemos assistir à actuação de núcleos ocupacionais em diversos planetas, distantes da caótica e desatenta instauração da República.
Inclusivamente, ao fazer retornar uma personagem da primeira temporada e demonstrar a sua posição enquanto antigo agente do Império, entretanto desertor, aproveita-se o argumento para trazer um questionamento mais pessoal para o próprio funcionamento interno de um regime aparentemente ordeiro. Em conversa em volta de uma mesa, o apontado desertor aproveita-se para questionar a actuação do seu antigo patrão, apesar da missão premente em mãos, criando tensão suficiente para nem a audiência nem o próprio protagonista terem conhecimento de qual será a resolução. Não só estabelece caracterização para esta personagem através do seu particular passado, como também aproveita para apresentar a renovada visão de Din Djarin sobre o seu próprio código, através de uma opção que nunca teria sequer considerado na temporada anterior, tudo nuns breves minutos da nossa atenção, o que nos leva a imaginar o que a temporada poderia mais ter feito se tivesse dedicado o mesmo nível de interesse no restante tempo.

E, no entanto, demonstra visivelmente o final da temporada o que de errado passa a exteriorizar esta série, com a introdução de mais uma famosa personagem cuja presença não era esperada numa narrativa que sempre se apresentou como tangencial aos principais eventos galácticos. Como se pausasse inteiramente a narrativa da série para apresentar, de forma gritante e grosseira, uma personagem que todos já conhecem. Presença que se revela da mais notória vontade de atingir a nostalgia dos fãs originais da saga, já no ponto mais distante do sagaz trabalho que a temporada anterior conseguira fazer.
Não é possível resumir melhor esta temporada que nos momentos últimos desse capítulo, onde o retorno de uma outra antiga personagem literalmente interrompe um momento de despedida, de extrema emocionalidade, entre as personagens centrais desta narrativa. Como se o desejo de ver o conhecido ultrapassasse em cada momento o que entretanto foi criado.

The Mandalorian passou a servir, infelizmente, apenas os fãs mais antigos da saga e os próprios criadores, atiçando-os através da inclusão directa de elementos conhecidos, por aos mesmos aparentemente servir apenas o interesse nostálgico de revisão da sua paixão original, agora com uma renovada camada visual.
Passa, a partir daqui, a largar o seu interesse como um universo expansivo, de narrativas diversas, rodeando-se apenas de personagens anteriormente conhecidas. Se o foco dos filmes numa determinada linha narrativa permitia a distanciação do restante material para partes inexploradas do mesmo universo dramático, os criadores da série já não aparentam estar interessados em expandir as possibilidades narrativas e temáticas do mesmo, muito por culpa da clara oportunidade de recriar, agora e adiante, o sucesso de um universo conectado.


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