domingo, 26 de setembro de 2021

Os Dois Papas, por Eduardo Antunes


Título original: The Two Popes (2019)
RealizaçãoFernando Meirelles
ArgumentoAnthony McCarten
Elenco: Anthony Hopkins, Jonathan Pryce, Juan Minujín
 
Tentativa bem delineada de dar a conhecer de forma mais pessoal a relação entre duas pessoas que à partida não se permitem serem vistas como mais que marcos da instituição que representam, The Two Popes acaba por falhar na forma como pretende apontar os erros subjacentes ao surgimento da relação em causa.

Existe uma certa ousadia inicial na forma como Meirelles expõe as festividades de nomeação do supremo chefe da Igreja Católica, ilustradas como tal ao som de Dancing Queen dos ABBA, como uma coreografia previamente ensaiada de uma série de elementos burocráticos que, no fim, parecem retirar muito da suposta espiritualidade que deveria guiar as decisões em causa, elas próprias posteriormente questionadas pela própria relutância de Jorge Bergoglio.
Mais não é, infelizmente, que um brevíssimo apontamento estilístico, onde até no final, que poderia ter exposto simetricamente a atitude do novo Papa nomeado de rompimento com alguns dos pressupostos instituídos, não é sequer retomado. Assim, apenas retiramos do final um tipificado discurso moralizante à luz de uma tão comum montagem de imagens documentais.

Não encontramos aí o enfoque do argumento, antes na estranha amizade que acaba por surgir de duas tão diferentes personalidades. Uma das melhores cenas do filme é sem dúvida os momentos em que ambos se encontram na sala ao fim do primeiro dia do seu encontro, quando vemos Bergoglio na insistência do que o levou ali enquanto Joseph apenas tenta aproveitar os únicos momentos de uma rara e sincera paz, ainda assim conturbada pelas constantes dúvidas que o assomem. Demonstra o seu lado mais pessoal, humano, mais duvidoso do seu papel enquanto chefe ao momento da Igreja. Onde não vemos apenas a figura pública, os erros factuais enquanto tal, mas o(s) entendemos enquanto advindos de uma dissonância com a sua própria fé.
E dessa forma, também se propõe libertar um pouco perante o seu irmão, ideologicamente distante mas mais próximo do que à partida julgara. Onde o seu amor pela música é exposto de forma mais admiradora, onde antes apenas se exteriorizava de forma reverencial, e onde ambos se possibilitam um primeiro passo à aproximação enquanto pontos opostos da mudança que vêem necessária.




Mas fora as interpretações dos dois actores, que desta forma permitem que a narrativa vença precisamente no foco nestas duas pessoas (não por acaso o título dado ao filme), o mesmo perde repentinamente quando se extravia no seu meio ponto para uma particular opção narrativa. Uma alongada analepse onde vemos representada a inicial jornada de Jorge, que interrompe inteiramente a gradual relação de amizade que vemos a surgir entre os dois clérigos, na qual estamos inteiramente investidos e, mais, retira a si próprio o impacto que deveria ter na nossa percepção da complexa persona que Bergoglio pretende mostrar.

Talvez preferível fosse que a história sobre o passado de Jorge tivesse sido contada ao início, em género de prólogo, sem conhecermos efectivamente de quem se tratava a personagem apresentada (oferecendo-se a nacionalidade como única pista necessária ao público) para que durante o filme esses eventos permanecessem presentes. Não apenas a narrativa em mãos se manteria num ritmo mais constante, mais, quando Bergoglio contasse a sua história a Ratzinger pelas suas próprias palavras, recordaríamos os eventos iniciais, agora de um ponto de vista mais pessoal, emocional, apenas ilustrado pela interpretação de Jonathan Pryce. Da forma como a narrativa se estrutura, por termos conhecimento à partida de quem se trata, julgamos os eventos passados pela pessoa que é ao presente, ao invés de podermos experienciar a surpresa de confrontarmos as algo questionáveis e fatídicas opções da juventude de Jorge com a sua actual posição.

Ao seu fim, o filme ilustra as divergências nas convicções e epiritualidade entre os dois homens, e onde vituriosa e genuinamente consegue, apenas através de um puro diálogo entre ambos, demonstrar a humanidade inaparente de Ratzinger, já os questionamentos quanto às suas posições dentro da Igreja Católica perante as responsabilidades sociais da mesma, assim como algumas das dificuldades morais por que Bergoglio também passou, são realizadas de forma óbvia e ineficiente, sem a subtileza a que o realizador alude ao início e que faz por demonstrar com as duas essenciais interpretações.


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