Eu sempre me perguntei o quanto do que eu carrego, não é meu para carregar. Pode parecer uma pergunta extremamente pessoal e em certo ponto é, mas acredito que ela seja compartilhada por muitos. Muitas pessoas com histórias de vidas completamente diferentes, com nacionalidades diferentes, com criações diferentes, valores diferentes- a lista é infinita; mas que esperam apenas uma coisa: conseguir assumir o controle da própria vida e se libertar deste peso extra. Recomeçando, fazendo novas conexões.
Esse talvez seja o principal dilema dos personagens de
Sense8, uma busca por uma saída da vida que possuem e uma oportunidade de verdadeiramente começar algo novo. Um sentimento comum a várias pessoas, e aí está, então, a grandiosidade da série dos irmãos
Andy e
Lana Wachowski: um roteiro com várias tramas paralelas, conduzidas em várias partes do mundo e interpretadas por um elenco multinacional. Trazendo histórias que não se interligam, mas apenas servem como plano de fundo para uma trama maior, sobre a conexão mental compartilhada pelos oito personagens principais e conduzidas pelo misterioso
Jonas Maliki (
Naveen Andrews). Mostrando que todos aqueles sentimentos e sensações vividos por eles são comuns.
Sem nenhum tipo de introdução, logo na abertura da série, somos apresentados a rivalidade entre
Jonas Maliki e
Mr Whisperer (
Terrence Mann) pela posse da informação de quem seriam e onde estariam as oito pessoas que nasceram interligadas por uma conexão muito maior que qualquer outra experimentaria durante sua vida. E assim vamos sendo apresentados as peças desse complicado jogo de xadrez que ninguém se preocupou em explicar as regras. Sabemos tanto quando eles, quase nada, e este é o ponto forte do roteiro da série, ele foge de qualquer didatismos e explicações desnecessárias. Ficamos presos ao
binge watch porque as pistas vão surgindo natural e lentamente, bem distribuídas ao longo da temporada.
Na trama acompanhamos
Capheus Van Damme (
Aml Ameen) um jovem de Nairóbi que tenta ganhar a vida como motorista de um autocarro velho que mais traz despesa que lucro, para comprar remédios para sua mãe seropositiva. Ele cresceu obcecado pelos filmes de
Jean-Claude Van Damme e usa o que aprendeu com ele para sobreviver nas violentas ruas de sua cidade.
Sun Bak (
Doona Bae) gerencia o negócio da família e se vê por culpa do pai e irmão envolvida em um escândalo financeiro.
Sun, treina artes marciais e participa de algumas lutas, não pelo dinheiro, mas pela oportunidade de extravasar o que sente através da violência. As ruas de Seul não violentas como as de Nairóbi, mas ela também precisa lutar para sobreviver.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR2NPUYaroduR3bL1m4RqF1NTTfNLAyH1iqbO-v0fAxYz6LFevF7z7zsFKm0RExZloeRPSu0cdNPn2Q6VJ0HE3X4UtWfkC4Vl7cJe7PjOfkSZWtinCP-_yoFcUvUmcYKmfYA9qOvS8GZH0/s640/unnamed+%25281%2529.jpg)
Nomi Marks (
Jamie Clayton), talvez a personagem mais pessoal já criada pelos
Wachowskis, é uma transexual que mesmo sendo bem-sucedida e respeitada por amigos e conhecidos do seu meio de trabalho, ela era uma famosa
hacker, luta contra a discriminação a própria família que insiste em chama-la pelo nome de batismo. Chegamos então a
Lito Rodrigues (
Miguel Ángel Silvestre) que sendo um famoso ator mexicano de filmes de ação, não poder viver publicamente como um homem
gay e precisa lutar para esconder sua vida privada todos os dias da imprensa.
Wolfgang (
Max Riemelt) teve que aprender a bater desde cedo para sobreviver aos constantes abusos do pai, e vivendo uma vida perigosa e violenta como membro de uma gangue de Berlim, encontra em sua conexão mental com a indiana
Kala (
Tina Desai) uma pausa de toda aquela tensão. Uma redução na velocidade de sua vida. E
Kala vê nele uma oportunidade de fugir de seu casamento sem amor, feito apenas para agradar aos pais.
Fechamos esse círculo com o policial americano
Will Gorski (
Brian J. Smith), filho de policial, que luta contra um sistema social falido no qual é melhor deixar uma criança morrer sem atendimento médico - porque ela está envolvida em crimes, do que atende-la e lidar com o problema depois. Assim que se torna consciente de sua conexão com outras pessoas,
Will conhece
Riley (
Tuppence Middleton), uma jovem islandesa, que fugiu para Londres para escapar das memórias da tragédia que viveu após uma gravidez não planeada na adolescência.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8Bo62hkECAV3o6bSt5mQG1MMZXpbh09gF4wqf9axGE7RZ6XoJYyfT5KqlGGp2DhOEGWGskCzqbLWO_DlCWgPdYnUayqvdHZDiHLsK2SBPhbkeFyP0ziSFCwRcSn2Lkr9MCWJ0ex-lMjbV/s640/unnamed+%25282%2529.jpg)
Todas as tramas são conduzidas com extrema delicadeza por não haver pressão de interligar aquelas histórias em um plano maior. Eles estão conectados um ao outro. Todos compartilham a mesma data de nascimento, as mesmas sensações e à medida que a conexão se fortalece todas as emoções. Frio, calor, dor, alegria, raiva, medo, excitação. Tudo é compartilhado. O que é explicitado em um dos momentos mais ousados e bonitos da série – e candidato a cena do ano, para mim – quando todos os personagens transam entre si e compartilham um orgasmo em conjunto. Cena que lembra bastante o final de
Perfume – A História de Um Assassino (
Tom Tykwer, 2006) onde o protagonista é consumido por uma multidão que transcende da fúria a mais pura excitação. É importante mencionar que
Tykwer é o diretor do episódio no qual a cena ocorre.
Talvez esta proximidade dos criadores (
J. Michael Straczynski e
Irmãos Wachowski) e dos diretores (que além dos criadores incluem
Tom Tykwer,
James McTeigue e
Dan Glass) com os temas, dão ênfase a sensação de proximidade e identificação com o que é abordado. Há muito do trabalho de
Tykwer em
Soul Boy (2010) nas cenas de
Capheus, assim como há muito de
Cloud Atlas (2012) na estrutura e maneira como as tramas paralelas são conduzidas.
Um labirinto de emoções e sensações, Sense8 funciona como um belo retrata da caótica e complicada experiência humana. Uma série sobre o que é ser humano em seu nível mais básico: que é sentir e saber que se sente, mas acima de tudo, também sobre a busca de alguém para se compartilhar tudo isso.