sábado, 2 de outubro de 2021

007: Sem Tempo Para Morrer, por Eduardo Antunes


Título original: No Time to Die (2021)
Realização: Cary Joji Fukunaga
ArgumentoNeal PurvisRobert Wade, Cary Joji Fukunaga, Phoebe Waller-Bridge

Um eterno vácuo nesta série cinematográfica, aparentemente permamente após a despedida imerecida que Spectre à altura ofereceu, é finalmente substituído pela sequela que torna esse outro filme quase irrelevante, oferecendo uma mais clara despedida à personagem que Craig foi cunhando sua ao longo de quatro anteriores filmes, por entre uma infeliz quantidade de lugares comuns que, embora alguns insólitos e de certa forma bem-vindos à personagem, não permitem o distanciamento do eterno agente britânico de outras narrativas tão semelhantes.

O total desagrado para com o segundo filme de Bond realizado por Sam Mendes, num argumento totalmente despido de sentido ou direcção, sem qualquer originalidade ou emoção na sua história, meramente guiado pela recuperação dos direitos autorais sobre o inimigo intemporal de 007, acabou por inevitavelmente elevar as expectativas desta última tentativa de finalizar o arco entregue às mãos de Daniel Craig, mesmo para lá dos atrasos no lançamento.
E verdadeiramente, o honesto entusiasmo de ver a primeira grande sequência de acção, pontuada de diversos momentos icónicos, excelentemente executada e filmada, reforçada pela sua versão IMAX, após sensivelmente uma década desde a última verdadeiramente memorável sequência em algum destes filmes, pareceu suficiente para justificar o retorno a esta era de Bond uma última vez. Ainda que mais à frente nos apercebamos que o peso da sua finalidade tenha talvez sido demasiado para o que o filme se propõe fazer com essa premissa e intenção.

A existência de uma analepse exclusivamente dedicada à ligação de quem sabemos ser o antagonista Safin à infância de Madeleine, antecedendo o prólogo que impulsiona a restante narrativa previamente aos créditos iniciais, ilustra desde logo o duplo enfoque que o filme terá a partir daí, não satisfeito com a resolução oferecida a Blofeld em Spectre. Não toma a captura deste como a finalização da sua relevância para esta história contínua, antes assumindo esse como um ponto narrativo que conecta mais pessoalmente o antagonista interpretado por Malek a este final da história de Bond. 
Quase que a reincorporação do antagonista anterior aqui acaba por deixar no esquecimento o filme anterior –sendo até o nome completo de Blofeld reafirmado, para quem eventualmente nem se lembrasse (ou tivesse visto) o filme antecessor. Vemos então essa linha narrativa finalizada, através de uma entretida cena em Cuba em que somos apresentados ao que será o real conflito primário, mas retraindo-se a narrativa daí em diante. Pouco mais se volta a focar na aparente traição de Madeleine enquanto paralelismo narrativo com os eventos do primeiro filme e trágica condição para James, e torna-se antes numa história tão semelhante a uma qualquer outra missão do agente secreto, aparte as variantes particulares desta interpretação da personagem.


Fica claro que, a partir daí, o filme não resultará em mais do que uma série de convenções narrativas tão conhecidas do resto da franquia, desde logo visível na caracterização de Safin (mesmo visual, que não encontra na junção das culturas russa e nipónica um meio-termo interessante). Onde este faz questão de apontar a sua proximidade com a personagem de James, ambos enquanto assassinos em massa diferenciados apenas pelos seus métodos, nunca ficará clara qual a racionalidade por trás dos desígnios do antagonista após a sua vingativa apresentação.
[SpoilersTendo em conta os eventos apresentados ao início que ofereciam a Safin razão suficiente para fazer valer os seus actos, a exterminação completa de Spectre e eventual morte de Blofeld sente-se satisfatória e ilustra eficazmente a ameaça em mãos, mas a repentina extensão da aplicação da sua arma a milhares de pessoas sem explicitação exacta das suas identidades acaba por o revelar como apenas mais um esquecível vilão, para o qual o discurso final superficialmente exposto em frente ao agente britânico não ajuda. [Fim de spoilers]

E se a última parte demonstra algo é de facto a forma básica como esta história irá terminar, em mais uma infiltração a um brutalista complexo numa ilha desconhecida onde nos apercebemos da barbaridade da escala do plano do psicopata vilão. Nem mesmo as implicações políticas referidas a propósito do ataque a tal reduto servem como ponto de real conflito, já que não existe alternativa à de salvar milhões de pessoas de um ataque terrorista. Após os riscos sensivelmente realistas de Casino Royale e Quantum of Solace, e mesmo os mais pessoais de Skyfall, o final (literalmente) bombástico de No Time to Die não é suficiente por si só.
Por isso mesmo é feita uma tentativa de oferecer uma caracterização emocional a Bond, que permita com que os seus esforços tenham maior impacto nas suas tomadas de decisão e, consequentemente, na audiência que assiste. Mas através da posterior evolução da sua relação com Madeleine, esta resvala na mais óbvia forma de emocionalidade com que o vilão pode mais tarde ameaçar o protagonista.
  
Esta revela-se igualmente uma (terceira) tentativa de realçar o envelhecimento e eventual irrelevância dos métodos clássicos associados à personagem, que Skyfall fez por voltar a apontar e, desde logo, corresponder –num género de exercício auto-referenciável da própria franquia e personagem, presa(s) (discutivelmente, após Casino Royale) a uma inevitável fórmula limitadamente renovável. 
Aqui, não se revela mais que uma série de novos apontamentos sobre o mesmo tema sem grande desenvolvimento, já que James nunca poderia deixar de ser o mais capacitado agente do MI6, sendo continuamente mais eficaz que a juventude (humana e tecnológica), mesmo com o joelho inoperável que parece comportar. Pois mesmo as diversas referências, seja do próprio ao seu estatuto profissional, ou à relevância e eventual passagem e herança do seu código numérico, parecem servir apenas de pequenas piadas referenciais, para o qual não ajudam diálogos genéricos como:
Safin - I've made you redundant.
Bond - Not as long as there are men like you in the world..


O que me leva a referir a personagem interpretada por Lashana Lynch que, no seu papel enquanto nova agente 00 e ao contrário da breve aparição de Paloma (Ana de Armas), acaba por não deixar uma impressão muito memoriosa. O seu único intuito acaba por ser, de forma claríssima, sugerir a extensão do titular papel para lá da personagem original. Objectivo que não se sente sequer meritoso, primeiramente pela quase irrelevância da personagem de Nomi no panorama geral da narrativa, presente mais como forma de contrariar as atitudes do envelhecido agente e, mais tarde, validar o seu legado.
Até Quantum of Solace, com os seus diversos problemas circunstanciais, ofereceu-nos Camille, uma mulher com um merecido estatuto semelhante ao de Bond, onde não precisava de o contradizer, antes revelando-se sua igual, de forma alguma sexual, com um propósito próprio e com quem 007 acabava por trabalhar naturalmente para ambos atingirem os seus objectivos. Mostrava assim que, apesar do retorno dos filmes seguintes a alguns dos lugares comuns da personagem, é possível escrever agentes femininas cujo intuito não seja o de (se) rebaixarem (perante) a personagem de James Bond, antes de promoverem a sua própria agência em paralelo.

É apreciado o distanciamento de Hans Zimmer das composições musicais constituídas de diversos sons electrónicos de Thomas Newman patentes nos dois anteriores filmes, inserindo-se em parte na linha da iconicidade que David Arnold ofereceu aos filmes da franquia desde a presença de Pierce Brosnan. Chega mesmo a recuperar alguns reconhecíveis acordes das excepcionalíssimas composições musicais iniciadas em Casino Royale, reconhecíveis por exemplo no tema romântico aqui criado, o que permite uma mais ténue mas eficaz ligação com os primeiros filmes com Craig no comando. 
Ainda assim (talvez pela incorporação tardia do compositor na produção), não existem grandes momentos musicais de destaque, fora talvez a muito pontual reinterpretação do tema principal com trompas e semelhantes instrumentais de sopro, presente na icónica fuga com o Aston Martin DB5 que o agente conduz ao início, na fuga em Cuba ou na climática missão.

Todos estes pequenos factores acabam por se acumular no resultado final e contribuir para que este já não se sinta o mesmo James Bond que nos foi apresentado há quinze anos. Se parcialmente isso é propositado e algo inevitável, numa evolução emocional da personagem que se iniciou então e se estende continuamente há vários filmes, em vários outros aspectos sente-se apenas como mais um filme clássico de 007, um pouco distante da subtileza apresentada entretanto. Se a avaliação deste esforço cinemático parece inseparável da personagem que o conduz, a verdade é que não existe material suficiente para diferenciar este filme de tantos outros blockbusters hollywoodianos, apenas diferenciado pela nacionalidade dos protagonistas e elevado em momentos pela catártica despedida desta variação da personagem. 


Sem comentários:

Enviar um comentário