segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Stranger Things - Temporada 3, por Eduardo Antunes

https://splitscreen-blog.blogspot.com/2019/08/stranger-things-temporada-3-por-eduardo.html

Título originalStranger Things (2016– )
CriadoresMatt Duffer, Ross Duffer

É engraçado que a frase que vende esta temporada demonstra que num pequeno período tudo pode mudar. E de facto verifica-se uma mudança substancial no que nos cativou na temporada de estreia, sem que se dediquem inteiramente a isso, tentando inteligentemente contrariar uma estagnação que se reconhece em diversas outras estórias serializadas, mas mantendo inexplicavelmente um pé na estrutura original, desfasada da acção diferenciada que pretendem inserir na série.

Desde a primeira cena da temporada que nos é totalmente perceptível qual vai ser o conflito desta temporada, de forma tudo menos subtil. Se o idioma dos homens no ecrã e a música que povoa os nossos ouvidos não era pista suficiente, a bandeira que ocupa o plano antes de chegarmos aos créditos iniciais do primeiro episódio dá a última pista. Um cojunto de cientistas russos estão a desenvolver uma máquina que permita voltar a abrir o portal para o nomeado Upside Down. Ponto final.
Isto permite imediatamente que nos foquemos nas vicissitudes do nosso bando de protagonistas. Mas da mesma forma, a revelação do que está em causa retira todo o mistério que nos episódios seguintes tentam instaurar, numa estrutura semelhante ao que acontece nas temporadas anteriores, especialmente na busca de Joyce e Hopper por uma explicação para alguns dos estranhos eventos. Ainda que não estejamos totalmente inteirados destes, sabemos que tudo se deve às experiências que os russos estão a praticar para reabrir o portal, com razões nunca clarificadas.



Ainda assim, nesta temporada existem bastantes temáticas que são repegadas da forma como os episódios anteriores terminaram. O receio de Joyce em avançar com a sua vida, depois de ambas as tragédias que a assolaram, com o desaparecimento de Will e a morte de Bob, e que a levam à sua decisão após os eventos fatídicos no final. A insegurança de Hopper em demonstrar os seus sentimentos de forma aberta, seja com Joyce ou Eleven, e que o leva a ter comportamentos hostis para quem o rodeia. O crescimento da confiança de Mike, que rapidamente se torna em insolência, ainda para mais agora que tem uma namorada aparentemente assegurada.
Mas, de entre todas os potenciais desenvolvimentos narrativos, existem dois aos quais se reconhece particular interesse nos primeiros quatro episódios que compõem esta terceira parte.

A indefinição de Eleven, que até agora sempre cresceu segundo os parâmetros de Dr. Martin Brenner, Hopper ou, agora, Mike, e que nunca a deixaram ganhar uma personalidade própria, finalmente é contrariada através da personagem de Max que, aproveitando a sua inserção e modificação da dinâmica do grupo na temporada anterior, ganha um fôlego acrescentado ao oferecer a possibilidade a Eleven de se libertar das regras que outros lhe imposeram para se tornar mais que apenas os seus poderes. Isso é muito bem representado num novo visual para a personagem auto-descoberto que, juntamente com um novo penteado contraria o visual estagnado que até agora a caracterizava.



O outro aspecto narrativo com potencial é o que decorre da posição de Will no seio do grupo principal. Se, desde o primeiro episódio, ele quer retomar as actividades pelas quais a amizade do grupo se regia desde o início da série, rapidamente nos apercebemos que essas tentativas serão fúteis já que, face o seu desaparecimento na primeira temporada e possessão na seguinte e ao contrário dos seus amigos, a Will não lhe foi dada a hipótese de crescer, tendo basicamente perdido a sua infância. Isto culmina numa cena algo trágica, em que entre preocupações de namoradas, existe a seguinte troca entre Mike e Will:
Mike - (...) we're not kids anymore. I mean, what did you think, really? (...) That we were just gonna sit in my basement all day, playing games for the rest of our lives?
Will - Yeah... I guess I did... I really did...



Os eventos e a passagem para a adolescência fazem com que as dinâmicas estabelecidas sejam cada vez mais quebradas e, no seu encalço, outras sejam criadas. Mas ao mesmo tempo, este aspecto em particular faz denotar um desconhecimento de como desenvolver a personagem de Will que, tal como nas temporadas anteriores, aqui volta depois a servir o própsito de avançar a narrativa, através das premonições consequentes da sua possessão.
A vontade de desenvolver uma narrativa mais focada em eventos sucessivos, em vez de se continuar a focar na adaptação dos protagonistas a esses eventos, faz também com que se note uma diferença de tom e ritmo entre os quatros primeiros e os últimos episódios da temporada, numa primeira metade calmamente focada no crescimento das personagens e uma segunda que nos pretende lançar o máximo na acção que se desenrola cada vez mais rapidamente até atingir o seu climático final, juntando novamente os protagonistas e quase esquecendo os conflitos anteriormente expostos entre eles.

Mas não se trata de uma preferência pessoal numa metade em detrimento da outra, mas antes o facto dessa divisão ser tão clara. O irrealismo de uma base russa subterrânea construída sem que ninguém em Hawkins notasse parece impactar mais a nossa aceitação deste universo que os monstros e dimensões paralelas que o povoam. Assim, os problemas pessoais de Steve ou Dustin não parecem fazer sentido, se estes jovens são capazes de se infiltrar numa base guardada por profissionais sem que ninguém os impeça. Isto demonstra os tons contrastantes, visto que em momentos parecem querer trazer a realidade alternativa de um The Gonnies, em que jovens são capazes das maiores proezas, contrária ao que depois pretendem instaurar com as referências narrativas e visuais a The Thing.




Mas pior que isso é a forma como as referências à época em que a estória acontece são apresentadas. Nas minhas memórias da primeira temporada, as referências à década de 1980 esvanecem-se sempre, provavelmente por se esconderem por trás da narrativa e dos momentos específicos que serviam, sem nunca chamarem demasiada atenção. Essa é na verdade, a forma correcta de utilizar este tipo de referenciação, não pela referência em si, mas pelo que a mesma invoca, seja na sua imagética, temática ou sentimento. Aliás, a forma como aqui é apresentado o novo Centro Comercial que é construído em Hawkins e a forma como tem afectado a cidade e os pequenos negócios aí estabelecidos, demonstra bem aquilo que terá sido um problema pertinente na altura, servindo de forma mais subtil a apresentação de uma época particular.

De resto, no entanto, e já desde a temporada anterior, as referências chamam atenção para si próprias, como forma de relembrar o espectador de situações ou gostos pelos quais também possa ter passado. Quando um longo discurso sobre a New Coke e sua analogia com remakes de filmes surge no meio de uma cena em que Eleven precisa de cuidados médicos imediatos; ou quando, no momento climático do último episódio, surge a necessidade de mostrar Dustin e a sua namorada até então não apresentada a cantarem durante uns minutos o genérico de The NeverEnding Story, mais rapidamente fico desconfortável pelo ridículo desses momentos surgirem em ecrã no momento em que surgem, sejam ou não miúdos.

Ainda assim, Stranger Things continua a ser uma visualização de enorme entretenimento, mantendo-nos atentos e sempre prontos para continuar para o episódio seguinte, apresentando-se aqui com uma narrativa de forma geral mais focada na acção, seja a combater russos ou monstros. Continuam, também, capazes de criar momentos de alguma tensão e horror visual, com uma criatura cujo desenho deixa menos à imaginação mas de forma criativa apresenta uma ameaça mais estranha e perigosa. A série nunca poderá voltar a ser totalmente o que era na sua estreia, mas que ao avançar mais não se perca em meras referências e não se torne estranha às personagens que nos fez interessar na série em primeiro lugar.


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