Danny Boyle tem mais que capacidade de trazer ao espectador filmes realmente bons ou inventivos. Veja-se o caso da sua estreia interessante com
Shallow Grave (1994) e, dois anos depois, com o auge da sua carreira,
Trainspotting (1996) - um dos mais importantes filmes da década de 90. Pontualmente o realizador britânico, com traços anarquistas e rebeldes, trouxe ainda ao cinema filmes competentes e originais, como o caso de
28 Days Later... (2002). Eis que em 2009 e embalado pela ode à chamada era Obama, sai do seu relativo anonimato perante as grandes massas e vence oito Óscares da Academia, atingindo um protagonismo improvável até à data.
Slumdog Millionaire (2008) trouxe um
feel good movie às bocas do mundo, mas também intensificou uma veia menos promissora e bem menos interessante do realizador, que já havia sido revelada com
The Beach (2000) numa escala bem menor.
A verdade é que se
Slumdog Millionaire, dentro de todos os seus defeitos - especialmente a sobrevalorização - era uma obra que na verdade tinha o seu mérito, no caso de
127 Horas fica-se com dúvidas. Baseado na história do alpinista e aventureiro, Aron Ralston, assumiu-se automaticamente que a veracidade e dramatismo da história seriam mais que suficientes para criar um filme. Mas como colocar isso num argumento de cerca de 90 minutos? Na verdade, nem
Danny Boyle nem
Simon Beaufoy perceberam. Aquilo que nos é apresentado não passa de um acontecimento emocionante, revelado de uma forma tediosa e arrastada ao máximo possível. Daí que não se compreenda - perante um argumento inexistente - que este filme esteja nomeado ao Óscar de
Melhor Argumento Adaptado, para não falar obviamente da sua nomeação principal a
Melhor Filme, a ocupar lugar a outros filmes bem melhores. Se na verdade é uma tarefa bastante complicada colocar em cinema e manter interessante uma história tão linear quanto esta, olha-se para o espanhol
Buried e encontra-se muito mais, com menos orçamento e possibilidades. Porém daqui coloca-se a questão: toda e qualquer potencial ideia interessante deve ser transformada em filme?
Em
127 Horas parte-se dos pressupostos clichés, das histórias motivadoras e de coragem. Dos espíritos indomáveis e da busca de energia pessoal e auto-motivações em lugares inimagináveis. Se em algumas histórias resulta, aqui entramos numa espiral de tédio que só termina no final do filme. Da personagem principal nada se conhece - além das suas óbvias atitudes irreflectidas - nem através dos
flashbacks, cuja tarefa era supostamente essa: a de dar a conhecer a personagem principal e desviar o olhar do acontecimento principal, prolongando a história durante mais alguns minutos. E se essa solução técnica poderia ter salvo o filme, acaba por não resultar, pois a vida de Aron Ralston é aparentemente tão interessante como o filme: ou seja, nada. A história não é marcante, não é uma triunfante história real, não é impressionante, não é motivadora nem uma história de coragem. É simplesmente aborrecida.
Na realização,
Danny Boyle faz um trabalho vergonhoso. Se em
Slumdog Millionaire, mesmo tendo alguns momentos questionáveis, conseguiu cenas realmente brilhantes, em
127 Horas apoia-se em truques baratos para agarrar as emoções do espectador, de onde se destaca o estilo
videoclip da MTV. A montagem acelerada, o excesso de
split screens sem qualquer sentido, o uso inadequado de
flashbacks e a utilização
cliché da música e efeitos sonoros, contribuem para um sentimento negativo perante este trabalho. Tecnicamente, a fotografia de
Enrique Chediak e
Anthony Dod Mantle (
Slumdog Millionaire) é provavelmente a parte mais positiva do filme, repleta de imagens fulgurantes e assombrosas. Todas as outras categorias técnicas para as quais foi nomeado - especialmente
Melhor Montagem - são consequência da sobrevalorização do filme.
Quanto a
James Franco, num
one man show, faz o melhor que pode com aquilo que lhe é dado. Assume bem o seu papel de aventureiro, num ritmo frenético e contagiante, que sabe equilibrar com os momentos de desespero. O seu desempenho é intenso e nunca soa falso, mas está também longe de ser memorável. A sua nomeação para
Melhor Actor poderia ter cabido a outro actor cuja performance em
Blue Valentine (que também estreia esta semana) é superior:
Ryan Gosling.
O estilo frenético e exibicionista da câmara de
Danny Boyle tende a distrair a atenção do essencial do filme: a história humana do protagonista. Mas na verdade, neste caso havia muito pouco para fazer. É um filme onde uma vez mais predomina o estilo sobre a substância, criando uma obra extremamente irritante e aborrecida. Tirando a famosa e polémica cena que todos falam e que levou à criação deste filme - gráfica, mas não em demasia e perfeitamente justificável - falta a
127 Horas um espírito genuíno e dramático e que realmente sirva de inspiração ao espectador, como fazia crer. Para um filme que pretendia ilustrar a angústia vivenciada pelo protagonista, perde-se demasiado em elementos secundários que distraem claramente o espectador e eliminam esse sentimento angustiante e claustrofóbico (como acontece em
Buried). A única angústia muito bem retratada durante o filme é a sensação interminável de que o final nunca mais chega.
Classificação: