sábado, 19 de março de 2022

Homem-Aranha: Sem Volta a Casa, por Eduardo Antunes


Título original: Spider-Man: No Way Home (2021)
RealizaçãoJon Watts

Não tendo tido a oportunidade (e talvez até, em retrospectiva, vontade) de apanhar esta visualização no grande ecrã, chegou-me finalmente o momento de ver esta mais recente adaptação cinemática de Homem-Aranha, já sem as expectativas nostálgicas de outrém e com a confirmação de todos os rumores que estragaram à partida qualquer surpresa que pudesse existir, numa vontade permanente dos mais fanáticos confirmarem os seus conhecimentos e, assim, conseguirem os seus desejos sem demais desafio.

O que me parece ironicamente contrário ao próprio sentimento da personagem aqui em questão, desafiada ao limite em tantos dos seus momentos narrativos, raramente conseguido os seus desejos da forma como esperava. Para além de que, fora a dita inclusão nostálgica de elementos reconhecíveis de anteriores iteracções do protagonista, pouco faz este filme na verdade por avançar esta particular interpretação, nos quase 150 minutos que compõem este filme.

Esta personagem tem tido o azar de sofrer (então mais, agora) pelo seu estado legal límbico entre dois estúdios que, infelizmente, não se encontram tão separados assim na responsabilidade criativa perante a personagem. Na vontade de integrar esta versão de Homem-Aranha em ambos os universos fílmicos que (quer a Marvel quer a Sony) pretendem criar, ficam este filmes "necessitados" agora de se sujeitar e subjugar aos anteriores e eventuais posteriores filmes que daqui se possam retirar.
É agora inteiramente patente e visível o problema, não apenas desta trilogia, mas de todo o mais recente esforço deste universo cinemático. Onde a promessa de pontos narrativos que desafiem a personagem são inseridos no final de um filme para serem desfeitos e desconsiderados pela premissa do filme seguinte, apenas para dar azo a novo desafio, que novamente será desconsiderado.



Já dissera antes que Homecoming deixara o desafio final de May descobrir a identidade de Peter, para em Far From Home ser-nos dito que não houvera quaisquer consequências nesse facto. Esse filme entretanto deixara a dica final da descoberta pública da identidade da personagem para aqui novamente serem removidas as potenciais consequências de tal facto, focadas apenas em pequenos segmentos durante os primeiros trinta minutos, para seguir com o elemento que nos introduzirá ao próximo filme dedicado a Doctor Strange. 
Este último é inclusivamente relembrando no final dos créditos com o seu vídeo promocional próprio, ilustrando já a falta de esforço neste contínuo cinemático em apresentar os próximos capítulos, que antes fazia através de mais subtis referências.

O maior problema aqui é a constante reiniciação do arco emocional de Peter Parker ao longo do filme, que nos faz constantemente perder no investimento que devemos ter na personagem. Se no início, ele vê-se em grandes dificuldades em lidar com a sua revelação e nova percepção pública, face o surgimento dos vilões do filme ele passa a ter que lidar com a eventual responsabilidade pessoal de reabilitação destes. Seguidamente, quando se vê perante a perda de uma relação pessoal (supostamente) integral à sua pessoa, vê-se subitamente impelido pela vontade de assassinar o responsável. Que desde logo, é um ponto narrativo que não se sente familiar para a personagem em geral, e ainda menos para esta interpretação, o qual já lidou duas anteriores vezes directamente com a perda, sob a forma do seu tio e de Tony Stark. E no final, nem sequer é resolvida pelo próprio, sendo antes impedido de tal acto por outra personagem.



De certa forma, faz-se este filme sentir como se esta trilogia fosse apenas um desperdício de tempo. Não pela sua identidade secreta –elemento inteiramente revertido entre o início e fim do filme– ser o único foco temático desta personagem mas por, sendo um dos seus pontos fulcrais e diferenciadores dos seus congéneres, ter basicamente restabelecido a personagem a um seu estado originário neste universo cinemático. Quaisquer personagens e relações com que tenhamos estabelecido contacto ao longo destes filmes foram essencialmente limpas, não ficando sequer ideia do que possa ser feito com a personagem seguidamente.

Não que essas relações fossem de grande investimento, à parte da sua amizade com Ned, já que a relação com MJ não é suficientemente desenvolvida para sentirmos realmente essa perda, apenas apresentada no final do filme anterior, para imediatamente ser relegada para segundo plano aqui após uma introdução que parece clamar atenção para a sua nova e desafiante contextualização nestes eventos.
Também a relação com May foi sempre e igualmente superficial, com mais momentos joviais que emotivos entre ambos, culminando o sentimento dessa relação na mera repetição do famoso lema que já atribuímos rapidamente à personagem de Homem-Aranha, como forma de tentar oferecer alguma profundidade à despedida da personagem (para lá do esforço da interpretação de Tom Holland, claro está).

Estas perdas fazem-se através de uma narrativa que insere vilões com os quais este Peter Parker não tem qualquer ligação e que são inseridos ora enquanto piada, ora enquanto desafio fácil para este Homem-Aranha (até à chegada de Osborn/Green Goblin), o que não oferece qualquer satisfação na sua inserção, aparte o seu reconhecimento imediato por quem acompanhe a personagem desde há duas décadas. 
Se a comparação mais obviamente feita seria com Into the Spider-Verse, influência e razão (monetária) óbvia para a transposição destas ideias para este filme, o enfoque desse outro esforço cinemático na jornada de dois protagonistas, novos à narrativa mas baseados nas ideias (re)conhecidas da personagem titular, diferentes entre si e passíveis de crescimento apenas através da sua relação inter-pessoal, sem chamar atenção indesejada para os restantes aspectos eventualmente questionáveis da história, demonstra uma clareza na forma como a equipa responsável por esse outro filme pretendia abordar as suas personagens centrais que, aqui, não existe à partida.



Mesmo a presença aqui de alguns dos vilões é contraditória face a explicação que nos é dada, não fazendo sentido a presença de Connors/Lizard e Marko/Sandman (dos outros filmes), tendo em conta que já haviam sido redimidos anteriormente. Por não resultarem no contexto da reabilitação que Parker procura para estes elementos –ou na explicação da causa da sua vinda para esta realidade–, torna-se estranha a sua inclusão no filme (para lá da venda de outra dupla de figuras de acção pela Disney).
Esta mercantilização da(s) personagem(ns) é até visível na presença de novo fato a cada momento maior da acção que, em momentos até podendo informar sobre a personagem (apenas Homem-Aranha se veria perante a eventualidade de virar o seu fato sujo do avesso, por não ter outra hipótese), no final servirá para vender figuras alternativas para todos os gostos.

O que me leva, finalmente, à inclusão de Andrew Garfield e Tobey Maguire nas suas anteriores interpretações da personagem titular. A sua inclusão sente-se em certa medida mais pensada que todo o restante leque de opções narrativas, como tentativa de oferecer alguma perspectiva emocional a esta terceira interpretação do protagonista, sentindo-se finalmente incluído num seio mais familiar (contraditoriamente), num universo de outra forma demasiado vasto para o seu mais diminuto contributo. No entanto, fica a sua forçada inserção como (desnecessário) elemento catártico para as respectivas interpretações (e fanáticos). Porque parece cada novo esforço cinemático de uma dada personagem significar um desrespeito para com os anteriores, apesar de nunca pretenderem ser contrários entre si e antes complementares à personagem que, à partida, se deveria gostar.

Curiosamente (e tendo lido ainda jovem), Homem-Aranha tornou-se uma personagem das minhas favoritas com histórias onde, até já mais amadurecido, o foco era o protagonista, para o qual os elementos do universo externo serviam e perante os quais o mesmo não se sabia inserir. Sendo fã das duas anteriores interpretações da personagem e do primeiro filme desta, parece agora a personagem estar para sempre destinada a se ter que adaptar à sua figuração tremendamente lucrativa num universo já demasiado vasto para o que esta personagem oferece na sua posição particular na panóplia de restantes heróis.
Gostaria de poder dizer que o desafio maior de Peter Parker virá a seguir mas, honestamente, não voltarei a cair no mesmo erro de esperar pela resolução de temáticas narrativas que este universo já não pretende responder.


Sem comentários:

Enviar um comentário