Realização: Adam Wingard
Argumento: Terry Rossio, Michael Dougherty, Zach Shields, Eric Pearson, Max Borenstein
Elenco: Kaylee Hottle, Rebecca Hall, Alexander Skarsgård, Brian Tyree Henry, Millie Bobby Brown, Demián Bichir, Eiza González, Julian Dennison, Kyle Chandler, Shun Oguri
Este seria a recomendação indicada para regressar às salas de cinema, num aproveitamento da escala do conflito patente no título que, de outra forma, não seria tão bem experienciada. E no entanto, prefiro resistir à recomendação de assistir a este filme, seja de que forma for, já que a apreciação por parte do público está dependente da sua aceitação do restante deambular por idióticas situações e personagens.
Apesar do seu longo historial desde os primórdios do cinema, houve uma avalanche, durante a década de 1990, de uma série de filmes americanos focados em largos desastres causados por forças da natureza internas ou externas ao nosso planeta. Se alguns buscavam alguma seriedade na forma como emolduravam tais premissas, na procura de algum drama humano (veja-se Dante's Peak ou Deep Impact), a maioria reconhecia o absurdo das situações propostas e, assim, sabia fixar-se no tom certo para contar a sua narrativa.
Filmes como Armageddon ou Independence Day procuravam a aceitação do público pelo puro entretenimento, cujo "Welcome do Earth" que Will Smith expressa ao esmurrar um alienígena será, para mim, o mais elevado sinal desse entendimento. Na simplicidade das suas narrativas e na iconicidade dos seus visuais e carismáticos protagonistas, permitiram-se estes filmes manter-se, ainda hoje, revisitáveis e apreciáveis, para lá da sua qualidade cinematográfica.
Será talvez a partir dos anos 2010 que este tipo de filmes começa a enquadrar quaisquer eventos narrativos numa tentativa de explicitar seriamente as lógicas subjacentes, justifique-se ou não face a história contada. Talvez em parte por o público, dada a larga oferta de semelhantes filmes, não manter já um olhar desatento perante as disparatadas falhas que, muitas vezes, nos pedem que ignoremos, é mesmo a sequela de Independence Day (vinte anos depois do original e pelo mesmo realizador) refém desta tentativa de introduzir forçadamente conceitos aparentemente mais modernos e complexos e de justificar cada escolha narrativa.
Foi esta tendência que imediatamente passou pela minha mente, à medida que testemunhava o filme e, assim, reconhecia a incoerência subjacente a tal atitude. Pois, se os eventos retratados reconhecem o exagero da premissa, da mesma forma encontram o mais caótico emaranhamento de lógicas e explicações para chegar às situações ilustradas.
Não será isto mais óbvio que a meia hora do final do filme, onde, dirijindo-se Godzilla a Hong Kong, enquanto o símio gigante se encontra no centro da terra –cuja viagem requiriu já diversas explicações tecnológicas para transpor os desnecessários obstáculos impostos–, pára Godzilla a sua demanda para abrir um buraco directamente até ao centro da terra (e, convenientemente, aonde Kong se encontra), para possibilitar rapidamente o regresso do símio que permita a segunda luta entre as duas criaturas.
O maior pecado é conseguirmos reconhecer situações mais simples em que poderíamos expor estas criaturas no mesmo conflito. Bastaria a competição entre duas forças da natureza pelo seu lugar enquanto predador alfa para justificar o encontro (sem necessitar de explicar a ancestralidade de Kong). Em face da volatilidade do comportamento destas criaturas, a própria humanidade ver-se-ia necessitada de entrar em jogo para se afastar da potencial extinção. Conceitos aqui referidos, mas escondidos por trás de uma colectânea de ligações ancestrais entre as duas espécies e da simplória vilania dos humanos.
Mesmo o segundo confronto entre as criaturas poderia ter-se passado na terra de origem de Kong, local onde o mesmo estaria em vantagem, em vez de criar situação tão dispendiosa para justificar o encontro em Hong Kong. Faria até mais sentido a presença deste território aqui apresentado sem anterior introdução (em vez de levianamente ilustrar as lutas por entre territórios urbanos onde, em fundo, sempre se vêem pessoas mas nunca se vêem as consequências a essa escala).
[Spoilers] Até no final, para o instrumento de união entre as duas criaturas, que podia ter sido uma simples criação robótica cuja inteligência artifical ganhava autonomia, são criados mecanismos tão complexos quanto idiotas, sendo Mechagodzilla gerado através de ligações neuronais com um crânio de um outro titã morto e sendo a sua fonte de energia transferida remotamente do centro da terra (?!), tudo explicado com uma seriedade tal como se de uma explicação plausível efectivamente se tratasse. [/Fim de spoilers]
Fica, assim, o filme, necessitado de criar situações secundárias apenas para justificar as que queremos efectivamente ver, esperando aborrecidamente cada quarenta minutos pelos escassos momentos de épica luta.
E mesmo essas lutas, na contratação de novo realizador com mera experiência em filmes de terror (como no seu antecessor King of the Monsters), carecem da escala que alguém especializado na visualização de tamanhos efeitos visuais consegue impregnar.
O enquadramento da câmara, que se move à medida que os próprios monstros "filmados" também o fazem, ou se encontra demasiado próxima dos mesmos, não compreende a escala de como estes devem ser vistos. Pois, em vez de os ilustrar de um ponto de vista humano ou, ao contrário, enquadrá-los inteiramente nas dimensões do ecrã, vemos maioritariamente partes corporais e destroços em cortes sucessivos que, ao fim de algum tempo, mais se assemelha a ruído visual que a um combate entre titãs. Até Godzilla, que em 2014 era a lenta mas inescapável onda de destruição, corre agora como se o seu tamanho não fosse factor a considerar.
Fora isso, se existe algum (mínimo) esforço em oferecer um historial às inúmeras personagens humanas que enchem o ecrã, da mesma forma nunca existe tempo (ou vontade) de sequer as conhecermos –para lá da jovem Jia (Kaylee Hottle), melhor e mais desperdiçada presença.
A absurdidade da personagem de Brian Tyree Henry, indivíduo que tenta oferecer uma nervosa credibilidade às mais fantasiosas teorias da conspiração e que não deixa de expressar as mais invejáveis habilidades enquanto engenheiro e pirata informático, é a que mais nos aproxima de algo como a personagem de Jeff Goldblum no ataque extraterrestre de 1996. No entanto, é tão esporádica e desnecessária a sua presença, numa linha secundária cuja trama o próprio Rei dos Monstros exporia mais tarde, que pelo meio das restantes personagens tão seriamente escritas se perde a sua sincera ingenuidade.
A própria música de Tom Holkenborg é vítima desta dissonância tonal, onde a grandiosidade transposta por cada faixa musical colide agressivamente com o posto no ecrã. O reconhecimento de um tom épico, onde cada nota do "refrão" explode incessantemente nos nossos ouvidos, acaba por perder o impacto, quando é mesmo utilizado durante a saída de um grupo de pessoas de uma nave, enquanto Kong se senta num trono. É a continuação do anterior trabalho de Bear McCreary, mas aqui exaustivamente aplicado.
Nem na simplicidade da sua premissa consegue esta experiência justificar-se, antes tendo o seu público que passar por um argumento francamente aborrecido e excessivo para testemunhar os escassos momentos que não justificam sequer a deslocação a uma sala de cinema. Não passa de mais um enémiso caso de uma experiência que não sabe procurar o tom dos seus antigos congéneres nem sobressair dos mesmos e de tantos outros semelhantes. Aqui, até aparenta esgotar as hipóteses deste universo, na sequência do(s) filme(s) de que é sequela, não ficando claro como poderá daqui avançar. Talvez seja altura de revisitar as suas melhores inspirações e não oferecer o tempo a tão fracas tentativas de modernização.
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