segunda-feira, 20 de março de 2023

John Wick: Capítulo 4, por Eduardo Antunes


Título originalJohn Wick: Chapter 4 (2023)
RealizaçãoChad Stahelski

Quando se torna uma franquia uma paródia de si própria? Quando ultrapassa esta o seu inicial contributo e se torna no mesmo cansativo processo contra o qual estava a trabalhar? Questões que me cruzaram o pensamento anteriormente, mas que regressaram nos primeiros minutos deste John Wick, ao ver o mesmo tipo de ameaças expressadas pela lenta rouquidão do protagonista, a qualquer substituível personagem ou extra que repita o seu nome ad infinitum.

Porque, à partida e mesmo face a aparente inesgotável gama de desinteressantes blockbusters, conseguimos já reparar uma ligeira estagnação nas sequências de acção destes filmes, ainda que marcadamente melhor executadas que as de outros congéneres. Através do reconhecimento de vários golpes e posicionamentos repetidos, por a fórmula (e o próprio actor que positivamente se insere directamente na execução das mesmas) se esgotar no excesso que as sequelas pretendem sempre impor sobre si próprias [e a sua audiência].

Para lá dos grandes enquadramentos, existe sensivelmente uma cena que, não só tira maior partido do formato IMAX, como também oferece uma renovada leitura do mesmo tipo de combates que vemos aqui pela quarta vez. Ao se posicionar acima do espaço onde Wick se encontra a defrontar uma onda imparável de inimigos, temos uma leitura clara da geografia da cena, dos clarões que impactam nos adversários, e de como ele se deve comportar face a posição das balas que o razam.

Fora isso, a duração aproximada das três horas deixa-se sentir pesadamente na nossa apreciação, particularmente no segundo acto, por se focar numa tangente narrativa, desnecessária e desinteressante, puramente aborrecida. Curiosamente, num filme que se proclama a diferentes níveis ser sobre consequências, apresenta toda uma sequência simplesmente desprovida das mesmas, incluindo naquela que será a pior sequência de acção desta série. Criada apenas para adicionar uma caricata personagem e [mais] uma sequência numa multidão onde a mesma não apresenta qualquer reacção ao assassinato em massa que acontece em primeiro plano.

Assim se nota que as segunda e terceira sequelas poderiam ter sido emparelhadas, no que se efectivaria como o final de uma trilogia melhor limada e coerente, já que ambos os terceiro e quarto filmes apresentam cenas demasiado similares para justificar a sua repetição. Sendo o confronto directo e inconsequente [para o protagonista] com uma série de agentes totalmente armados, resultado da sua fuga de um hotel que o protegia; ou a sua fuga final face a multiplicidade de assassinos que o perseguem em busca da choruda recompesa; exemplos da falta de ideias que já vinha a assaltar os argumentistas.
Se achara a sequela anterior basicamente inútil, esta vem comprovar esse facto, iniciando-se sensivelmente no mesmo ponto narrativo que a anterior, àparte as consequências iniciais para Winston. As quais poderiam ter sido trabalhadas no segundo acto da narrativa, como forma de enquadrar e impulsionar a restante acção.


Para lá disso, o argumento apresenta uma oportunidade interessante de desenvolver a sua premissa, ao poder emparelhar o protagonista com um assassino que busca apenas protegê-lo enquanto a recompensa não sobe ao valor mais alto, mas a qual nunca desenvolve em favor de ambos, preferindo alimentar o mesmo tipo de vilanias, aqui ainda assim mais sadisticamente ilustradas através de Skarsgård.

No entanto, é sem dúvida Donnie Yen a melhor contribuição para a franquia, não apenas como brilhante lutador que ainda demonstra ser, trazendo uma contribuição que os protagonistas de The Raid no filme anterior não tiveram real oportunidade (servindo, aí, apenas de glorificada aparição), mas principalmente por trazer um núcleo emocional (ainda que básico), por entre uma subtil e eficaz interpretação de Yen e, com isso, a memória ao protagonista daquilo porque desistiu da vida para a qual voltou a ser arrastado. 
O que permite um seu [mínimo] desenvolvimento emocional, face o enredo que cada vez mais o leva mais longe naquilo que parece ser um objectivo sem final alguma vez alcançável.

Este último ponto volta a ser focado aqui, e ao qual é dada finalmente alguma continuidade. Questionando-se mesmo o filme [metalinguisticamente] desde a sua primeira cena, quando será suficiente, quando poderá e deverá findar todo este empreendimento, e dando seguimento a essa importante questão, face tantas outras franquias que o não pretendem alguma vez fazer.
Ainda que este não pretenda ser um(a série de) filme(s) que pretenda oferecer grande desenvolvimento à personagem, por entre riscos cada vez mais altos e absurdos, inimigos substituíveis (reforçado na primeira cena), e armas mais eficazes (e armaduras, menos?), algum tipo de finalidade e maturidade é bem-vinda.

Isto também porque, quando o argumento nos apresenta uma situação que pretende instaurar tensão, mas simultaneamente requisita a suspensão da nossa descrença perante a multitude de sequenciais acidentes pelo que o protagonista passa sem sequer um ferimento visível ou por demais cansaço (pelo menos, para lá de alguns segundos), falha o argumento por nos apresentar tal situação [de pretendida tensão] contrariamente ao protagonista que se não pretende mais ancorado na realidade.
As sequências ultimadas em Paris mostrar-se-ão vitimadas por essa esquizofrenia, onde a sua inspirada coreografia e execução (ainda que algo excessivas na duração) retiram qualquer restante realismo que [ainda] se espera(ia) neste universo.

Uma franquia perderá a sua identidade quando repete ad nauseam aquilo porque ficou conhecida sem, no entanto, a mesma novidade que, à partida, trouxe para o seu género e com, antes, afogo de manter a relevância por entre as suas congéneres. A sequela anterior esteve próxima de o fazer, e em boa parte, também esta entrada na série, na repetição casual das suas conhecidas sequências e larga substituição da sua simplicidade pelo oposto excesso sem controlo. No entanto, foi capaz de oferecer positivamente uma sensação de finalidade a estes filmes, que perderiam o sentido na sua existência contínua, tendo em conta a escolha à partida de um protagonista envelhecido.


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