segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Batman: The Telltale Series - Temporada 1, por Eduardo Antunes

https://splitscreen-blog.blogspot.com/2019/08/batman-telltale-series-temporada-1-por.html

Título original: Batman: The Telltale Series (2016)
Plataforma: PC, PlayStation 4, Xbox One, PlayStation 3, Xbox 360, iOS, Android, Nintendo Switch
Género: Aventura gráfica
Desenvolvimento: Telltale Games

Há já algum tempo que os videojogos se começaram a equiparar ao cinema e televisão como meio de representação narrativa, através do seu carácter interactivo particular a tornar-se uma ferramenta interessante para tornar mais imersivos os eventos que passam no ecrã. A Telltale tornou-se exímia a contar essas narrativas interactivas, fazendo por inovar a cada "série" que cria, e do qual esta dedicada a Batman se torna exemplo representativo de todos os seus pontos fortes.

Desde os seus primórdios que muitos videojogos pretendem contar uma narrativa, seja como desculpa para unificar segmentos de jogabilidade sem conexão ou como mote para guiar todo o jogo. E desde que as plataformas que suportam esses jogos foram avançando tecnologicamente, cada vez mais se foi tornando possível contar narrativas de forma mais plausível e próxima, criando-se diversos paralelos com o meio cinematográfico. Isso não se torna apenas patente na forma como as estórias são graficamente transmitidas, mas na própria forma como a interactividade traz maior imersão aos eventos que vemos representados.

Nesse sentido, apesar de ter já alguma história, incluindo em livros e jogos de tabuleiro, as aventuras gráficas ganharam um terreno cada vez maior nas plataformas de videojogos, não só dando-nos total controlo sobre como delineamos o nosso percurso pelo jogo, mas até na forma como construímos, como "escrevemos" a nossa personagem ao longo do mesmo.
A Telltale criou um modelo que, inspirando-se no modelo episódico da banda desenhada e/ou da série televisiva, vai mais além destes e permite que sejamos elemento vivo na construção da narrativa, como que assistíssemos aos eventos em directo com controlo sobre os mesmos.



Isto faz com que a experiência tenha uma unicidade para cada intervencionista, pela quantidade de escolhas distintas que podem existir a cada decisão múltipla. O jogador sente a pressão, a cada fala ou decisão atribuída à personagem que controla, do sucesso ou falhanço na consistência que lhe oferece. Sente as consequências benéficas ou malignas que um específico e pequeno gesto tem nos eventos que mais tarde ocorrem, a partir do momento em que no topo do ecrã surge o aviso de que as suas palavras serão recordadas mais tarde. Se numa série ou filme investimos ou desistimos nas personagens ficcionais em que depositamos a nossa atenção conforme o argumento se alinha com o que delas conhecemos, aqui, em escassos segundos, sentimos a tensão acrescida dos eventos não ocorrerem de acordo com o que esperávamos, visto sermos nós argumentistas da nossa própria estória.

Na especificidade de Batman, conhecemos já o elemento que lhe acresce interesse, no binário entre a sua persona diária e o seu alter-ego nocturno. Sendo raro o enfoque reforçado, seja em que meio for, na personagem de Bruce Wayne, ainda mais é vincado o facto de não nos encontramos aqui perante algo meramente dedicado ao Cavaleiro das Trevas. Ao invés, o que quer que façamos como vigilante pode ser imediatamente afectado pelas repercussões do que acontece nas nossas obrigações diurnas.
Desde o início, é chamada especial atenção para a forma como abordamos os acontecimentos entre Bruce e Harvey Dent, que delinearão toda a restante narrativa. Foi interessante perceber, por exemplo, ao deixar espaço para a personagem de Harvey Dent se tornar no antagonista que lhe corresponde, pessoalmente ter fechado o jogo para voltar atrás e salvá-lo desse destino, para mais tarde ficar a questionar essa "correcção", por as consequências, no final, poderem ter sido piores que o expectável.


Nesse sentido, nunca existe a certeza de como se darão os acontecimentos. Tendo em consideração todo o conhecimento que alguém tenha do material de origem ao iniciar a sua jornada, é demais interessante ver que decisões podem ser tomadas com base nos conhecimentos já tidos do destino das personagens originárias. Da mesma forma, essas decisões podem levar a diferenças substanciais do que pensamos conhecer destas personagens, num esforço tremendo desta equipa se desviar, em diversos elementos, das origens de certas relações existentes, sem retirarem a essência das mesmas, permitindo-nos ficar surpreendidos com os acontecimentos que vão ocorrendo, mas mantendo alguma familiaridade com as personagens que habitam o jogo.

E nessas mudanças, reconhecemos o potencial deste protagonista e de diferentes iteracções pelas que o mesmo pode enveredar, nas temáticas que a equipa se decidiu a abordar no argumento base que alimenta as nossas decisões. O legado deixado pela família e como podemos subverter ou corresponder ao mesmo. A dificuldade de justificar e corrigir os erros inconscientemente cometidos pelas nossas acções públicas, seja quais forem as intenções. A dúvida que internamente nos assola, aos termos que escolher entre o menor de dois males. Todas estes elementos se permitem entranhar em toda a estória e todas as nossas decisões, tornando-se o protagonista na extensão de nós próprios, receptivo dos nossos próprios receios e espelho das nossas ansiedades que a cada pequena escolha surgem.

No final desta "temporada", é extraordinário reconhecer todo a longevidade e potencial de diversas sessões de jogabilidade da mesma, em que se tomem diferentes decisões, para explorar todas as diversas consequências que cada pequena acção terá no episódio que se siga. É trágico, na verdade, que a equipa responsável por esta experiência tenha aberto falência, mas que esse facto sirva para nos direccionar para estas narrativas interactivas, das quais podemos fazer parte de uma forma integrante e surpreendente.



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