sábado, 4 de abril de 2015

Jack e a Mecânica do Coração, por Carlos Antunes



Título original: Jack et la mécanique du coeur
Realização: Stéphane BerlaMathias Malzieu
Argumento: Mathias Malzieu
Elenco: Mathias Malzieu, Olivia Ruiz, Grand Corps Malade


Há vários anos atrás, quando o livro foi publicado por cá, já se falava da hipótese de Tim Burton adaptar ao cinema um livro - mais o disco que lhe está associado - que ia buscar inspiração ao seu universo.
Tal não sucedeu mas o filme deixa bem clara a sua afinidade para com a obra do realizador, tanto do seu livro A Morte Melancólica do Rapaz Ostra & Outras Histórias como dos seus filmes de animação.
Se a figuração parece uma transformação digital dos personagens de Corpse Bride, é do fulgor freak de Big Fish que Jack et la mécanique du coeur mais se mostra devedor.
Jack entra na vertigem de encontros com personagens cada vez extraordinárias numa odisseia fantasiosa em que se cruza com um adversário do calibre de Jack the Ripper e ganha um amigo como Georges Méliès. São ambas evocações interessantes por motivos diferentes.
Jack the Ripper surge com pouca significância para a história - mas a justificar a presença de uma canção - só que numa das cenas mais originais do filme, com uma perseguição ao longo de um comboio-acordeão onde a distância e a tensão variam de forma instantânea entre picos de máximo e mínimo.
Georges Méliès, o pai dos efeitos especiais, dá sobretudo uma contribuição de apoio moral embora sirva igualmente para momentos de dinâmica à narrativa que precede o cinema.
Tal como o uso destes personagens demonstra, Jack et la mécanique du coeur tem algo de disjunto que o torna mais apelativo pela emoção que transmite do que pela sua compostura narrativa.
O tom muda frequentemente ao ritmo das canções de Mathias Malzieu cujo estilo varia ainda mais consoante o ambiente daquilo que ele imaginou como sendo cada "cena" do seu livro.
Até na beleza imperfeita do filme, mantendo a qualidade de uma abordagem manual numa abordagem de forma tridimensionais, se vê essa ruptura entre o que filme poderia ser e o que acabou por ser por conta da inspiração do autor transversal a todas as encarnações da história.
Os computadores serviram para conseguir uma animação com as imperfeições de movimento do stop-motion de Burton.
Olhar para a conjugação desses dois mundos tem, aqui um efeito de encantamento que consegue remeter apenas para o fim do filme a dúvida sobre os benefícios de ter a tecnologia para a usar aquém das suas possibilidades ou, se preferirmos, para sugerir defeitos que certamente não existem.
Se o filme poderia ter alcançado bem mais do que fez é porque permite a Malzieu demonstrar melhor algumas das suas ideias do que os meios anteriores que utilizou.
Dois exemplos para o demonstrar podem ser retirados do início e do film do filme, embora acabem por demonstrar o quanto a história se transforma sem assegurar coesão.
As regras que a mãe adoptiva impõe a Jack são preocupações que todas as mães têm com os filhos mas que ganham expressão mais palpável por conta do relógio de cuco que ele tem à mostra no lugar do coração. É uma tradução imaginativa do receio de uma mãe que escuda o seu filho em demasia e lhe chama a atenção para perigos que ele não pode reconhecer e que continuará a ver a fantasia colar-se ao chão do realismo pelo bullying que ele depois sofre.
O final do filme vive de um exarcebado romantismo devedor de Werther acrescentado de uma espiritualidade desnecessária. Também esses instantes finais têm uma força cujo reconhecimento pelo público é imediato mesmo através do filtro grandiloquente da obra.
Vive-se muita liberdade para chegar de um ponto a outro, atravessando o gótico e o burlesco, sendo levado pelas emoções fortes de cada instante e acabando a sentir que se esteve perante um conjunto de pedaços de obra que se aglutinaram mas não se uniram.




2 comentários:

  1. Achei o decorrer da aventura dinamico e envolvente.
    Porem o final realmente inesperado e cercado por um espiritualismo desnecessario.
    Acredito que a obra seja de boa qualidade, porem achei o final quase depressivo embora muito surpriendente.

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  2. Tbm gostei muito pois o final deixa agente muito pensativo.

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