Magnífico é um adjectivo que se deve usar com ponderação mas que tem de ser colocado perante um pedaço de cinema que explora como poucos o jogo de falsidade e despudor que estão associados tanto à fama como à existência emocional do quotidiano. O despudor - Liberace careca ou de barriga flácida - serve sempre a ideia de uma intimidade decadente que não se vê nestas figuras distantes mas que todos conhecem (ou conhecerão) no seu próprio corpo. E muito se joga nos corpos, montra primeira e mais violenta destes artifícios contra os quais a imprevisibilidade do "interior" nada pode. Os muitos graus de leitura que a relação entre Scott Thorson e Liberace trazem ecoam até as ideias de um filme como The Ballad of Genesis and Lady Jaye, mostrando o quão complexa a figura de Liberace realmente é. Uma figura cujo significado depende, em grande medida, do homem ao seu lado. Não se trata apenas de um romance a explorar o mediatismo de uma figura pública (ao estilo de Diana ou My Week with Marilyn), é antes um estudo sobre as falhas humanas e o grau do seu encobrimento num filme que ora é divertido ora é comovente e sempre cativante. Um filme como aqueles a que vamos chamando os clássicos de Hollywood, apenas com o acaso de ter dois homens a compôr o casal central. ½ Carlos Antunes
Por mais que queiramos permanecer alheios, há um factor de análise indissociável da crítica a este Por Detrás do Candelabro e que está sobretudo relacionado com a eliminação das barreiras da linguagem entre televisão e cinema, mas também as diferentes formas de financiamento no panorama actual para uma obra cinematográfica. Isto porque e por ser considerada uma história «demasiado gay», Steven Soderbergh não conseguiu receber qualquer investimento em Hollywood e acabou por receber o apoio inesperado do canal por cabo HBO. Da habitual formatação do "telefilme", passamos afinal aqui para uma verdadeira obra cinematográfica, num suposto o derradeiro trabalho do cineasta, que revelou nesta recta final estar em excelente forma (veja-se o notável Side Effects), mas também comprovou que é um dos cineastas que melhor sabe trabalhar com a suposta formatação dos géneros - cumprindo as regras, mas indo também além das mesmas. Mais que uma biopic de uma figura tão incrível como Liberace, o filme é sobretudo um corajoso e inteligente retrato da solidão e do dinheiro (como por exemplo já o havia sido, Magic Mike). Com tudo no lugar (desde a direcção artística, ao guarda-roupa, cabelo e maquilhagem), partimos também de excelentes composições, sobretudo a de um incrível Michael Douglas e de um talentoso Matt Damon. Fascinante, corajoso e arrojado trabalho em todos os níveis, Por Detrás do Candelabra exerce ainda um efeito "chapada de luva branca" sobre Hollywood e a indústria - um filme ignorado, exibido em televisão, mas com honras de competição num major festival como Cannes e até uma distribuição em cinema como aconteceu agora em Portugal. É um retrato sobre a aparência e sobre o desencanto, não só na figura de Liberace, mas também na suposta Meca do Cinema. Tiago Ramos
Insensíveis (2012), de Juan Carlos Medina
Notável reconstituição de época (especialmente a de uma Espanha da Guerra Civil), há contudo um trabalho de montagem que utiliza o sistema de flashbacks para estabelecer uma narrativa a dois tempos, que apenas fragmenta o argumento e em nada auxilia o espectador. Apesar da história demasiado rebuscada em alguns momentos - especialmente na sua fase final - há uma realização e interpretações seguras (especialmente as das crianças), e um tom negro e misterioso cativante o suficiente para deixar o espectador interessado na história. Fica também a nota, populista talvez, que esta é uma co-produção portuguesa (ainda que minoritária). Tiago Ramos
No final da sessão no MOTELx pudemos ouvir o realizador falar de um épico. Provavelmente é dessa ambição que vem o falhanço do filme que quer abarcar tudo e acaba por deixar demasiadas coisas perdidas pelo caminho. São três tempos de acção, para cada tempo havendo um género. No primeiro momento, com as crianças que não sentem dor, trata-se de um drama sobre a ignorância e a crendice. No segundo momento, com o jovem tornado torturador, um filme de terror sobre a ditadura. No terceiro momento, com o homem que procura o seu passado, um thriller aventuroso. Cada momento existe quase à revelia dos restantes, sendo o primeiro o mais promissor - mas acabando mal explorado - o segundo o mais memorável - pela caracterização, mais do que a interpretação de Tómas Lemarquis - e o terceiro o mais absurdo - porque serve apenas como forma de ligar os outros tempos narrativos e o seu interesse é quase nulo. Por mais que se queira apreciar vários elementos de enorme inteligência, não se pode saltar a má construção do argumento e a falta de visão sobre como explorar melhor os temas: sobretudo aquele que motiva o título do filme e que se torna um motivo fácil para o terror. Carlos Antunes
Como Um Trovão (2012), de Derek Cianfrance
Depois do notável Blue Valentine, a expectativa no novo filme de Derek Cianfrance era imensa, daí talvez este sentimento de desilusão, apesar da imensa qualidade do trabalho. Mas talvez também porque o argumento seja demasiado ambicioso e apesar da sua intenção nem sempre consegue ligar, de forma coesa, a história que devia ser indivisa e que aqui sofre uma tripartição. Divisão essa que contribui para um sentimento de previsibilidade na história que apenas prejudica o excelente trabalho do seu elenco. Pontos para o excelente trabalho de direcção de fotografia e de realização que dão tempo para que a narrativa sobre uma América em convulsão tenha tempo para "respirar". ½ Tiago Ramos
Os verdadeiros protagonistas do filme são os dramas que assolam a vida dos homens que tentam levar uma vida comum. A perseguição da ideia de descendência de um drama de um outro, fazendo notar que é preciso contar a história que veio antes e a história que ainda se seguirá àquele momento que tudo define - e que é, afinal, o único em que as personagens de Cooper e Gosling se cruzam. Porque um drama pertence a um homem e o outro drama pertence a outro homem, parece que o filme se afasta do que o cinema costuma fazer, levando por diante um equilíbrio de protagonismo que tem de funcionar em paralelo. Aqui, estamos como que perante dois filmes que se unem em passagem de testemunho. O problema é que tudo isto é contrariado pelo terceiro capítulo em que as coincidências dramáticas se tornam excessivas e o filme toma demasiado à letra o tema da parentalidade que o drama de um homem (e da sua família) tem para com o drama de um outro. A beleza que o filme persegue no fluir da realidade parece mesmo desaparecer na banalidade do drama dos filhos que não se compara ao dos pais. A falta de qualidade dos jovens actores reforça essa ideia de banalização que vem da excessiva insistência numa conclusão que o filme já tinha sabido obter. Carlos Antunes
The Conjuring - A Evocação (2013), de James Wan
A James Wan deveremos sempre culpar pelo legado que Saw foi impondo ao cinema de terror actual. E, no entanto, tem sido ele o primeiro a tentar distanciar-se de tal, perseguindo uma composição cinematográfica que vá além da exibição gráfica. Já tinha estado perto de o conseguir com Insidious, mas acabando por quebrar com o que vinha criando. Agora, com The Conjuring, criou uma obra que valoriza os elementos narrativos e, sobretudo, os elementos dramáticos que fazem valer as personagens mais do que os efeitos. Efeitos esses que recuperam a eficácia discreta, criando o ambiente, sugerindo hipóteses e concretizando apenas os sustos que devem mesmo acontecer em frente à câmara. Certamente que tratar-se de uma história real ajudou a todo este resultado e é uma pena que os dois projectos anunciados em nome de James Wan ameacem desviá-lo daquilo em que ele se poderia recuperar para o Horror futuro. ½ Carlos Antunes
Depois de Saw e Insidious, James Wan confirma o seu estatuto como um dos melhores no género de terror. Ainda que viva de alguma previsibilidade - tanto na narrativa, como na forma como os sustos são apresentados - é um trabalho inteligente, competente, tenso e assustador. Tal como em Insidious, em The Conjuring - A Evocação dá preferência ao poder da sugestão e a um certo classicismo na estrutura do seu cinema. Excelente trabalho de Vera Farmiga e Patrick Wilson na composição detalhada das suas personagens. Tiago Ramos
Depois de Saw e Insidious, James Wan confirma o seu estatuto como um dos melhores no género de terror. Ainda que viva de alguma previsibilidade - tanto na narrativa, como na forma como os sustos são apresentados - é um trabalho inteligente, competente, tenso e assustador. Tal como em Insidious, em The Conjuring - A Evocação dá preferência ao poder da sugestão e a um certo classicismo na estrutura do seu cinema. Excelente trabalho de Vera Farmiga e Patrick Wilson na composição detalhada das suas personagens. Tiago Ramos
Shun Li e o Poeta (2011), de Andrea Segre
Delicado e apaixonado, Shun Li e o Poeta beneficia sobretudo da sua simplicidade. Pega num tema frequente do cinema europeu - o da imigração e neste caso específico, no da imigração chinesa em Itália - para trazer um olhar simpático sobre a xenofobia, compaixão e amor. Destaque para Tao Zhao e a sua composição subtil, atenta e delicada. Tiago Ramos
O apelo à poesia do homem comum tem efeitos periclitantes no cinema que ora exaltam os momentos em que a existência parece assomar acima do seu grau de banalidade, ora revelam os lugares-comuns do momento de pausa que a tudo dá nova perspectiva. O filme de Andrea Serge tende para o segundo caso, tombando no melodrama previsível em que o tempo de espera começa a pesar fisicamente no espectador. Sem explorar as verdadeiras fracturas e pontos comuns entre civilizações - a solução do "pescador poeta" é pueril, senão mesmo patética - o filme torna-se insignificante, algo que tem sido comum aos mais recentes filmes italianos (e não foram poucos os que vimos) que falam da emigração e do desenraizamento. Carlos Antunes
Circuito Fechado (2013), de John Crowley
Destaca-se a inteligência de gestão de informação feita em Circuito Fechado, uma competência a exigir atenção para a informação fornecida em cada cena. Além disso, é um filme que se prepara o cenário para um thriller, mas resolve-se onde deve acreditar-se que a sociedade resolve os seus problemas, numa sala de tribunal. Trata-se, afinal de contas, de um filme com consciência do mundo e sentido crítico que não precisa de esticar aos limites do incredível teorias de conspiração e muito menos dar sermões ao público. O trabalho de Rebecca Hall merece destaque, como sempre, mas é caso para dizer que Eric Bana regressou a encontrar um papel que exigisse aldo dele, o que há muito não acontecia. Carlos Antunes
Primavera Tardia (1949), de Yasujirô Ozu
O regresso de Ozu às salas de cinema portuguesas (curiosamente foi este o único trabalho do cineasta japonês que já tinha tido honras de estreia no país, em 1994) é sempre um evento cinematográfico. Já aqui o tínhamos dito, mas nunca é demais ressaltar: este é provavelmente o cineasta mundial que tem uma das obras mais consistentes de sempre. Um cinema sensual, delicado e preciso, onde se nota a importância de cada frame para a história que nos conta e um foco no quotidiano e nas mudanças da sociedade japonesa. Primavera Tardio é mais um retrato íntimo e familiar, quase mundano, que dentro da sua poesia traz mais sobre o próprio mundo do que um simples olhar, aparentemente tão particular, poderia trazer. Tiago Ramos