Realização: Claudia Llosa
Argumento: Claudia Llosa
Elenco: Magaly Solier, Susi Sánchez e Efraín Solís
Em face a muitos dos problemas que enfrentamos no actual panorama das distribuidoras portuguesa, entre os quais se destacam uma silly season habitualmente repleta de filmes de qualidades duvidosas e uma estranha demora na estreia de grandes filmes que não blockbusters, temos assistido nos últimos meses a uma interessante tendência. Por mais penosa que seja na verdade a espera, tem-nos chegado aos cinemas um novo cinema que anteriormente nunca estreava em Portugal. Culpa da visibilidade do mesmo em cerimónias de prémios estrangeiras ou em festivais de cinema, temos chegado a algumas salas de cinema nacionais (por poucas que sejam) filmes de nacionalidade sul-americana a que não estávamos habituados: foi o caso do argentino O Segredo dos seus Olhos (2009), o chileno Tony Manero (2008), o uruguaio Whisky (2004) ou aquele que falamos agora, o peruano A Teta Assustada.
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Cinema de Berlim em 2009, o filme ganhou de imediato visibilidade no sector dos festivais, que culminou numa rara nomeação ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. É provavelmente o primeiro filme chegado do Peru que recebemos nas salas nacionais e é uma agradável surpresa.
«Quem canta, seus males espanta», já dizia o provérbio popular português e assim que o filme começa encontramos uma cena muito poderosa onde a mãe de Fausta, de uma forma bastante comovente e surreal, canta uma canção na língua indígena Quechua que conta a história da sua vida. Rapidamente percebemos o mote que deu origem ao título do filme, mas também o que nos se nos é apresentado nos cerca de 90 minutos de longa-metragem. Porque a forma como a realizadora nos coloca a observar as personagens é sensível e subtil, a câmara de Claudia Llosa é única e dá uma enorme atenção aos detalhes, aos pormenores, ao olhar das personagens, à sensibilidade da história que nos é contada. A escolha dessa câmara é propositada: vejam-se os planos longos e estáticos, os movimentos lentos e distantes.
Fausta carrega na carne o trauma que não viveu, suporta a dor da sua progenitora às custas como se a ela lhe coubesse esse fardo. E essa dor que a protagonista transmite só pelo olhar dorido, sufocante e temeroso evidencia a conotação política que a longa-metragem transmite: uma crítica à acção do grupo Sendero Luminoso, na zona rural do Peru, nos anos 80 e em alguns casos até aos anos 2000. Essas mulheres traumatizadas, transmitiriam tal sentimento aos seus filhos, via leite materno. Uma crença fortemente enraizada no seio da comunidade peruana. Fausta tudo teme, sem bem perceber o porquê. Vítima da herança traumática da mãe, a sua personagem feminina representa uma comunidade pré-colombiana, que necessita de mudar. Uma nação que ainda luta para entender o que se passou em meio a barbaridades e clima de instabilidade política e social. Essa realidade aparentemente documental, mas ao mesmo tempo portadora de uma não tão leve dose de surrealismo, eleva facilmente A Teta Assustada ao tipo de filme que convence num festival fortemente politizado como é o caso do de Berlim.
Cheio de metáforas políticas, mas também emocionais, como a recusa de enfrentar uma vida adulta, do medo do desconhecido, de enfrentar estigmas e ideias pré-concebidas, o filme retrata também um processo de aprendizagem muito complexo, em diversas etapas. O confronto entre as camadas sociais mais ricas e pobres do Peru, entre os índios e os brancos e lá no fundo esta separação a todos os níveis (social, económica, emocional, mental) é retratada pelo grande portão que separa a casa de Aída e a cidade de Lima, pela empresa de casamentos gerida pelos tios de Fausta e que tem tanto de convincente, como de sátira.
Mas toda essa intrincada teia de metáforas e comparações nunca estaria completa sem a magnífica interpretação da actriz peruana Magaly Solier e que lhe valeu alguns prémios de Melhor Actriz em festivais no Peru, mas também no México e no Canadá. São os seus olhos e postura, fragilizados e assustados, que transmitem ao filme exactamente a dose certa de sensibilidade necessária.
A Teta Assustada é provavelmente o mais fraco dos candidatos ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, mas é também muito provavelmente o objecto mais singular e único. A sua beleza onírica, a sua contemplação surreal, a sua conotação política e os meios utilizados para a transmissão da sua intenção fazem desta segunda longa-metragem de Claudia Llosa um objecto interessante, digno de uma segunda observação, a necessitar de uma forte digestão.
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Cinema de Berlim em 2009, o filme ganhou de imediato visibilidade no sector dos festivais, que culminou numa rara nomeação ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. É provavelmente o primeiro filme chegado do Peru que recebemos nas salas nacionais e é uma agradável surpresa.
«Quem canta, seus males espanta», já dizia o provérbio popular português e assim que o filme começa encontramos uma cena muito poderosa onde a mãe de Fausta, de uma forma bastante comovente e surreal, canta uma canção na língua indígena Quechua que conta a história da sua vida. Rapidamente percebemos o mote que deu origem ao título do filme, mas também o que nos se nos é apresentado nos cerca de 90 minutos de longa-metragem. Porque a forma como a realizadora nos coloca a observar as personagens é sensível e subtil, a câmara de Claudia Llosa é única e dá uma enorme atenção aos detalhes, aos pormenores, ao olhar das personagens, à sensibilidade da história que nos é contada. A escolha dessa câmara é propositada: vejam-se os planos longos e estáticos, os movimentos lentos e distantes.
Fausta carrega na carne o trauma que não viveu, suporta a dor da sua progenitora às custas como se a ela lhe coubesse esse fardo. E essa dor que a protagonista transmite só pelo olhar dorido, sufocante e temeroso evidencia a conotação política que a longa-metragem transmite: uma crítica à acção do grupo Sendero Luminoso, na zona rural do Peru, nos anos 80 e em alguns casos até aos anos 2000. Essas mulheres traumatizadas, transmitiriam tal sentimento aos seus filhos, via leite materno. Uma crença fortemente enraizada no seio da comunidade peruana. Fausta tudo teme, sem bem perceber o porquê. Vítima da herança traumática da mãe, a sua personagem feminina representa uma comunidade pré-colombiana, que necessita de mudar. Uma nação que ainda luta para entender o que se passou em meio a barbaridades e clima de instabilidade política e social. Essa realidade aparentemente documental, mas ao mesmo tempo portadora de uma não tão leve dose de surrealismo, eleva facilmente A Teta Assustada ao tipo de filme que convence num festival fortemente politizado como é o caso do de Berlim.
Cheio de metáforas políticas, mas também emocionais, como a recusa de enfrentar uma vida adulta, do medo do desconhecido, de enfrentar estigmas e ideias pré-concebidas, o filme retrata também um processo de aprendizagem muito complexo, em diversas etapas. O confronto entre as camadas sociais mais ricas e pobres do Peru, entre os índios e os brancos e lá no fundo esta separação a todos os níveis (social, económica, emocional, mental) é retratada pelo grande portão que separa a casa de Aída e a cidade de Lima, pela empresa de casamentos gerida pelos tios de Fausta e que tem tanto de convincente, como de sátira.
Mas toda essa intrincada teia de metáforas e comparações nunca estaria completa sem a magnífica interpretação da actriz peruana Magaly Solier e que lhe valeu alguns prémios de Melhor Actriz em festivais no Peru, mas também no México e no Canadá. São os seus olhos e postura, fragilizados e assustados, que transmitem ao filme exactamente a dose certa de sensibilidade necessária.
A Teta Assustada é provavelmente o mais fraco dos candidatos ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, mas é também muito provavelmente o objecto mais singular e único. A sua beleza onírica, a sua contemplação surreal, a sua conotação política e os meios utilizados para a transmissão da sua intenção fazem desta segunda longa-metragem de Claudia Llosa um objecto interessante, digno de uma segunda observação, a necessitar de uma forte digestão.
Classificação:
Já tinha comentado por aqui a minha opinião a este filme... E faço minhas as palavras desta (mais uma) excelente crítica... Todos os pontos fundamentais do filme foram bem retratados... É óptimo ver filmes deste género nas salas portugueses, filmes frescos que trazem novas ideias e que nos mostram o trabalho que está a ser realizado em países com menor visibilidade cinematográfica...
ResponderEliminarPor acaso recordo-me dessa conversa, na altura da estreia do filme. Muito obrigado pela opinião e concordo contigo, mesmo que alguns cheguem tarde, agrada-me a ideia de termos esta oportunidade de escolha mais diversa.
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