domingo, 21 de novembro de 2010

Gainsbourg: Vida Heróica, por Carlos Antunes


Título original: Gainsbourg (Vie héroïque)
Realização: Joann Sfar
Argumento:
Joann Sfar
Elenco:
Eric Elmosnino, Lucy Gordon e Laetitia Casta

Joann Sfar deixa uma frase no fim do filme dizendo que não persegue as verdades de Gainsbourg mas antes as suas falsidades.
Só o diz no fim para não influenciar a destreza com que o espectador entra no jogo de olhar para as muitas personagens que emergem das canções ou que a elas levam e que são, todas elas, parte de Gainsbourg.


Desde novo que ele se interessa pelas artes, sobretudo pela pintura, o que é o mesmo que dizer que ele se interessa pela arte errada.
Como ele próprio, enquanto Lucien Ginzburg, desajustado e perseguido pelo que haveria de ser.
Perseguido por assombrações de si mesmo, em novo ainda aquela que o traçava como um falso monstro por ser judeu, em adulto aquela que o traçará como mito eterno tão adorável quanto odioso.


A persona volúvel mas brilhante em que se transforma, profundo amante de mulheres , vai apagando o que fora outrora a sua personalidade mais acanhada mas não menos susceptível.
Não é uma transformação completa, mas o provocador e o rebelde sem cusa vai tomando o lugar do homem que ainda faz uma visita semanal aos seus pais.
O mulherengo inconsciente toma o lugar do sofredor apaixonado e do pai cuidadoso.
O que perde para si mesmo pode ser tão importante como o que oferece a quem o vê.


O jogo entre a realidade e a invenção reforça-se na busca de parecenças para os actores que encarnam as figuras reais e depois na fuga para pequenos elementos de fascínio e de fantasia a invadirem o espaço do realismo.
Tal coisa também protege a música, não a fazendo invadir o filme nem deixando que seja ela a conduzir os significados do que é contado sobre Gainsbourg.
A música indicia os personagens que vivem dentro de Gainsbourg através do filtro da visão de Sfar.


É o olhar de um artista para com outro, a invenção de um artista sobre a invenção que outro artista fez para entregar ao mundo.
A criação sobre a criação, a interpretação de um enigma.
O jogo de entrega é tanto assunto como composição deste filme. Quem se deixar ir terá o prazer de nada descobrir, mas muito apreciar.



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