quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Complexo: Universo Paralelo, por Carlos Antunes


Título original: Complexo: Universo Paralelo
Realização: Mário Patrocínio

Na Física Quântica afirma-se que o observador afecta o resultado do que é observado.
Esse efeito está neste filme apagado pelo tempo que o realizador esteve no interior da favela e que lhe permitiu descobrir a vida que esta tem, não a afectando enquanto elemento externo mas permitindo-lhe ainda pensá-la à posteriori na fase de montagem.


A vida de um lugar faz-se das suas pessoas que traduzem a polarização daquele espaço.
Entre a esperança e a resignação, entre a entrega e o abandono, entre dedicação e facilitismo, são as pessoas que expressam a vida de um pedaço de terra que ultrapassou largamente o que era no início.
Esta favela tem quem cuide dela e quem a use. Tem quem nela resista e quem dela faça a sua arte.


Nem todas as pessoas valem o mesmo para o espectador, nem todos os relatos expressam o mesmo grau de dor ou geram o mesmo grau de entendimento.
Mas é o diálogo entre esses relatos, as oposições e aproximações que encontramos entre eles - sem serem forçados sobre nós - que deixam uma lembrança maior, a da complexidade de uma favela que só se revela em sussurros individuais e nunca no ruído generalizado (dos noticiários).


O que os irmãos Patrocínio conseguiram, integrando-se na vida da favela, foi ganhar a confiança das outras componentes desse local fechado sobre si mesmo.
As pessoas passaram a confiar-lhes os seus desabafos, passaram a ver neles um receptor de aflições e raivas.
As conversas registadas em película são partilha entre amigos, entre gente que tem em comum fazer parte de algo maior do que eles.


O Complexo do Alemão não será o tal universo paralelo, mas é certamente um mundo de características próprias.
Esse mundo teve a sorte de ser olhado por dentro por quem depois o pode transmitir de fora e para fora.
Com tanto de benefícios como de engano - a montagem valorizando os quadros visuais negam a intimidade das conversas - o filme diz mais sobre aquele morro do que qualquer outro até agora.
Esperemos que o muito que ainda ficou por dizer não tarde a surgir noutro filme.


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