segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Biutiful, por Carlos Antunes


Título original: Biutiful
Realização: Alejandro González Iñárritu
Argumento:
Alejandro González Iñárritu, Armando Bo e Nicolás Giacobone
Elenco: Javier Bardem, Maricel Álvarez e Hanaa Bouchaib

Um homem moribundo atravessa Barcelona garantindo muitas vidas para as quais ninguém olha.
São as vidas dos que vendem no passeio, dos que vivem e trabalham em caves e dos que sofrem com o silêncio da morte precoce.
Mais dolorosas ainda, as vidas das quais ele é ainda o foco, da mulher bipolar e dos filhos a quem ama mas nada tem a deixar.
Todas as vidas penduradas nele exigem cada vez mais e mesmo ao urinar sangue ele só pode mover-se em frente e deixar todas essas vidas orientadas para quando ele lá não estiver.


Não há um momento para pensar em si próprio quando é necessário, por um lado, salvaguardar a subsistência dos emigrantes africanos e cuidar do conforto mínimo dos trabalhadores ilegais chineses. E no lado oposto está obrigado a poupar dinheiro para legar aos filhos e tentar resgatar a mulher como mãe funcional.
O seu fim anunciado só pode acelerar o grau de problemas que ele tem. Mas resolver o Presente e assegurar o Futuro são duas possibilidades quase antagónicas e o drama advem daí.
Uxbal está incitado a tentar, a agir em função de um Bem dedicado aos outros. Tal como está condenado a falhar na mesma medida em que será bem sucedido.


Javier Bardem entrega-se a esta personagem, sofrida e irrequieta, mas imóvel na expressão externa dos seus males.
O seu confronto com a câmara - e, por consequência, com o espectador - é feito do poder silencioso que se derrama dos olhos sofridos que se mantém abertos e do corpo violentado que se ergue mais uma vez.
Uxbal tem mais dignidade do que será pedida a algum de nós. Ele atravessa a degradação citadina como esperança materializada para todos e como condenação para si próprio.
No entanto ele nunca seria confundido com um anjo, pois ele não está a redimir a brutalidade do subterrâneo onde circula. Ele luta do interior para salvar algo mas sucumbe ao destino que tem toda aquela construção que ofende a própria existência.
O seu sucesso pontual carrega um preço que é mais custoso de suportar do que a doença.


Ainda que Alejandro González Iñárritu já não filme o mosaico do mundo como reduzido espaço de intersecções, ele não deixou de filmar a multiplicidade do mundo.
Apenas descobriu que a escala pode ser repensada, com uma cidade pode ser hoje ainda mais abrangente do que o Globo.
Trabalhadores chineses produzindo produtos de contrafacção para serem vendidos por emigrantes quenianos e fazerem lucrar um espanhol que tenta depois devolver a cada um destes trabalhadores um pouco de condições de vida.
Barcelona, como qualquer cidade europeia, é uma Babel moderna que já não aspira aos céus porque mal consegue respirar acima do lixo humano que acumulou.
Só que a beleza desta Babel moderna está na sua confusão, nos seus tormentos e na sua decadência.
Como na vida, a beleza emerge da feiura. Mas para a ver temos de sofrer até perto da derrota para a nossa predisposição ser a do encanto.


Alejandro González Iñárritu não se deleita na podridão social e humana, filma-a de peito aberto.
Assim nos proporciona, mais uma vez, algum do seu melhor cinema.
Com a benção de ter Javier Bardem a encará-lo de volta, o realizador fez de Biutiful um filme que nos encarquilhará a alma.
A beleza paga-se caro num mundo que se encobriu e endureceu.



1 comentário:

  1. Concordo em absoluto com a tua opinião, Carlos. É um filme que nos impressiona e acaba até por nos enojar nalgumas cenas, tal o retrato empobrecido que dá da miséria e do desespero, mas é impossível não querer saber o que se vai passar a seguir na vida deste homem.

    Life is biutiful. É verdade. Javier Bardem, mais uma vez, é fabuloso.

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