quarta-feira, 16 de março de 2011

Micmacs - Uma Brilhante Confusão, por Tiago Ramos




O estatuto que Jean-Pierre Jeunet alcançou a nível mundial faz pensar numa longa filmografia de culto. A verdade é que o início da sensação começou apenas em 1991, com Delicatessen, uma comédia negra que foi apenas um ponto de partida para um estilo muito próprio e delicado que o cineasta estabeleceu. Depois realiza La cité des enfants perdus (1995) de uma menos bem sucedida incursão ao universo de Hollywood com Alien: O Regresso (1997), mas foi com o sucesso estonteante de O Fabuloso Destino de Amélie (2001) – considerado um dos mais importantes filmes da década passada e com cinco nomeações aos Óscares incluindo Melhor Filme Estrangeiro – que o cineasta atingiu a popularidade que tem nos nossos dias. Antes de partir para esta nova incursão ao seu universo fantástico, o realizador ainda teve em mãos a adaptação do romance Sébastien Japrisot com Un long dimanche de fiançailles (2004), um filme comovente e apaixonante em cenário de guerra.



Agora chega a Portugal, com quase dois anos de atraso, o seu mais recente filme Micmacs – Uma Brilhante Confusão, que estreou antes na Festa do Cinema Francês 2010 e no Fantasporto 2011. A verdade é que este novo trabalho do cineasta francês vem envolto sob alguma discussão acerca da originalidade do seu trabalho. Tema que por si só é contraproducente. Quando com outros realizadores se assume a existência e o assumir de um estilo único e identificador, com Jean-Pierre Jeunet parece não haver permissão por parte de alguma crítica em criar obras que se assemelhem ao seu estilo de fábula e uma estética de tons alaranjados e quentes. Se não absolutamente original no seu estilo ou conteúdo, esta não é uma obra que perca o seu mérito próprio por isso. Muito pelo contrário. O cineasta absorve aqui um registo insólito e surreal, mais semelhante a Delicatessen (1991) e faz aquilo que de melhor sabe: um filme delicado num contexto bizarro. Neste caso, estamos perante um braço de ferro entre um homem juntamente com várias personagens de um ferro-velho e a indústria bélica (nomeadamente duas grandes empresas rivais).



Micmacs – Uma Brilhante Confusão é um dos filmes mais inconsequentes e divertidos filmes do cineasta. É uma obra de entretenimento puro, de argumento simples, que despoleta facilmente ora sorrisos, ora gargalhadas. Num estilo muito cartoonesco e caricatural, somos levados ao encontro de uma sucessão de personagens de contornos extremamente bizarros e mesmo que disparatados, encantadores na sua construção, confirmando o costume habitual de Jean-Pierre Jeunet de promover o encontro casual entre personagens marginalizadas. Num ambiente de quase freak show de um circo, destaque para a presença de uma contorcionista, um homem-bala e até de uma calculadora-humana.

Esteticamente mantém-se a marca do cineasta, com recurso a uma fotografia saturada em tons quentes, da autoria de Tetsuo Nagata (La vie en rose), a montagem de Hervé Schneid (habitual colaborador de Jean-Pierre Jeunet desde sempre) e a direcção artística de Aline Bonetto (que trabalhou com o cineasta em Le fabuleux destin d’Amélie Poulain e Un long dimanche de fiançailles, tendo sido nomeada para os Óscares por ambos os trabalhos). A nível de elenco temos prestações competentes e adequadas ao argumento surreal: caso especial de Dany Boon (Bienvenue chez les Ch’tis), André Dussollier (Amélie e Um Longo Domingo de Noivado), Nicolas Mairé (99 francs) e Julie Ferrier (Paris).



O humor fácil, aliado a diálogos cómicos e uma dose burlesca de diversos acontecimentos fazem de Micmacs – Uma Brilhante Confusão um bom e divertido filme, num misto de comédia com um intrincado e surreal heist movie. É também o seu filme com a mais directa mensagem política e anti-guerra, daí que tende no seu final para uma dose exagerada de moralismo. Embora essa fácil lição de moral caia menos bem no goto do espectador, o filme não perde muito por isso, culminando numa hilariante cena final. A marca intemporal de Jeunet continua bem viva e recomenda-se.

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