quinta-feira, 28 de abril de 2011

Lixo Extraordinário, por Tiago Ramos



Título original: Waste Land (2010)
Realização: Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim

O mais interessante em Lixo Extraordinário são as vidas dos catadores da lixeira do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro. As histórias de quem lá foi parar por não ter outra forma de sustento, as vicissitudes das suas vidas familiares no passado e presente e as expectativas em relação ao futuro de quem no fim de contas até tem orgulho no trabalho que faz. Personagens reais que atribuem ao documentário uma outra visão mais sincera, dentro de toda a ansiedade e frustração que os afectam, de quem pede direitos para uma classe que não os tem. É incrível a riqueza dessas vidas que pouco têm e que permitem um retrato social associado a uma crítica social e política. É essa realidade que nos faz perceber o porquê de o documentário ter sido tão bem recebido internacionalmente – foi nomeado para Melhor Documentário nos Óscares 2011, venceu o Prémio do Público em Sundance 2010 e na secção Panorama do Festival de Berlim 2010, onde também lhe foi atribuído o prémio Amnistia Internacional - dado o valor da lição moral subjacente.



O problema aqui é a figura que dá mote a este projecto. Vik Muniz, conceituado artista plástico e fotógrafo brasileiro com grande reconhecimento internacional, apresenta-se a si próprio como uma figura messiânica, que desce do alto do seu pedestal – ao qual ascendeu oriundo do mesmo tipo de mundo onde os catadores vivem – mas que parece que se esquece das suas origens, mesmo quando faz questão de as evidenciar. O projecto social por ele criado – a transformação do lixo em arte como forma de ajudar a financiar a associação de catadores – a dada altura cria a dúvida que não seja mais que uma forma de auto-promoção. Ele é o elo mais fraco de Lixo Extraordinário dentro do rol de personagens extraordinárias que por ali passam.

A questão é que o destaque que lhe é dado – especialmente dada a popularidade do seu nome – enfraquece a estrutura do documentário, especialmente quando Vik Muniz devia servir apenas para contextualizar o projecto. A postura que ele assume em dadas alturas, especialmente no início do documentário onde se nota o seu próprio preconceito em relação aos catadores – que refere serem na sua maioria toxicodependentes - transmite algo irreal e forçado. A forma como ele se vê a si como ao seu projecto desvirtua a ideia, colocando dúvidas sobre o seu mérito e consequências de futuro de quem se vê afastado de uma realidade e depois, após o fim do projecto, se pode ver subitamente atirado para uma realidade a que já não quer pertencer.



Contudo, a visão transformadora do poder da arte é absolutamente encantadora, assim como toda a concepção do projecto onde se transforma lixo em belas obras de arte que garantem aos catadores algum apoio monetário que anteriormente não existia. Quanto mais essa realidade é explorada, melhor se torna o documentário, especialmente nas brilhantes sequências musicais, engrandecidas por composições originais de Moby.

Lixo Extraordinário tinha tudo para ser medíocre e apenas não o chega a ser porque os catadores enchem o ecrã através do seu olhar e experiências. É neles que podemos ver humanidade e sinceridade e um poder quase redentor da criação como forma de aumentar auto-estima. São eles que camuflam o irritante factor auto-promotor da figura arrogante de Vik Muniz.



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4 comentários:

  1. Tiago, acho que gostei mais do que você, mas concordo com a superexposição de Vik Muniz.

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  2. Pois, esse é para mim o maior senão do filme.

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  3. Desculpa minha falta de refutação, nesta sua análise crítica sobre o Nik... O desenvolver (auto promoção) dele no documentário é digno, pois ele fez muito e continua fazendo e fará muito, até este aterro ser fechado definitivamente. Ele, juntamente com outros parceiros levaram ao mundo histórias de pessoas que sobrevivem do nosso lixo de uma maneira simples e claro aberto a pensamentos refutáveis.

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  4. ele desenvolveu um belo trabalho
    eu concordo com que ele fez

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