sábado, 2 de abril de 2011

O Mágico, por Carlos Antunes


Título original: L'illusionniste
Realização: Sylvain Chomet
Argumento:
Sylvain Chomet e Jacques Tati
Elenco de vozes: Jean-Claude Donda, Eilidh Rankin e Duncan MacNeil

Era ainda La vieille dame et les pigeons uma aparição rara mas deliciosa no Onda Curta e Sylvain Chomet um nome facilmente esquecível e já reconhecia no seu trabalho a dívida para com Tati.
A dívida para com o humor físico inteligente, nascido da desadequação para com um mundo que esqueceu a ingenuidade pessoal, rasgando o labirinto moderno através do titubeante percurdo de Hulot.
Depois chegou Les triplettes de Belleville que confirmava tudo isso e ainda aproveitava para fazer a devida homenagem com aquelas duas evidentes pontuações: o poster de Les Vacances de M. Hulot na parede e Jour de fête na televisão.


Não havia, por isso, ninguém mais adequado a filmar um argumento de Tati senão Chomet.
Se bem que nesta intercepção dos dois realizadores franceses o resultado não seja definitivo para qualquer um dos dois. As identidades de ambos unem-se, mas não se fundem por completo.
Mesmo assim, entre o slapstick de composição única e de movimentos que só poderiam ser de Tati e as personagens nascidas de uma criatividade exuberante de Chomet, é por pouco que não nasce um novo universo.
Um universo ao qual desejaríamos que pudessem voltar estes dois criadores, repetindo a união, melhorando a dinâmica e legando-nos obras eternas.


Verdade que Chomet não tem o mesmo talento cinéfilo que Tati. Chomet não é um artesão no mesmo campo de Tati.
A sua dependência da componente sentimental do argumento é um pouco forte demais, enquanto que a complexa construção da estrutura cinéfila de Tati seria obviamente irrepetível.
Mas o desenho e o olhar de Chomet continuam a venerar a arte do antiquado maravilhoso, a mística de um tempo em que tudo exibia uma réstea de artesanato, um toque humano no material com que se erguia o mundo.


Chomet apega-se a este mundo - basta lembrar o cabaret no início de Les triplettes de Belleville - o que é nada menos do que adequado a uma obra de despedida de um mundo que perdia o encanto com os performers, os artistas individuais, artesãos de encantos.
Os saltimbancos de lugares onde a magia (do cinema) só chegava esporadicamente e isso era um acontecimento sem igual.
O último olhar sobre um mundo em que depois tudo se tornou vulgar, um mundo em que a histeria por qualquer "estrela" estava para permanecer e deitar por terra o acto único e genuíno de emocionar uma multidão pronta a descobrir um acto novo.


A perda da inocência de um mundo que sabia ser encantado, que tinha a inocência que o mundo moderno castrou.
Tema recorrente de Tati e com o qual Chomet faz um filme de finais, dos momentos em que a idade chega à sua última barreira. A rapariguinha que se torna mulher e o homem que se torna obsoleto.
Com Chomet o filme é mais Chaplin do que Tati, mais Limelight do que Mon Oncle.
Não é mau, sobretudo porque Chaplin também foi um génio, mas é um pouco distinto do que se esperaria.


Dito isto, há um lamento a fazer quanto a este filme, o do encontro entre a versão animada de Tati e a sua composição em imagem real.
Quem conhece o trabalho de Tati consegue desde logo identificar os maneirismos que Chomet reproduz sem precisar de uma referência visual, enquanto quem não conhece estranhará aquela intromissão no filme.
Fosse um artifício ou uma homenagem, era desnecessária e traz à baila a inevitável comparação na qual Chomet perde.



1 comentário: