sábado, 27 de agosto de 2011

Eu Vi o Diabo, por Tiago Ramos


Título original: Akmareul boatda (2011)
Realização: Jee-woon Kim
Argumento: Hoon-jung Park

Vamos directos ao assunto: estamos pois perante uma obra de cinema sul-coreano, um épico de vingança, género prolífico por aquelas bandas. Estreado em Portugal pela primeira vez na competição do Fantasporto 2011, Eu Vi o Diabo sagrou-se vencedor da secção Orient Express e um prémio para Melhor Realizador na secção oficial de Cinema Fantástico. O que faz desse país um local tão perfeito para este género ainda estamos longe de perceber. Mas os épicos de vingança e terror que nos têm chegado da Coreia do Sul nunca são de desperdiçar; só o ano passado chegaram a Portugal outros dois belos exemplares: Mother (2010), de Joon-ho Bong e Thirst (2009), de Chan-wook Park.

Quando vemos pela primeira vez o Diabo, passaram-se ainda poucos minutos de filme. Isto porque não há meias medidas, nem atenuantes. Já estamos habituados. Mas há ali algo simultaneamente tão desconfortável como espantoso, numa sequência que facilmente gela os mais impávidos. Estabelece-se então o mote para a trama que seguirá durante as próximas duas horas e meia: a vingança. E o Diabo teima em continuar a aparecer, cena após a cena, perante o olhar do espectador. Mas a questão que torna este filme ainda melhor é que o Diabo nem sempre tem a mesma face: questão que diferencia o filme de vingança ocidental do oriental. O primeiro lida desde sempre com a clássica dicotomia bem versus mal, o segundo distorce-a a um nível claramente ambíguo, mas sempre inclinado para uma coexistência dos dois, onde não é fácil diferenciá-lo. Mais realista portanto.

Do realizador do fantástico filme de terror A Tale of Two Sisters (2003), encontramos uma obra de um sadismos aterrador, de uma violência explícita e de uma acção intensa. E logo quando entramos de imediato num (aparentemente sem fim) jogo do gato e do rato, rapidamente percebemos que Eu Vi o Diabo é mais do que isso. É um jogo em que tanto o gato caça o rato, como o rato caça o gato ou melhor, em como os dois por vezes se confundem. Daí que aqui não há nada redutor à velha fórmula do cinema e da vida. Encontramos o horror do início ao fim, a transformação pela dor e pelo luto, a vontade de fazer mal como vingança e a vontade de fazer mal só porque sim, porque sabe bem, porque vimos o Diabo, porque somos o Diabo. Tanto que a dada altura o espectador não sabe bem porque há-de torcer: é aí que nos tornamos - sim, também nós - o Diabo. Eu Vi o Diabo é um filme longo - duas horas e meia podem não ser para todos - mas é uma duração sempre tão intensa, que não há forma do espectador respirar. É doentio e violento, como poucos. É de um sadismo estonteante.

E é bom, muito bom. Primeiro porque estamos perante dois pesos-pesados da interpretação do cinema sul-coreano. Byung-hun Lee, que já dá os primeiros passos no cinema de Hollywood (G.I. Joe: The Rise of Cobra), tem uma performance assustadora e ambígua, uma transformação inimaginável e intensa. E depois, Min-sik Choi - que regressa ao cinema depois de uma pausa - o eternoOldboy (2003), naquela que arrisco dizer ser o seu melhor desempenho no cinema. Sim, melhor que em Oldboy. Uma personagem sádica, cruel, manipuladora, vingativa. E ainda uma realização exímia de Jee-woon Kim, a provar que é um dos melhores cineastas sul-coreanos, a competir lado a lado com Joon-ho Bong e Chan-wook Park. Já para não falar (mas já falando) de uma das melhores bandas sonoras (Mowg) e fotografia (Mogae Lee) do ano.

Eu Vi o Diabo é um dos melhores filmes do ano a estrear em Portugal. Não temos dúvidas que estamos perante aquele que se tornará rapidamente um clássico do cinema oriental. Vimos o Diabo e gostámos.


Classificação:

2 comentários:

  1. É um dos filmes mais brutais que vi este ano. E dos melhores também. Também lhe dei a mesma classificação: http://notfilmcritic.blogspot.com/2011/04/i-saw-devil-akmareul-boatda-2010.html

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  2. Gostei do filme... bom mesmo... perturbador

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