sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Somos lo que hay, por Carlos Antunes


Título original: Somos lo que hay
Realização: Jorge Michel Grau
Argumento: Jorge Michel Grau
Elenco: Francisco Barreiro, Adrián Aguirre and Miriam Balderas

Nas muitas comparações com Låt den rätte komma in de que Somos lo que hay tem sido alvo, um pormenor essencial tem sido esquecido, que as bases do mito vampírico já estavam estabelecidas na mente do público, enquanto que com os canibais - sobretudo estes canibais - era preciso demonstrar a necessidade desse pano de fundo na história.
Por esse prisma, o filme é um pequeno desapontamento quando se procura horror.
A marca pouco vincada das acções mais extremas da família retratada não só não tornam a história marcadamente horrífica como desviam o foco - comercial e, eventualmente, do público - do drama familiar que está muito bem executado.
Esta família canibal é-o motivada por um ritual. Um ritual de que não conhecemos regras mas que dizem ser necessário para continuarem a viver.
O mistério em que o filme envolve o canibalismo, com que pretendia carregar os traços estruturantes ds relações familiares, torna-o supérfulo. Esta família, para o que lhe acontecerá, poderia vender orgãos no mercado negro, justificação igualmente suficiente para os corpos esventrados numa mesa de sua casa que a polícia acabará por encontrar.
No limite, o canibalismo seria apenas uma forma radical de domínio dos pais sobre os filhos, uma forma de evitar que desmembrassem a família e partissem eles próprios para o mundo. Mas isso é uma ideia que Kynodontas levou (por outro caminho) ao limite, de forma brilhante, e que este filme aflora sem intenção.
Preferível era que o canibalismo desta família fosse justificado por motivos mais crús - mesmo que chamem simplista à minha sugestão - como a pobreza, visto que na família apenas o pai tinha uma banca numa feira ambulante.
Era mesmo um acrescento aos motivos que tornam as relações familiares periclitantes quando alguém precisa de assumir o lugar de sustento da família.
Pois são os confrontos entre irmãos e entre mãe e filhos que constroem a melhor memória deste filme ao irem esticando ao limite as personalidades que a morte do pai faz emergirem.
Um filho mais velho que a contragosto assume o papel do pai enquanto tenta descobrir a sua própria identidade. Uma mãe fria que defende a estranha ideia de família construída ao longo dos anos mas não parece ter um traço de amor em si. Um filho mais novo sempre rebelde e impetuoso que é demasiado parecido com o pai para poder comandar. Uma filha decidida mas também perdida na sua infância.
A necessidade geral leva a que cada membro da família - exceptuando a rapariga - se degrade em busca de um corpo para o ritual, revelando o ponto limite de degradação pessoal para que caminham.
Quando a polícia os encontra, o drama familiar desenrola-se num último confronto até ao acto final do irmão mais velho. Um verdadeiro sacrifício patriarcal feito de heroísmo, castigo e responsabilidade, que o transforma no pai que ele tinha de se ter tornado e que encaminha para o futuro a única peça daquela família que o merece e que o poderá conseguir fazer vingar.
Nesse momento começaria, sim, a história de terror que seria comparável a Låt den rätte komma in, com a jovem rapariga a ter de subsistir no mundo com uma necessidade incompreensível aos demais.


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