sábado, 10 de março de 2012

Florbela, por Tiago Ramos


Título original: Florbela (2012)
Realização: Vicente Alves do Ó
Argumento: Vicente Alves do Ó
Elenco: Dalila Carmo, Ivo Canelas e Albano Jerónimo

O maior espanto aqui é haver pouca Florbela Espanca e haver mais Florbela (que poderia ser anónima). É haver pouca poesia de Florbela Espanca e haver mais poesia de Vicente Alves do Ó. Daí a estranheza num filme que ao mesmo tempo que tenta ser uma biopic de um momento limitado da vida da poetisa portuguesa, tenta também quebrar todos os conceitos desse cinema de género. Daí a estranheza por haver um aparente pequeno contrassenso nas suas intenções. Daí a dúvida de não sabermos bem lidar com esse pequena arrojada forma de subverter as expectativas do espectador e que começa logo com a cena que serve de créditos iniciais ao filme. Com isto, porém, Vicente Alves do Ó comprova o seu ponto de vista estético na sua segunda longa-metragem que, embora repita alguns dos  maiores problemas de Quinze Pontos na Alma (2011), traz agora também alguma maturidade, não sabemos se pela pequena experiência anterior se pela temática que lhe é mais próxima. Especialmente pela câmara, mais próxima das suas personagens, que leva o espectador a elas, de câmara ao ombro, por vezes tão sôfrega e deambulante quanto a própria protagonista. E depois, se na sua primeira longa-metragem, havia revelado um primoroso cuidado técnico (e até raro na cinematografia portuguesa), em Florbela eleva ainda mais essa qualidade, especialmente denotada na magnífica fotografia de Luís Branquinho, montagem de João Braz e direcção artística de Silvia Grabowski.

O elenco é ele um dos pontos altos de Florbela. A começar pela magnífica Dalila Carmo que, arriscamos aqui, apresentar o melhor desempenho da sua carreira até ao momento. Uma interpretação despojada, concentrada e intensa. E daí parte para os também eles brilhantes Albano Jerónimo e Ivo Canelas, dois desempenhos muito bons (ainda mais nas excelentes cenas que se dedicam à relação entre Apeles e Florbela Espanca), mas que perdem na pouca dedicação que o argumento lhes dá.

Porém, não há (flor)bela sem senão e todo esse esplendor épico que Vicente Alves do Ó tenta imprimir ao filme é também o que impede que este atinja o cume da sua potencialidade. A começar pela (excelente) banda sonora de Guga Bernardo, que não raras vezes entra em conflito com o filme, sobrepondo-se aos diálogos, ao ambiente, não deixando nem as personagens nem o espectador descansar e concentrar-se nas emoções das personagens. A personagem de Apeles Espanca no filme dizia algo como: «Às vezes as pessoas entendem-se melhor no silêncio». Outro ponto menos positivo é também ele contraproducente: um filme que tenta ser sobre a poesia da sua protagonista, mas que é afinal sobre a poesia do seu autor, acaba por criar diálogos irrisórios e pouco naturais para as mais variadas situações que descreve. Mesmo nas cenas que desejariam uma maior veracidade, há sempre um dramatismo que pesa nos diálogos e que seria evitável se não houvesse todo esse exagerado desejo pelo épico.

Não podemos contudo não avaliar Florbela à luz do cinema português actual. E embora este possa não ser o melhor filme português dos últimos anos, é seguramente um dos mais belos de sempre e que marca uma visão e estética muito própria e, com certeza, num realizador a continuar a seguir com muita atenção.


Classificação:

2 comentários:

  1. Estava cheia de vontade de ver - achei o trailer lindissimo, e espero poder ver este filme em sala. Mas a tua review também me fez assentar um bocadinho os pés na terra, lol o que é bom. a ver vamos :P

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  2. Mas eu gostei e ainda hoje o recomendei. Eu gosto do Vicente Alves do Ó pela sua paixão ao cinema e por fazer um tipo de cinema que é raro vermos por cá. Já o tinha dito na altura de Quinze Pontos na Alma e confirmo agora. Vale a pena ver. Eu também estava muito ansioso e entretanto houve quem me baixasse muito as expectativas: a consequência foi ter gostado mais do que se calhar iria gostar. :)

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