A mudança de empresa que fornece a leitura dos resultados audiométricos da audiência televisiva em Portugal não tem sido isenta de polémica. Recordemos que a abertura de um concurso da Comissão de Análise de Estudos de Meios (CAEM) para ser implementado um novo sistema de medição de audiências de televisão teve como conclusão a mudança da Marktest (que há 13 anos fornecia os dados) para a GfK - que curiosamente venceu por ter a proposta mais barata, já que a avaliação técnica concedeu um melhor resultado à proposta da Marktest.
O contrato de cinco anos com GfK (inicialmente o concurso estava previsto terminar no último trimestre de 2011) deveria ter começado no dia 1 de Janeiro de 2012, mas sofreu alguns atrasos e só agora a GfK começou a fornecer os primeiros resultados. Isto porque foi implementada tecnologia de audio-matching (determinada pelo switch-off do sinal analógico de televisão para a TDT) que utiliza people meters não invasivos recorrendo à amostragem de som para detectar o canal (que é feito através das amostras de áudio armazenadas no Centro de Processamento de Dados). Os sucessivos atrasos por parte da GfK que afirmava ter de esperar por resultados fiáveis (problemas que a própria CAEM detectou) fez com que no mês de Janeiro e Fevereiro, a Marktest tivesse que continuar a facultar as audiências. Uma das anomalias à altura detectadas tinham que ver com a amostragem onde o cabo poderia estar sobrevalorizado ou com o próprio sistemas da GfK Telecontrol a ser instalado em simultâneo com a transição para TDT, já que acontecia várias vezes haver registo de audiência em canais cujos programas detectados não estarem a ser transmitidos.
António Salvador (GfK) no programa Hoje, na RTP2.
Porém, a polémica não terminou aqui. Os primeiros dados de audiência fornecidos pela GfK relativos ao dia 1 de Março, apresentaram variações abruptas no share dos canais por cabo e na RTP1. Por exemplo, na quinta-feira anterior e com resultados da Marktest, a RTP1 registava 20,8% no share de espectadores, mas com a nova medição da GfK ficou-se por uma média de 13,9%. Já nos canais por cabo e outros, o novo sistema atribui-lhe uma média de 36,9% quando na semana anterior, registava um valor muito inferior: 25,8%. Estes resultados invulgares geraram um elevado burburinho que principalmente a RTP1 tem contestado. O director executivo da CAEM veio explicar que o item Outros (13,1%) e que não surgia no sistema de medições da Marktest se refere não ao consumo televisivo, mas à outra utilização dada ao aparelho (jogos, gravações, satélite ou canais espanhóis na fronteira). Outro dos problemas registados tem que ver com televisores ligados durante 24 horas seguidas, o que a CAEM justificou como residual (em mais de mil lares apenas se registaram dois casos). No caso de canais visionados em simultâneo, foi assegurado que apenas é contabilizado o exibido durante mais tempo.
Mesmo com estas explicações, a RTP manifesta desconforto quanto à fiabilidade do novo sistema de audiências, especialmente porque o canal público registou um incrível queda de 33%. Já no caso da TVI e da SIC, os resultados não foram tão discrepantes (a estação de Queluz com uma queda de 4,02% e a de Carnaxide com uma queda de 14,23%). Como já referido, a quota Cabo e Outros subiu 43,02%. Um dos problemas apontados pela RTP é a representatividade: a população portuguesa, segundo um estudo realizado pela própria GfK, tem 17% de uma população idosa (maiores de 64 anos), enquanto que o seu painel de amostragem incluí apenas uma percentagem de 9% dessa faixa etária. A GfK contraria, defendendo a sua amostragem, justificando a dificuldade dos idosos em colaborarem de forma correcta, já que estes não se têm adaptado bem ao sistema, obrigando à empresa a substituir o lar. António Salvador, da direcção-geral da GfK, é ainda peremptório em afirmar que era a Marktest que não estaria a realizar um bom trabalho, mas em entrevista ao programa Hoje na RTP2, afirmou «Não posso confirmar se estão certas ou erradas». A RTP manifesta porém vários problemas detectados durante a fase de testes, onde um jogo do Benfica teve durante vinte minutos, zero de audiência e exige uma resolução rápida do problema.
Alguns dos problemas apontados pelo canal público manifestam de facto alguma estranheza e merecerão ser alvo de discussão. O Telejornal, até então líder da informação, perdeu 404 mil espectadores no novo sistema da GfK. Curioso ainda que enquanto que neste sistema, o Telejornal foi o décimo programa mais visto no dia 1 de Março, nos dados fornecidos pela Marktest (que os continua a divulgar) é o quarto programa mais visto. Ou ainda nos novos dados, o Jornal da Uma (TVI) registou 30,7% de share, o Primeiro Jornal (SIC) regista 24,6%, enquanto que o Jornal da Tarde (RTP1) regista 17,9% de share. Na véspera o Jornal da Tarde lutava pela liderança com a TVI, mas no novo sistema teve metade da audiência da TVI e foi ultrapassado pela SIC. Ainda num registo de comparações, o Diário da Manhã na SIC e em simultâneo com a SICN (exibido às seis da manhã) ou a repetição da série Os Maias na SIC, às duas e meia da manhã registam uma maior audiência que a Praça da Alegria na RTP1.
Oportunas comparações que colocam em jogo a fiabilidade do registo dos dados que movem uma indústria milionária da publicidade e que merecem ser analisados e vistoriados, para se perceber qual a origem destas discrepâncias: um sistema pouco fidedigno da GfK ou mais de uma década com dados enganosos da Marktest? Curioso ainda que embora seja a GfK que fornece os dados, é a Marktest que faz a análise dos mesmos.
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