Realização: Gary Ross
O grande potencial em The Hunger Games é precisamente na história que lhe serve de base com interessantes referências e metáforas políticas. Referências essas que não são inéditas e só para enumerar algumas, todo um conceito já explorado por George Orwell em 1984 ou até, de uma forma bastante semelhante, no filme japonês Battle Royale (2000). Uma história de voyeurismo institucional, uma ditadura que amedronta o seu povo e ao mesmo tempo os diverte/ilude com a existência dos gladiatórios Jogos da Fome que aludem, por exemplo, à Roma Antiga e que vai muito mais além do semi-romance que a obra de Suzanne Collins nos apresenta. Até porque precisamente muito do que nos interessa existe naquela sociedade (distópica?) que remete para o futuro da nossa civilização após um colapso das instituições morais e dos valores que cria evocações interessantes à reality TV e que revela uma crueldade intolerável nas suas intenções.
Contudo a restante história não deve, porém ser desconsiderada. Obedece pois a toda uma lógica das narrativas dedicadas a um público adolescente/jovem adulto, não descurando todos esses dilemas romanceados do género, mas subverte muito desse romance (muitas vezes até de forma superior ao livro), aproveitando o conceito de espectáculo vigiado e onde as personagens também agem não só por puro instinto, mas também de forma premeditada e atendendo às necessidades e expectativas do público que os assiste. De facto, o filme (e não vamos entrar nesta crítica num óbvio jogo de comparações) é bastante fiel ao livro, não tivesse sido ele também adaptado ao cinema pela sua escritora (Suzanne Collins), ganhando um tom muito fidedigno, embora modifique sempre alguns pormenores em favor de uma adaptação cinematográfica, mas até (e curiosamente!) corrige alguns dos momentos do livro que poderiam soar menos bem conseguidos. Uma adaptação inteligente e uma das melhores dos últimos anos a esse nível, já que contextualiza de uma forma global a acção e introduz subtilmente a trama no espectador, sempre de uma forma aparentemente rápida, mas ao mesmo tempo madura. Ocupa ainda parte da acção com cenas interessantes dos bastidores dos Jogos da Fome, sempre numa excelente interacção com esse elenco secundário, de onde se destacam Stanley Tucci e Donald Sutherland. Mas na acção principal e embora todo o elenco esteja a um nível bastante elevado, não há como não elogiar o absoluto desempenho de Jennifer Lawrence que vem confirmar (mais uma vez) que é uma actriz altamente dotada, numa interpretação quase silenciosa, mas absolutamente forte. Uma das melhores heroínas da ficção moderna.
Gary Ross revelou também ser uma excelente escolha na realização. Sabe dotar o filme de uma sensibilidade que o deixa num misto entre mainstream e algo mais underground, não se coibindo de mostrar emoção e acção nos momentos adequados. A sua opção de uso da câmara ao ombro (e embora pareça, a espaços, excessiva e até enjoativa) permite um equilíbrio excelente entre aquilo que é a verdadeira essência sangrenta da acção com questões mais comerciais e estratégicas como a de este ser um filme dedicado a um público mais jovem e necessitar uma classificação mais baixa. A edição rápida e tremida permite captar esse lado mais sangrento, mas nunca de uma forma explícita. As opções de mostrar em directo comentários do jogo permitem, além de uma contextualização, tornar o espectador também num voyeur. Alguém que assiste de forma envergonhada a um evento do género, mas ao mesmo tempo torce por um vencedor, como se do seu distrito se tratasse. Opções sempre interessantes e coerentes para com a estrutura da acção e que merecem logo destaque por não caírem no caminho fácil de optar pela narração voz off para explicar muitos dos acontecimentos. Tecnicamente o filme é também um portento, com destaque para as cenas de reconstituição do Capitólio (com design de produção de Philip Messina), mas também o guarda-roupa (Judianna Makovsky) e banda sonora (original de James Newton Howard, complementada com outras boas escolhas mainstream), são brilhantes.
The Hunger Games - Os Jogos da Fome gere bem as expectativas e é o primeiro franchise desde há muito tempo que quase exige imediatamente uma sequela. Muito por culpa da história, muito por culpa do realizador e actores que contribuem para fazer do filme um dos melhores blockbusters dos últimos anos.
Classificação:
concordo perfeitamente, bom texto !
ResponderEliminarObrigado, Diogo!
EliminarLi os livros e quero ver o filme. Acho que este vou ver no cinema em vez de esperara pelo DVD. ^_^ Estreia na sexta? Mas aqui estreiam sempre à quinta. O.o
ResponderEliminarAinda cá tenho para ler o Battle Royale que dizem ter sido a inspiração para os Jogos da Fome. :D
Não, estreia hoje. :)
EliminarNão li o livro do Battle Royale, apenas vi o filme. E sim, senti que é mesmo muito inspirado aí. Mas pelo menos no filme japonês não temos toda aquela noção geopolítica, nem da sociedade distópica como em The Hunger Games.
Eu adorei o filme e o livro.gostei do realismo distópico do mundo.Vale msm a pena o filme sendo fa ou nao
ResponderEliminarSim, concordo.
EliminarViste o mesmo filme que eu? Acho que não...
ResponderEliminarSe calhar não, enganei-me na sala. Acho que fui ver Os Marretas.
EliminarMuito boa análise. Este é para ir ver :)
ResponderEliminarObrigado Rúben. Espero que gostes. Depois deixa a tua opinião.
EliminarGostei bastante do filme. Concordo em bastantes pontos com o autor deste texto.
ResponderEliminarA emoção de toda a aventura de Katniss está muito bem capturada.
Só fiquei desiludido com alguns plot holes.
Obrigado Nuno! Sim, não está perfeito, havia espaço para melhorar, mas acredito que foi um bom pontapé de partida para o início do franchise.
EliminarExcelente critica Tiago, sim parece que tem muitas parecenças com o Battle Royale amanha lá estarei no cinema para comprova-lo.
ResponderEliminarObrigado André. Eu quando comparo a Battle Royale, ao contrário de outras pessoas, não o faço de forma negativa. Sim, tem uma ideia de base semelhante, mas não afecta em nada nenhum dos dois.
EliminarDepois dá a tua opinião, quando vires. :)
Muito bom Tiago sem duvida, agora fiquei curioso com o resto da história.
EliminarÓptimo! Sugiro-te mesmo a leitura da trilogia!
EliminarAntes de mais obrigado pelo bilhete para a antestreia Split Screen, queria muito ver este filme e não me desiludi nem um pouco, antes pelo contrário! Deixo aqui uma nota elevada ao filme e ao desempenho de Jennifer Lawrence. O filme capta de facto a atenção e ficamos intrigados até ao fim com o desfecho.
ResponderEliminarCésar Loureiro
Ainda bem que gostaste, César. É verdade, é muito mais do que o estereótipo de filme para adolescentes que muitos lhe lançam. Nem que seja, no mínimo, pelo desempenho de Jennifer Lawrence e pela narrativa principal.
EliminarAntes de mais, exelente crítica Tiago!
ResponderEliminarQuanto ao filme, fui vê-lo sem qualquer tipo de expectativa, de mente aberta e decidida a não cair na armadilha fácil da comparação com outras sagas, como a máquina publicitária nos quer obrigar a fazer. Mais, se o formos comparar com Twilight, como parece ser o objectivo, isso será insultuoso para The Hunger Games, e muito mais rapidamente comparo o filme com a saga Harry Potter (o que considero linsojeiro).
Adorei todos os pormenores de realização que referes, que tornaram o filme mais envolvente mas sem ser aborrecido, pelo contrário houve partes em que a adrenalina na sala era palpável. O elenco foi também um boa surpresa, com Stanley Tucci em grande, Woody Harrelson a fazer lembrar o papel de Zombieland e Lenny Kravitz a surpreender. Há que referir também o guarda-roupa e o trabalho de maquilhagem espectaculares.
Por último, Jennifer Lawrence acaba por fazer uma escolha de carreira acertada, ao demonstrar o seu talento a uma audiência maior, mas o grande trunfo do filme para mim é sem dúvida todo o conceito daquele mundo, e todas as mensagens subliminares que dali se podem retirar, e que me deixaram fascinada. Que venha o próximo!