domingo, 16 de setembro de 2012

Livid, por Carlos Antunes


Título original: Livide
Realização: Alexandre Bustillo e Julien Maury
Argumento: Alexandre Bustillo e Julien Maury
Elenco: Chloé Coulloud, Félix Moati e Jérémy Kapone

Está encontrada a revelação do festival, um filme francês (embora não seja pela sua origem que o diga) que tem uma única característica a seu favor, que até demora a colocá-la em acção e que, apesar disso, proporciona um óptimo momento de cinema.
A história é ténue e assente em pressupostos o mais simples possíveis: três jovens invadem uma casa onde lhes foi dito que uma velha senhora - em estado de coma - mantem um valioso tesouro.
Só a meio do filme, depois de uma construção lenta que vai prometendo algo bem diferente e que poderia fazer o filme cair no campo mais extremo do primeiro filme da dupla de realizadores, percebemos que Livide é um conto gótico.
Um conto gótico onde toda a inocência se perdeu e onde elementos de uma mitologia mais corrente se mesclam com o passado do género.
Ainda que isso leve a que a coerência da mitologia interna possa não ser perfeita, também porque os realizadores não quiseram deixar de fora um outro toque do gore que lhes deu a atenção anterior, reconhece-se uma visão para a composição das imagens e para a associação dos elementos.
Essa composição é sempre privilegiada para albergar tanto steampunk como surrealismo e tanto contos de fadas como crendices. 
O design é o alvo dos mais inevitáveis elogios, trazendo várias vezes à memória as delícias que Jan Švankmajer sempre soube criar.
Sobretudo, são os mais variados jogos de criança que se transmutam na essência do horror. Outrora elementos deliciosos para as jovens meninas - ballet, caixa de música, mesas de chá na companhia de bonecos articulados - atormentam agora a rapariga temerária mas pouco precavida.
Mas também a forma como somos guiados pelo meio desse design é, pelo menos, digna de registo. Não que seja por uma linha sólida de eventos, mas porque no interior desta casa assombrada estamos constantemente a ser colocados defronte de uma novidades mais extraordinária do que a anterior.
As surpresas são ricas e se não é por um terror "puro e duro" que fazemos a viagem, é certamente por uma expectativa tensa do que está para chegar.
Num momento em que muito do cinema de terror - e uma grande parte do cinema de terror francês, ainda para mais - não passa de uma tentativa de atrição dos sentidos do público por insistência na exibição de violência sem filtro, este é o filme certo para se deixar levar por um sentimento que cria uma dúvida verdadeira.
O encanto pelos cenários expostos e pelo ambiente criado minimizam a ânsia pelo mal que sabemos estar por vir e, pior ainda, deixam-nos incertos quanto à origem do prazer que retiramos do filme.
Desejamos tanto a sobrevivência da protagonista como o resultado da complexa armadilha que é aquela casa.
Se não nos assustarmos com a nossa própria vertigem de desejos imorais, não estaremos totalmente hipnotizados pelo efeito que este filme consegue.
Uma forma de susto que é mais interessante do que a larga descendência que o "new french extremism" vem deixando um pouco por toda a parte.


Sem comentários:

Enviar um comentário