quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Perto de Mim, por Carlos Antunes


Título original: The Good Doctor
Realização: Lance Daly
Argumento: John Enbom
Elenco: Orlando Bloom, Riley Keough, Michael Peña e Taraji P. Henson

O seu título original cria a divergência de entendimentos, entre o respeito opressivo e a ironia julgadora, que o próprio filme não sabe como resolver.
Ou então não quer resolver, sugerindo o futuro como uma possibilidade ambígua. Seja qual das hipóteses for, o mais importante fica por contar, o que vem depois do período iniciático deste óptimo médico ou sociopata reverenciado.
Orlando Bloom dá vida ao jovem médico inglês que chega aos Estados Unidos da América com o peso da tradição médica familiar sobre si. A sua velha pasta de couro, o seu penteado, o seu vestuários, todos eles denunciam alguém que se desfasou do tempo corrente e vive preso num mundo que lhe foi idealizado pelos pais e em que ele está preso desde muito novo.
Cheio de possibilidades económicas, vive num apartamento em frente à praia mas sem vida, um local onde faz as refeições e dorme. Não há ninguém que para lá possa convidar pois também não há ninguém com quem converse.
O seu único foco é a posição que ocupa e que ocupará de futuro. Não o trabalho, mas a sua designação de médico. Nada mais do que um miúdo mal tratado - por quem permanece uma incógnita - que venceu pelo conhecimento e que exige agora respeito pelo diploma, quando este só virá quando puder exibir experiência.
A sua faceta mais frágil revela-se quando tem de tratar uma jovem rapariga e a relação empática que se gera entre médico e paciente o afecta mais a ele do que a ela.
A fixação com a acidental Lolita leva-o a garantir que a doença facilmente tratável se prolonga para que a possa ver todos os dias no hospital.
Dormindo de consciência descansada sob o olhar da fotografia que consegue roubar de casa dela, o médico parece garantir a si mesmo que se trata apenas de um comportamento de inconsciência romântica que lhe será perdoado quando a felicidade for a dois.
O jovem sempre resguardado do mundo à sua volta pelos tomos que tinha de estudar descobre que há algo além do pensamento analítico, mesmo que seja a mais ténue e temporária das relações.
A tragédia a que o seu comportamento nada ético o levará tornar-se-á na sua valorização face aos médicos e enfermeiras que até aí o ignoravam. Para esses, o seu distanciamento emocional tornou-se em focalização total no trabalho. A tragédia dá-lhe o estatuto que as suas verdadeiras qualidades - a existirem - não demonstravam.
Sente-se saciado, a emoção passageira a dar de novo lugar ao distanciamento clínico, agora embuído da reverência do tratamento do "senhor doutor". E um homem tomado por tal vertigem não compreende as consequências dos seus actos, porque acredita que eles são justificados - e emendáveis - pelo estatuto que acredita ter. Seja afrontando as enfermeiras que deverão ser o seu maior apoio ou, finalmente, levando à morte da sua doente, este médico segue por um abrupto caminho de erros a uma velocidade que só pode aumentar quando um enfermeiro o chantageia.
O filme leva o novo afã psicótico do médico a um ponto de confronto com a polícia que se transforma num delírio de entrega ao mar mas do qual o médico se consegue afastar. Nesse período de thriller médico, o exagero é demasiado e a plausabilidade que estava em suspenso perde-se por completo, com o filme a ficar quebrado.
Para trás ficou o drama sobre a ingenuidade humana vergada ao poder social da posição de médico, onde a interpretação de Orlando Bloom vale muito por toda a dureza desumanizada com que enfrenta os outros a partir da sua frágil posição.
Ficamos apenas com a dúvida. Esta é a crítica da obsessão pelo estatuto hierárquico dos médicos que cria pessoas capazes de tudo para se evidenciarem. Ou esta é a história de um assassino que tem, finalmente, as ferramentas para concretizar os seus instintos e ainda se esquivar às consequências?
No momento final, em que uma enfermeira chama "Doutor!" e o olhar de Orlando Bloom interpela o espectador antes de lhe responder um "Sim" que se nota que é um verdadeiro "Sou eu! Consegui!", não conseguimos perceber se este é o médico capaz de voltar a matar para ter o apreço dos seus pares ou se é o homem com poder suficiente para impôr os seus desejos menos nobres a qualquer mulher.
Ou, ainda mais simples, um verdadeiro bom médico que teve de dar um primeiro passo extremamente errado para limpar o seu sistema e tornar-se mais "humano".
A possível capacidade de sugestão do filme não convence a aceitar que este possa passar sem responder, pelo menos, para quem nos está a fazer olhar de volta quando Orlando Bloom olha para nós.


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