quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Gravidade, por Tiago Ramos


Título original: Gravity (2013)
Realização: Alfonso Cuarón

O filme começa e logo um plano magnífico sobre a Terra, a partir do Espaço. Um vaivém espacial em órbita e o espectador sente-se imerso por aquelas imagens. A câmara orbita também e rapidamente se apercebe do toque de Cuarón - um plano enorme sem cortes, um manejo virtuoso da câmara. Subitamente um corpo em órbita, o espectador sente-se tenso, mas não, tudo normal. Apenas um astronauta, divertido, a contar histórias ao controlo terrestre, a tentar bater um recorde de permanência no Espaço, outros na sua azáfama profissional. Há um clima de tensão, a banda sonora intensifica-se. «I have a bad feeling about this mission». E o espectador concorda. A acção acontece e o espectador aflito, também ele tenso, sem oxigénio, tudo acontece muito rápido, mas ao mesmo tempo parece que não acaba. Os astronautas em aflição, o espectador também. Sente-se sufocado, enclausurado, perdido, no vácuo, no vazio, no Espaço, na imensidão. Subitamente o silêncio, a negritude. Um sufoco e aí um corte. Passaram-se mais de dez minutos e Cuarón faz o seu primeiro corte no filme e aí percebemos que estamos perante algo de extraordinário.

Gravidade tem essa capacidade sobre o espectador. Pode até não entender ou não se importar com tudo o que foi preciso para chegar ali, mas percebe claramente que há algo muito inovador ali. Há uma capacidade de revolucionar o Cinema, de o fazer avançar, de o movimentar utilizando e melhorando as ferramentas da época (o digital, o 3D, as câmaras de última geração), numa altura em que se calhar já pensávamos que pouco mais haveria a fazer. O mexicano Alfonso Cuarón maneja a câmara como poucos, rodeia-se de uma equipa multifacetada e extremamente talentosa (Emmanuel Lubezki por exemplo, mas também toda a equipa de efeitos especiais) e faz magia. A técnica é perfeita, é inteligente, é bela, claustrofóbica. É perfeita, detalhada e angustiante. E por sim, sabemos que estamos perante um objecto fílmico que faz mexer o Cinema e que o vai mudar e que vai ficar para sempre marcada na sua História.

Se falamos em perfeição técnica, há que admitir que o seu produto final está dependente de factores externos e que influenciam sempre - quer queiramos quer não - o Cinema. E neste caso é sobretudo o dinheiro (200 milhões de dólares) investido num projecto grandioso e que teria que ter retorno financeiro. É por isso que temos que compreender e aceitar coisas que na realidade talvez nos custem: a narrativa cede a facilitismos melodramáticos para cativar o espectador, a manipulação talvez, a forçar a lágrima, a dramatizar a situação até ao limite possível. É também por isso que estamos perante uma das narrativas mais clássicas (e por isso também talvez banais) do Cinema: é uma história de sobrevivência, a luta do Homem contra os elementos, uma história de superação, humana e nada mais. O que muda é a forma como é filmada. Mas impressiona também a forma como Sandra Bullock cresce com a sua personagem ao longo do filme, como se eleva ao pódio das "heroínas" do cinema, como cresce e se confirma a grande actriz que é. A composição que ela faz é impressionante, talentosa, vibrante e energética. É inteligente, natural e um tipo de trabalho que raras vezes vemos por Hollywood. O filme é também dela e seriam poucas as actrizes que o conseguiriam fazer melhor.

Tudo em Gravidade é impregnado de uma tensão vertiginosa, de uma sensação claustrofóbica potenciada ao máximo, o enjoo («I'm spinning» e nós também), o sufoco, a impotência perante a imensidão («I can't breathe» e o espectador tenta respirar sem conseguir). É também esse sentimento de sufoco criado que se torna por um lado o reverso da medalha - nota-se a manipulação, nota-se a necessidade de criar uma noção épica a todo o instante, pela acção, pela explosão, pela tensão, pela câmara que gira, roda, pelos eventos catastróficos que não param de suceder, pela banda sonora. Banda sonora essa que admitimos que é um trabalho genial de Steven Price, mas que não deixamos também de lamentar que ela exista em quase a totalidade do filme, sem dar espaço ao espectador. Isto porque os breves segundos esporádicos em que estamos nós, a personagem, no Espaço, no vácuo, na escuridão, nós, ela e o silêncio absoluto, são bem mais constrangedores, sufocantes e angustiantes, que a música ininterrupta e disruptiva que nos sufoca também. Para um filme sobre o vazio, queríamos tentar sentir também esse desespero, que aqui e é pena, nos falha.

Não serão esses males (que aqui apelidarei de menores) que causarão falha maior a Gravidade. Não há como, se não sabemos se um filme com a importância que este terá para o Cinema, voltará a acontecer.


Classificação:

1 comentário:

  1. Estava algo apreensiva em ir ver o filme, o trailer dava-me uma enorme sensação de angustia e várias pessoas me disseram que ficaram enjoadas, mas o saldo não podia ter sido mais positivo, mas compreendo claramente que alguém que tenha vertigens, claustrofobia e enjoo do movimento se sinta muito mal neste filme, como não sobro de nada disso, a angustia é daquelas boas, se é que a angustia alguma vez é boa.
    A única coisa que me incomodou no filme, foi algo que referiste, a banda sonora, se naquela cena em que ela rodopia pelo espaço (entra no trailer não chateiem com os spoilers) se em vez de música apenas tivéssemos o silêncio a a respiração dela, teria tido o mesmo impacto de um murro no estômago, com uma marreta.

    Uma nota para a visualização em IMAX, soberba, damos por nós a desviar-nos dos detritos, a querer apanhar as lágrimas com os dedos, vale cada cêntimo do bilhete.

    ResponderEliminar