A cena mais calma do filme são os seus minutos iniciais e vai servindo de crescendo para uma sensação de tensão. Vai correr mal e já sabemos, a câmara trémula de Greengrass antevê-o e subitamente entramos na acção intensa e frenética do filme, que só termina duas horas depois. De uma tensão esmagadora que inflama o espectador, o filme tem momentos tão bela e terrificamente filmados que se assemelham a um filme de terror (veja-se a cena do navio às escuras), perpetuando o clima tenso e claustrofóbico que permeia toda a narrativa. Mas não se fica por aí e se a narrativa segue um caminho de certo modo linear - até porque quase todos saberão o seu desfecho - não deixa de preocupar o espectador. Isto porque a par de uma realização intensa e uma duração extensa (que servem para recriar no espectador o clima de terror e fadiga do seu protagonista), o filme está também repleto de interpretações soberbas. A maioria delas absolutamente inesperadas: a começar pelos actores somali (principalmente Barkhad Abdi) e que carregam no olhar e na expressão corporal uma carga dramática tão aterradora que já seria por si só impressionante, mas que é digna de nota também, porque é a primeira vez que trabalham como actores. E depois Tom Hanks com uma das melhores (será a melhor?) interpretações da sua carreira, com pouquíssimos diálogos, apenas ele próprio, despido de artifícios e maneirismos, a ser simplesmente humano, herói e anti-herói em simultâneo, bastando-lhe apenas os dois minutos finais para merecer lugar na História do Cinema. Um filme cheio de testosterona, mas também de humanidade. ½ Tiago Ramos
Grand Central (2013), de Rebecca Zlotowski
Grand Central é uma peça de cinema antiquado, escrito num classicismo formal que ao invés de roubar liberdade à execução da história trata de oferecer ao espectador uma obra que se enquadra numa visão ampla (e esquecida?) de cinema popular. Um cinema capaz de equilibrar a história de amor que está no seu cerne com um tratamento de personagens colectivas e com uma noção da realidade social contemporânea. Mais do que equilibrar, repercurtir a simbologia que uma central nuclear - e a família de trabalhadores - tem sobre a incendiária história de amor vivida por Gary e Karole. Rebecca Zlotowski continuar a fazer de Léa Seydoux um ícone do cinema francês, agora surgindo como modelo absoluto de incandescência feminina depois de ter encorporado a solidão adolescente. Com La vie d'Adèle prestes a chegar pela mão do Lisbon & Estoril Film Festival, vale a pena chegar a esse filme com esta outra interpretação bem presente. Ainda para mais quando, a seu lado, tem um Tahar Rahim que não se via assim desde Un prophète. Carlos Antunes
Fuga (2012), de Jeff Nichols
Que Jeff Nichols era um dos autores norte-americanos mais interessantes do momento já sabíamos (para isso tinham bastado apenas dois filmes, Shotgun Stories e Take Shelter), mas que o podíamos encontrar simultaneamente tão intenso quanto encantador neste Fuga já parecia improvável. E curiosamente resulta tão bem e sem ficar aquém dos seus brilhantes trabalhos anteriores, num filme que parece revisitar as clássicas histórias sulistas, assim como Huckleberry Finn e Tom Sawyer. Filme de aventuras, tão simples, quanto humano, apresenta Matthew McConaughey mais uma vez com uma genial interpretação, mas talvez a maior surpresa seja mesmo o jovem Tye Sheridan (que já tinha sido uma das melhores coisas de The Tree of Life ). Tiago Ramos
Uma Família de Estranhos (2012), de Billy Bob Thornton
Este deveria ser um grande épico de encontro entre duas famílias com várias gerações ligadas à Guerra, de mentalidades incompatíveis por se encontrarem devido à morte da matriarca de ambas - que trocou a americana pela inglesa. Um encontro que teria de acabar por levar à reconciliação mútua para gerar reconciliações internas. O problema é que a errância do argumento entre as relações que criou - muito óbvias, um viúvo com o outro e cada um com uma filha e um filho para se juntarem em pares românticos - não consegue criar uma ligação global mas compartimentaliza cada momento da história. Como os cubos de um puzzle, cada pedaço da história toca nas restantes nos pontos certos mas não se unem e a imagem destas famílias não tem sustentação. Famílias em que os vários elementos são caracterizados segundo ideias muito estreitas das imagens de época, quase sempre próximos do cliché, e exibidas durante demasiado tempo retirando todo o ritmo ao filme. ½ Carlos Antunes
Baseado no romance homónimo de Marçal Aquino, o filme é mais uma daquelas pérolas que o cinema brasileiro contemporâneo nos trouxe. Utilizando uma estrutura fragmentada e complexa, os seus realizadores tentam compensar a linearidade do argumento, um improvável e intenso triângulo amoroso. Mas dentro do seu espaço, um melodrama com traços religiosos e sexuais, surpreende pela sua atmosfera intensa e pela magnífica direcção de fotografia que em muito beneficia do corpo dos seus protagonistas. Mas é sobretudo Camila Pitanga que carrega em si quase todo o filme e que entrega uma das mais sensuais, apaixonadas e intensas interpretações femininas dos últimos anos. Não fosse isso por si só já motivo de apreciação, até o título é um dos mais belos de sempre. ½ Tiago Ramos
Brilhante paródia sobre o terrorismo e formas de extremismo (que não apenas a islâmica), o argumento está repleto de humor negro e críticas inteligentíssimas que subvertem a habitual imagem ocidental e estereotipada do "terrorista islâmico". Com uma câmara ágil e uma edição inteligente, estamos perante um filme sobre o absurdo e que por isso exige também do espectador que este saiba rir ou que pelo menos esteja treinado para um humor subtil e que diga mais do que aparenta. ½ Tiago Ramos
Plano de Fuga (2013), de Mikael Håfström
A premissa, que aguenta o filme durante quinze minutos e que até parece indicar que Stallone sabe assumir o envelhecimento da sua persona cinematográfica de durão, é a de que um antigo criminoso passou a ganhar a vida testando a fiabilidade das prisões de alta segurança. Depois disso começa um filme de acção com um grau significativo de ridículo por contar com dois protagonistas que não sabem admitir que a idade não lhes permite tornar credível este tipo de exageros - por melhor que seja a forma em que se mantém! ½ Carlos Antunes
Ernest e Célestine (2013), de Stéphane Aubier, Vincent Patar e Benjamin Renner
Deliciosa animação clássica, desenhada à mão, de temática sobretudo infantil, mas de valores intemporais. De um nível de caracterização impressionante para um filme aparentemente tão simples, repleto de situações caricatas, momentos divertidos, mas também enternecedores. Execução brilhante e encantadora. ½ Tiago Ramos
Sem comentários:
Enviar um comentário