domingo, 15 de dezembro de 2013

O Desconhecido do Lago, por Tiago Ramos


Título original: L'inconnu du lac (2013)
Realização: Alain Guiraudie

A primeira cena entrega-nos logo um magnífico plano que se repetirá ao longo do filme. Um esquema de repetição de planos e eventos, criando uma rotina visualmente geométrica, num jogo de manobras e contra-manobras que Alain Guiraudie orquestra, sentando o espectador de frente para o lago onde se passará toda a acção. Ao seu lado, uma personagem, à margem (do rio e dos restantes homens que por ali deambulam), observa o horizonte, tímido, barrigudo e que por ali ocupa as tardes. É ele o desconhecido que o título nos introduz? É o outro homem, mais novo, mais magro e mais despreocupado, que por ali também passa as tardes e que com ele trava amizade? Ou são todos os outros que ali vão para o engate, para aquele lago - também ele uma personagem - ocupar o seu tempo, procurar sexo, observá-lo? A câmara move-se rotineira: chegada ao parque de estacionamento, descida até à praia, cumprimenta-se os amigos, os conhecidos, os engates, conversa-se, procura-se engate, sexo (com ou sem preservativo), procura-se intensidade, um corpo, o suor, colmata-se o desejo naquele chão, naquele bosque, com lixo, com mosquitos, com homens, encerra-se o dia, regressa-se ao parque de estacionamento. Guiraudie coreografa. Os eventos sucedem-se, os dias passam, consecutivos, e nós frequentemente de frente para o lago. Sentados, ouve-se o som do lago, da água, dos nadadores, o vento nas folhas, o calor nos corpos desnudos, nos sexos.

É nesse esquema que O Desconhecido do Lago tão genialmente nos introduz numa história de sexo, amizade, paixão, amor, ilusão e morte. Uma história que tão subtilmente se aproveita do olhar voyeurista (das personagens e do espectador) para criar uma tensão e suspense crescentes, adicionando um tom de mistério que apenas se vai intensificando, ocupando o olhar e a mente do espectador, até um ponto sem retorno. Um olhar nosso e do realizador que apesar de aparentar ser sobretudo físico, é quase tudo e pouco isso: há muito ali de reflexo de uma comunidade, de uma sociedade inclusive, reflexo da vida, de nós enquanto seres emocionais e sexuais, da uma inteligência e assertividade brilhantes. Um filme que evoluiu para um thriller psicossexual, numa fase final quase de género, de terror mesmo, mas mergulhado também numa clara ironia e crítica, contemplativo, proibido, sinuoso, mas muito geométrico. As personagens sucedem-se e as suas interacções repetem-se, sequencialmente, os dias passam-se. A tensão cresce, o lago permanece, observador, tal como o espectador, voyeur, escondido na vegetação alta. E depois talvez respondamos à questão e nos apercebamos que o desconhecido do lago talvez sejamos nós próprios.


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