Título original: Capitão Falcão
Realização: João Leitão
Argumento: Nuria Leon Bernardo, João Leitão
Elenco: Gonçalo Waddington, David Chan Cordeiro, José Pinto
Há uma evidência há qual este filme não pode escapar. De que a série que pretendia ser é melhor do que o filme que se tornou.
Não se trata de mais do que compreender que, do estilo ao ritmo, era para uma dimensão ao mesmo tempo mais breve (um episódio) e mais longa (uma temporada) que Capitão Falcão tinha sido imaginado.
Dessa divergência entre destino e resultado resultam os problemas do filme que são, sobretudo, narrativos. Vêm tanto da fuga para diante que representam aquelas (inspiradas) transições de cena ao jeito da série Batman dos anos 1960 como da montagem que ao procurar soluções de ligação causa inversão da ordem mais lógica de algumas cenas.
A história parece recomeçar por várias vezes, dando ao filme uma cadência aos solavanco, para que inclua o máximo das ideias da equipa. Ideias que deveriam servir à feitura de diversos episódios e que assim, pelo menos, não ficam perdidas na promessa de sequelas que podem nunca chegar.
Se o filme não se torna totalmente desligado é pela força dessas ideias de humor satírico.
Uma reinvenção pulp (que não destoaria na antologia outrora editada pela Saída de Emergência) que se não fosse assumidamente irónica poderia fazer uma aproximação à especulação histórica.
Para suportar um humor que vai aos limites do desconforto e da ironia politicamente incorrecta para se tornar desconcertante com as mais memoráveis - e reproduzidas, aposto desde já - tiradas de tempos recentes.
Carregado pela representação em delírio cabotino de Gonçalo Waddington e uma celebração do kitsch mesmo quando a produção está próxima da verosimilhança, o filme compensa os seus defeitos televisivos, sobretudo se visto numa sala repleta de pessoas dispostas a celebrarem a ideia de uns Capitães de Abril ao estilo dos Power Rangers.
O público, mais ou menos afecto ao filme, não deixará de reconhecer a qualidade técnica com que a equipa disfarçou a escassez de meios que lhes proporcionaram.
A escassez é assumida como e com piada em diversos momento, e para lá desses o que se vê é um esforço que torna tudo melhor do que seria de esperar.
Com um investimento nascido do carinho pelo material que se nota na equipa há lutas bem coreografadas, há uma banda sonora de grande calibre e há um charme que não permite a quem o veja senão render-se um pouco a um conceito que por cá não terá paralelo.
Querendo ver para além disso a coragem de criar uma crítica que se situou no período do Estado Novo mas fala do permanente estado político do país e tem até umas referências subtis mas mordaz ao actuais governantes.
Passível de ser visto por quem procure uma "palermice" e ainda mais por quem entenda e admire as múltiplas referências, Capitão Falcão acaba por proporcionar humor para todos, não sendo desajustada a junção do mais óbvio e do mais "meta" por conta desses factores que não são demais reforçar.
O entrosamento dos actores vem de fora da cena e faz sobressair ainda mais o talento natural com que sabem fazer valer a lógica do material.
A crença da equipa que transmite a sua dedicação ao público e faz crer num trabalho que se em momentos fica aquém do que se pode exigir, crescerá como objecto de culto.
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