sábado, 7 de novembro de 2015

Review: Mr. Robot - Temporada 1

Por Joaquim da Silva.

«Do You Want The Truth or Something Beautiful?»

Século XXI. Evolução, tecnologia, comodidade. Computador, smartphone, robot de cozinha, redes sociais, plataformas digitais, interacções irreais. "Faz-me um like" : longe se vai o momento em que esta frase era uma simples paródia, para ser cada vez mais uma necessidade do ser humano. Escravos da reality TV, ligados nas hashtags e recebendo likes como se de vida se tratasse, enveredamos num mundo fabricado, ilusório, de realidade distorcida e do qual conhecemos muito pouco. O que será realmente que existe? Poderá um hacker salvar o mundo? E se sim, que mundo? O meu, o dele, o nosso?

Mr. Robot é uma ode à proeza heróica clássica, na sua forma mais primitiva, em contraste absolutamente directo com o ambiente da série. Elliot (Rami Malek) é um humano comum. Seja lá o que isso for. É uma pessoa que vive num bairro médio de Nova Iorque, tem um emprego medianamente remunerado numa empresa de segurança informática. E é aqui que se abre a porta para o desenrolar da história. Elliot vive perseguido por si mesmo, enrolado numa densa névoa de ansiedade social, paranóia e alguma loucura utópica, ao mesmo tempo que parece o mais lúcido e iluminado de todos nós, pois vê aquilo que realmente precisa ser visto: somos escravos de nós mesmos, e precisamos de ser libertos. Na sua cruzada por destruir E(vil) Corp, Elliot depara-se com a sua própria destruição: a morte do pai, que era a sua figura mais próxima, o isolamento afectivo, a descrença emocional e a fuga infrutífera ao sentimento que nutre por Angela (Portia Doubleday).

Quando tudo parece perdido, Elliot é recrutado por Mr. Robot, um homem cujo sonho é exterminar a dívida mundial e lançar o mundo num caos descontrolado, de forma a reorganizar a sociedade e mudar inevitavelmente o paradigma da experiência social e humana de todos aqueles que se propõe afectar. Dentro da organização de Mr. Robot, surge também Darlene (Carly Chaikin), uma figura igualmente perturbada, mas mais controlada que Elliot ou Mr. Robot

À medida que a narrativa segue o seu curso, vai-se desvendando a névoa que tolhe o pensamento de Elliot. Sempre que uma nova personagem é introduzida vivemos um aprofundar da dimensão do problema: no início pensa-se que o destino do mundo é circunscrito ao poder da E Corp. Contudo, torna-se perfeitamente claro que isso é só a ponta do metafórico iceberg de relações de poder e de dominação a que está sujeita a sociedade mundial. Alusões e referências agressivas à desmedida e  incontrolável influência do dinheiro, à proclamada força do sistema financeiro -  tão ou mais frágil que o próprio Elliot - são um dos pilares da história. Assim se desenha uma antítese metafórica fortíssima entre a necessidade emergente da acção e a nossa própria inércia enquanto agentes de mudança de uma sociedade desconstruída e em implosão anunciada.

Mr. Robot brinca seriamente com paralelos entre a ficção e a realidade: o crescendo das doenças psiquiátricas, na forma das perturbações de Darlene e de Elliot, com graus de seriedade crescentes entre um e outro, assim como a corrupção mundialmente aceite no tratamento dos dados informáticos, biométricos, financeiros, privados, secretos, intrínsecos de cada um de nós. É a invasão total do nosso ser. É a devassa das nossas ideias do que é o mundo, de que aquilo que se vê não corresponde ao que existe de facto. Numa última reviravolta, Elliot descobre qual a relação entre si e Mr. Robot, e porque foi escolhido especificamente como a peça fulcral no ataque ao mundo. Aquele humano comum que será afinal o super-herói. Ou será super-vilão? Mr. Robot, em busca da verdade. Mas qual delas?

«I am happy to deceive you».


P.S.: Mr. Robot tem cenas fortes, tocantes, chocantes, que desconstroem tudo o que estamos confortáveis que seja. Cada episódio é uma obra de arte visual, auditiva, sensitiva. Textos inteligentes, abertos. Fotografia impecável. Só é pena ter de se esperar por mais.

Mr. Robot (2015)
USA Network

Temporada 1

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