domingo, 25 de março de 2018

Maria Madalena, por Eduardo Antunes


Título original: Mary Magdalene (2018)
RealizaçãoGarth Davis

Lembro-me de ficar curioso pelo elenco apresentado aquando da minha primeira visualização do trailer, mas igualmente assutado quando, durante o mesmo, se vêem as palavras The untold story, por imaginar que o filme pudesse levantar polémica sem mais nenhum propósito. Será esta uma história que vale a pena ser contada desta perspectiva?

Para quem conhece a história por detrás da pessoa de Jesus Cristo, talvez não perceba a razão por detrás do foco nesta personagem específica, mas a verdade é que é indiscutível a sua importância nos eventos descritos na Bíblia, até à morte de Cristo e seguindo a Sua ressurreição. Mas existe igualmente um estigma relativamente à figura de Maria de Magdala desde há muito tempo que ainda hoje perdura de uma forma geral, em que a partir do final do século VI ela é considerada como tendo sido uma prostituta sem na verdade existir qualquer prova disso nos livros sagrados.
Nesse sentido, a forma como o filme tenta abordar a sua história como a de uma mulher que tentou enfrentar os requisitos que lhe eram exigidos na sociedade do seu tempo, contra o expectável e face a vergonha certa perante as suas acções, não só se torna extremamente oportuno face eventos recentes e uma luta constante e necessária de igualdade entre sexos, como torna ainda mais forte a mensagem mais larga e universal do Cristianismo e, consequentemente, do filme.

Apesar disto, algo que surge como uma premissa relevante e que começa imediatamente na apresentação da protagonista no contexto da sua família e comunidade, rapidamente perde a importância. Isto porque Maria chamada Madalena é parte integrante e essencial à história de Cristo mas não é ela própria a história que deve ser contada. Não por falta de relevância, mas mais por falta de presença e enfoque em todos os eventos que o filme acaba por albergar. A verdade é que, ainda que o filme faça questão de a demonstrar merecidamente como uma importante presença no grupo de apóstolos que acompanha Jesus, quando o enfoque da história muda, Maria parece ser focada em momentos demasiado oportunos para ela estar presente, como se o filme se desenvolvesse para lá da sua premissa original e repentinamente se lembrasse do seu título e da necessidade de se centrar novamente na personagem de Rooney Mara.


Isso é notável quando, apresentados a Jesus (numa série dos mais importantes eventos descritos nos Evangelhos, apresentados em género de Best of), somos igualmente apresentados a duas pessoas que foram nesta história, e são ao longo do resto do filme, essenciais à compreensão dos objectivos e receios inerentes à missão que Ele propôs aos seus seguidores. São, aliás, nas pessoas de Pedro (Chiwetel Ejiofor) e Judas (Tahar Rahim) que tomamos conhecimento dos aspectos mais cruamente humanos e contrários ao que Jesus lhes pedia. A espera por uma revolução política sem entendimento real do sacrifício pessoal que isso lhes acarretava. A esperança por um milagre divino, onde surgiria ao invés receio, negação e contrariedade. A promessa de mudança e a falta de compreensão da mesma.

Existem fortes momentos em que a presença de Maria fortalece a discussão entre os apóstolos em redor do que entendem e esperam do Messias, chamando particular atenção para a primeira discussão em que Maria toma parte no seio dos apóstolos; de uma cena em que Maria, acompanhada de Pedro, ajuda um enorme grupo de doentes e moribundos, contra o bom senso e sentido prático de Pedro e contribuindo para a sua compreensão do real significado de misericórdia; e um discurso final que demonstra porque Maria terá sido a primeira testemunha após a ressurreição de Cristo e a pessoa escolhida para anunciar aos demais, apesar da relutância deles.
Mas aparte esses momentos, como referido, quando Judas confronta o seu Mestre, é Maria a única que convenientemente está presente, inclusivamente quando este o trai, apesar de ser sempre descrito que todos os que O seguem confrontarem os guardas quando estes aparecem, fazendo-se sentir uma certa estranheza quando a vemos entrar repentinamente em câmara nestas cenas.

O ritmo do filme também é inconstante, numa primeira metade no limite entre o contemplativo e o aborrecido, e uma segunda metade em que nem sequer sentimos o peso da morte de Jesus sobre os seus discípulos durante os três dias, passando da traição de Judas rapidamente para a crucificação de Jesus, logo seguida da Sua ressurreição, sem pausas para sequer entendermos o estado de espírito de Maria, Pedro e os restantes.
Apesar disso, a banda sonora composta por Jóhann Jóhannsson (colaborador recorrente do realizador Denis Villeneuve) resvala entre uma beleza suave e uma tensão anteriormente explorada pelo compositor, no limite dos tons dos vários instrumentos utilizados, numa dicotomia estranhamente interessante e que ajuda à criação de uma ambiência muito particular (exemplo que deixo mais abaixo).

No final, o que não permite este filme ir para além do seu potencial é a sua falta de um foco claro. Ainda que o título indique a protagonista desta iteração da história da paixão e ressurreição de Cristo, é essa mesma obrigação a que a equipa se impôs de contar os eventos na perspectiva de Maria Madalena que retrai todo o filme, não aproveitando a fundo nenhum dos talentos e pontos narrativos utilizados. Ainda assim, contribui fortemente para uma mudança do estigma existente perante esta personagem, fazendo-nos compreender que a importância dela na história de Cristo é inegável e merecedora de atenção, para além de representativa de uma mensagem cristã e humana muito forte, extremamente universal e para sempre actual.




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