sexta-feira, 19 de setembro de 2014

E Agora? Lembra-me, por Tiago Ramos


Título original: E Agora? Lembra-me (2013)
Realização: Joaquim Pinto

O primeiro plano adverte de imediato o espectador. Não estamos perante um documentário didáctico num qualquer regime de perguntas e respostas: um plano aproximado foca-se numa lesma e na sua locomoção lenta, um momento banal. A vida, portanto. Joaquim Pinto revela-se perante a câmara com uma sensibilidade e humildade notáveis e antecipa-se perante o espectador: estamos perante um diário, um caderno de notas de um ano da sua vida, enquanto inicia um longo tratamento experimental para o VIH. É portanto um registo por vezes (quase) desconexo, pontual, em jeito de apontamento e ainda assim, surpreendentemente comovente e poético, expondo a fragilidade da vida tão a cru. É por isso que E Agora? Lembra-me é também um registo de amor. Um amor entre Joaquim e Nuno - belíssima cena de sexo a desdenhar quem diz que não se consegue filmar o Amor entre um casal - um amor pelos seus cães, pela terra, pela vida. "Lembra-me", diz o título. E se quisermos podemos olhar para este registo como uma reflexão sobre a memória, a percepção da vida, as doenças e o mundo global, a sobrevivência e a dor. A fazer lembrar que ainda se sofre - e muito - pelas consequências do VHC e do VIH; a fazer recordar a universalidade do Amor, sem nunca ser também panfletário. «Tenho de querer para crer. Tenho de crer para crer».

Um filme que obriga a parar e a reflectir. "E agora?". A religião, a política, a ciência. Sempre os mesmos temas e a passagem do tempo. «Inverno e Primavera sem chuva, um Verão que se anuncia quente. Acções que se repetem: cada dia e cada repetição são diferentes». Joaquim vai oscilando entre o medo de definhar e a consciência do destino certo da morte (e como tal da fragilidade da vida), com a esperança que, em breve, os vírus do VHC e do VIH, não sejam mais do que meras marcas do passado no genoma humano. E nós, espectadores, e agora? A nós resta-nos um dos filmes portugueses mais marcantes do século XXI, resta-nos a fragilidade da nossa vida, espelhada na vida de Joaquim e de Nuno, da necessidade do Amor, na superação diária, do desfrutar dos pequenos momentos do quotidiano, de nos mantermos vivos por nós e por quem amamos. Não é um testamento, não é um epitáfio. É uma confissão, um testemunho da vida e um evento cinematográfico.


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