sábado, 8 de agosto de 2009

Inimigos Públicos, por Carlos Antunes

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Título original:
Public Enemies
Realização: Michael Mann
Argumento: Michael Mann e Ronan Bennett
Elenco: James Russo, David Wenham, Jason Clarke, Johnny Depp, Stephen Dorff, Christian Bale e Marion Cotillard

Dillinger, o mito, despido e exposto sem necessidade de explicações, de pretensa psicanálise, de ligações.
Na sua evidência de factos, na sua crueza, revela-nos muito do que não conhecíamos do mito, sem precisar de o edificar através de uma reinterpretação do seu passado.

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Dillinger é aqui mais crú, mais cruel, mais cínico, sem os romantismos que pretendem justificar o fascínio por um ladrão de bancos.
Um daqueles raros filmes em que um gangster é comum, nada afectado pela ideia Hollywoodesca de como se interpreta um homem assim.

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Ainda que o público o creia como um Robin Hood da Grande Depressão, conseguimos ver-lhe o gosto pelo planeamento do próximo golpe, pelo aproveitamento do saque, pela provocação à polícia.
Dillinger é aqui menos uma figura romanceada e mais um vilão de que, mesmo assim, é impossível resguardar o nosso fascínio.

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Boa parte desse efeito resulta da discreta solidez da interpretação de Depp.
A sua capacidade de se deixar diluir naquilo que poderíamos acreditar perfeitamente ser Dillinger - procurem uma das suas fotos e comparem-na com o sorriso do poster - sem deixar de a tornar única e dar-lhe o seu reconhecível cunho.
Dillinger vive nele, mas ele também vive na personagem.

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Christian Bale e Marion Cotillard ripostam da mesma forma, directos e realistas.
A personagem dele focada exclusivamente na caça ao crime, directo e realista, mesmo quando tem de se opôr aos métodos do chefe que tanto admira.
A personagem dela tão cínica quanto consciente da sua necessidade de Dillinger, da protecção dele e de como se ela se aproveita dele, ele se aproveita dela para provar a sua virilidade protectora.
Estas interpretações, despojadas de artifícios mas ricas nos detalhes que se podem ler, são essenciais para aquilo que o realizador pretende conseguir.

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Michael Mann filma com incrível firmeza, a firmeza de um realizador que tem toda a maestria possível mas que não faz dela uma evidência.
Ele aproveita o digital para filmar com total intimidade, colado às suas personagens e compõe as cenas com a dose exacta de realismo.
Mas ele não abdica da composição magistral dos planos, da rica exploração das tonalidades e dos jogos de luz e sombra que só ele - a par com o seu fiel director de fotografia - parece saber compôr como aqui entre os realizadores actuais.

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A sua reconstituição dos cenários é de uma dedicação extraordinária, as cores - ajudadas pelo digital - são pura realidade.
O espectador está em 1933 mas nem por isso Mann aproveita para exibir os seus cenários, eles simplesmente estão lá e evidenciam-se discretamente.
É a sabedoria de um mestre, que sem precisar de recorrer a artifícios imagéticos ou a recriações consegue evocar os clássicos que na década de 1930 se faziam.

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Isso mesmo fica quase evidente no final, quando Dillinger assiste a um filme pouco antes de vir a ser morto.
Dillinger sente afinidade com o que Clark Gable faz e diz em Manhattan Melodrama, mas não pretende retirar nada dali.
Ele é um admirador do cinema mas é, acima de tudo, um homem e um gangster realista que dá lugar a visões cinematográficas. Ele, ao contrário do que era comum na época, não se molda com base naquilo que o ecrã pretende fazer dos homens como ele.
O que está no ecrã é uma outra visão, admirável talvez, mas que não o traduz para o público que se senta à sua volta.

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O mesmo, afinal de contas, se pode dizer deste filme, que admira o cinema de género que evoca e o mito que foi ficando impresso na imaginação popular, mas que acima de tudo é mais descarnado e directo do que eles foram antes dele.
Aqui vemos tanto o mal como o bem no coração deste homem, uma mitologia que é apenas sua e que nos leva, igualmente, a admirá-lo, simplesmente sem uma purificação que nos livre da culpa de o fazermos.



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3 comentários:

  1. Um review sem "espinhas" como se costuma dizer. Perfeita.

    Concordo plenamente com tudo o que foi dito.

    E já agora para reforçar a ideia. Inimigos Publicos já é um dos melhores filmes do ano.

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  2. Concordo plenamente com a tua crítica, Carlos. É um excelente filme e uma realização soberba.

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