Realização: Lars von Trier
Argumento: Lars von Trier
Elenco: Nicole Kidman, Harriet Andersson, Lauren Bacall, Paul Bettany, Patricia Clarkson, Jeremy Davies, Ben Gazzara, Philip Baker Hall e Siobhan Fallon
Muitas das filosofias de vida intemporais admitem que para atingir o estágio final de auto-realização é necessário um total sentido de despojamento. Lars von Trier tenta fazer o mesmo com Dogville: uma obra despojada de quaisquer artifícios que, ao abdicar dos cenários e adereços, privilegia o interior de cada uma das personagens, distinguindo o essencial do supérfluo.
Dogville constitui a primeira parte da trilogia EUA - Terra das Oportunidades e torna-se numa interessante e polémica parábola sobre o ser humano, a escolha individual vs a escolha colectiva, o individualismo vs o conformismo, uma crítica à sociedade de classes, numa simplificação à natureza des(humana) de todos nós. Não obstante gostos pessoais, não podemos negar a originalidade do cineasta dinamarquês. Minimalista, utiliza apenas algumas linhas para demarcar a divisão dos cenários, o que permite reparar no plano secundário face à acção principal (note-se a polémica sequência da violação em que as restantes personagens continuam os seus afazeres diários, impávidas).
Mais uma vez, Lars von Trier mostra ser um (excelente) manipulador de emoções que nos leva a querer algo que, no seu fim, recusamos veementemente. Impõe o espectador perante o dilema, dá-lhe uma posição activa, fá-lo temer-se a si próprio e à sua natureza. Faz reconhecer a natureza maligna do ser e não lhe reconhece qualquer outra boa qualidade. Afinal, as personagens que pareciam ser bondosas e tolerantes apenas o faziam por interesses pessoais e por isso mesmo encontramos em cada uma delas, a personificação das fraquezas humanas: a vaidade (Chloe Sevigny), o orgulho (Ben Gazarra), a ira (Patrícia Clarkson), a luxúria (Jean-Marc Barr), a avareza (Lauren Bacall) e a inveja (Stellan Skarsgard). Sobretudo, ao dar a esta trilogia o nome EUA – Terra das Oportunidades, Lars von Trier pretende ironizar a condição e a política norte-americana, tal como se pode notar no fim com recurso a imagens tiradas nos Estados Unidos, na década de 30, ao som de Young Americans, de David Bowie.
É um filme claramente político e social que transforma a vila numa espécie de laboratório, numa clara crítica à sociedade americana e geral. Muito ao estilo da obra de Franz Kafka, Dogville aborda temas como a fuga, paranóia e influências exteriores, rematando também com uma crítica aos intelectuais e pensadores que são meros passivos perante a sociedade. São todos estes elementos do filme que revelam a visão de Lars von Trier: a humanidade não tem salvação. Perante tudo isso, a protagonista torna-se descrente no ser humano e desencadeia o que poderíamos chamar de Juízo Final, numa clara alusão bíblica.
É um filme claramente político e social que transforma a vila numa espécie de laboratório, numa clara crítica à sociedade americana e geral. Muito ao estilo da obra de Franz Kafka, Dogville aborda temas como a fuga, paranóia e influências exteriores, rematando também com uma crítica aos intelectuais e pensadores que são meros passivos perante a sociedade. São todos estes elementos do filme que revelam a visão de Lars von Trier: a humanidade não tem salvação. Perante tudo isso, a protagonista torna-se descrente no ser humano e desencadeia o que poderíamos chamar de Juízo Final, numa clara alusão bíblica.
A nível do elenco, destaca-se sobretudo Nicole Kidman, numa das suas melhores interpretações de sempre.Mas também todo o elenco secundário, repleto de nomes reconhecidos na indústria, encontra-se à altura da protagonista e do argumento.
Dogville é uma visão pessimista do Mundo e da Humanidade mas é, ao mesmo tempo, o Cinema mais genuíno, mais cru e real que poderíamos já ter visto. Lars von Trier confirma a sua originalidade, a sua visão, o seu ponto de vista dogmático e de certa forma simplista, mas que não deixa de ter a sua razão. A maldade é aqui retratada como a única certeza do mundo. E o espectador bem que acredita.
O cara experiementou e criou uma das obras primas do cinema internacional... Filmaço!!!
ResponderEliminarGrande crítica, parabéns Tiago. Muito bem contruída e formulada, com as palavras certas no sítio certo. Deu muito gosto lê-la.
ResponderEliminarQuanto ao filme, subscrevo-te inteiramente. Penso que resumiste muito bem o meu sentimento em relação ao filme.
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD – A Estrada do Cinema
O Cara da Locadora,
ResponderEliminarÉ realmente uma grande experiência, que resultou numa grande obra! Fantástico!
Roberto F. A. Simões,
Muito obrigado! Fico sempre feliz quando se identificam com as críticas. É um filme excelente mesmo. Perfeito e que nos deixa completamente exaustos!
"Dogville" é um dos mais originais filmes e daqueles que sabe cruzar com mestria cinema e teatro, sob uma história que parece estar a ser contada de um livro (a literatura também).
ResponderEliminarAdorei-o no cinema quando saiu.
Já a sequela "Manderlay" fui assistindo pelo TVCine e não conseguiu me pegar tanto. Talvez estivesse num momento menos predisposto... e me casa os níveis de concentração são bem diferentes.
A maior ironia deste filme quando o vi no cinema foi que a certa altura parece que estamos numa sala de teatro: há enquadramentos que pareciam ser filmados da cadeira onde estava. Deu-me o efeito de estar a ver um palco de teatro através da tela de cinema. E depois o tipo de iluminação escura do filme ajuda imenso nas sensações que produz a quem vê.
Von Trier conseguiu ainda contrariar o vedetismo e maneirismos de Kidman e fazer com que ela, deixasse de ser até irritante e cabotina, para talvez mesmo ter feito a sua melhor actuação e performance enquanto actriz de sempre. E que grande actriz foi nesse filme!
mas não foi só ela... o restante elenco é também de eleição e muito dedicados a esta invulgar experiência.
Dogville é um filme demasiado alternativo e desafiante para quem não tem capacidade de aceitar um criação artística tão radical... e tão marcante!
Felizes dos que superam isso e o percebem.
São esses que são os retribuídos por Trier.
Bom artigo e muito boa review do filme. Parabéns!
Já ando há imenso tempo para ver este filme... Vou ver se trato disso :)
ResponderEliminarArmPauloFerreira,
ResponderEliminarE agora assim de repente não me consigo lembrar de nenhum mais original. (Também publicarei a crítica do Manderlay, brevemente). E concordo perfeitamente no que falas de Nicole Kidman. É uma daquelas actrizes que não suporto, mas em Dogville está extraordinariamente humilde. Obrigado pelo apoio. ^^
RBranco,
Tens mesmo de colmatar essa falha. Depois diz o que achaste! ;)
Irei vê-lo para o especial, e a tua crítica (mais uma vez :p) aguçou-me bastante a curiosidade!
ResponderEliminarP.S.: é de vez: estou mesmo de volta :)
Subscrevo, por inteiro, as palavras do Roberto. Parabéns, Tiago! "Dogville" é um filme genial, sem qualquer sombra para dúvidas.
ResponderEliminarAbraço
Jackson,
ResponderEliminarFazes bem em ver, porque vale bastante a pena! E finalmente estás de volta, já sentíamos a tua falta! :P
Flávio Gonçalves,
Obrigado Flávio! Fiquei completamente rendido a Dogville!
Muito boa a sua resenha. Você descreveu com exatidão toda a excelência que o filme representa. Poucas vezes vi Nicole Kidman tão inspirada e o elenco não deixa nem um pouco a desejar.
ResponderEliminarE somado à toda qualidade que o filme possui, há ainda o fato de o cenário nos causar estranheza a princípio. Pouco a pouco, percebemos que o importante não é o meio, mas sim a personalidade das pessoas.
Parabéns.
;)
Luís Adriano,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo elogio.
Tens razão. De início, causa muita impressão ver um filme sem cenários, mas é isso que nos permite chegar ao âmago das personagens.