Deixa Chover, por Carlos Antunes

Título original: Parlez-moi de la pluie
Realização: Agnès Jaoui
Argumento: Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri

Elenco: Jean-Pierre Bacri, Jamel Debbouze e Agnès Jaoui

A tentativa de filmagem de um documentário é o processo que coloca em andamento a revelção descarnada de uma série de pessoas.
Pessoas que se colocam perante o mundo como verdadeiras personagens, mas que se sujeitam ao processo de soltarem as suas mágoas. Que têm de defender as crenças que não têm vontade de carregar mais.

Não é um processo que eles queiram realmente sofrer, embora acabem por se apegar a ele, à possibilidade de serem honestos por meros momentos, desde que depois o possam negar.
A sua confissão dura os momentos suficientes para que se desiludam de si mesmos e sintam a feliz brevidade da máscara que tomba.
Por isso a irritação perante a câmara que não estava a filmar pareça mais um fingimento para o alívio que sentem de a sua verdade não ter ficado gravada para que todos os vejam, pois essa verdade é um pouco ridícula demais para as pretensões que eles têm.

O que estas personagens dizem, as palavras com que constroem as personagens que revelam ao mundo, são inúteis. Tão inúteis como se falassem da chuva, do tempo que faz lá fora.
Como a chuva, essas palavras carregam as vidas deles e impedem-nos de se sentir livres.
Livres para que entendam que o que importa são as relações parentais, filiais e amorosas que se estabelecem e em que é preciso investir. São elas que melhor definem estas personagens e não a imagem que tentam passar aos restantes.

Agnés Jaoui continua a filmar as suas comédias quotidianas, farsas burguesas onde as personagens são os reflexos risíveis de nós próprios.
Mas o seu desencanto está a crescer, a sua consciência da tristeza inerente a estas vidas.
E com ela o nosso riso já não é tão livre, pesa-nos quando as luzes já não estão apagadas e nós vemos que somos tal e qual os reflexos que estivemos a ver.