domingo, 10 de janeiro de 2010

O Sítio das Coisas Selvagens, por Tiago Ramos




A visão de Spike Jonze é conhecida pela peculiaridade e pela bizarria de obras como Being John Malkovich (1999) e Adaptation. (2002). Em Where the Wild Things Are mantém-se o tal estatuto do realizador, numa adaptação própria do conto infantil homónimo de Maurice Sendak.



Embora com o material de origem ser infantil, este não é um filme para crianças. Apesar da sua evidente moral, Where the Wild Things Are não cede a tentações moralistas, nem tende a infantilizar ou tornar demasiado adulto o seu argumento. A preocupação de Spike Jonze não é essa. De facto, este seu trabalho é isento de preocupações. Sem se fazer escravo dos meios técnicos e com recurso a uma técnica curiosa de animatronics, o filme faz-se único no mundo cinematográfico, sem espelhar efeitos especiais. Enquanto filme do género fantástico, não esquece uma única vez o lado mais íntimo do ser humano, sucumbindo a algo cada vez mais raro: a fábula no Cinema.

Spike Jonze imerge num universo alternativo e bizarro, que faz o espectador sentir-se de novo criança, não significando isso apenas um estado feliz. Where the Wild Things Are faz-nos recordar que a infância é um processo complexo, uma viagem de crescimento emocional e mental, nunca isenta de profundos estados melancólicos e de angústia. E de medo. Medo de crescer, medo do desconhecido, medo dos estados de espíritos, genialmente retratados por grandes coisas selvagens. A ira, a frustração, o comodismo, o pessimismo, a agonia, a incerteza. É uma construção única e singular de como uma criança acaba por aprender a controlar as suas emoções, é o exteriorizar dos sentimentos e acima de tudo da frustração. Frustração familiar e pessoal, uma luta entre o corpo e a mente, uma luta contra o crescimento invasivo.



Aqui descodifica-se o cérebro de uma criança. E dentro desta criança de nove anos - bipolar, parece-nos - encontra-se o último reduto de liberdade e selvajaria. Que nos faz a nós, adultos, sentirmo-nos distantes de tal fase, nós adultos. Socialmente padronizados, formatados para uma sociedade que não se quer espontânea, nem livre. Formatados para grilhões sociais.

Tecnicamente Where the Wild Things Are é um achado. Desde a realização de Spike Jonze, passando pela sua adaptação (juntamente com Dave Eggers) do conto de Maurice Sendak, a cinematografia de tom amarelo, ocre e dourado de Lance Acord (Lost in Translation) e a banda sonora única de Carter Burwell e Karen Orzolek, tudo contribui para que esta seja uma das melhores obras que abrem o ano de 2010 nos cinemas em Portugal.



O jovem Max Records faz um excelente trabalho como protagonista, que lhe valeu uma nomeação entre o círculo de críticos de Chicago e nos Critics Choice Awards. Depois temos também excelentes trabalhos de vozes, de onde se destaca James Gandolfini como o angustiado Carol ou Catherine O'Hara como a franca Judith.

Where the Wild Things Are é provavelmente o filme familiar, mais genuíno, ingénuo e simples que tivemos oportunidade de ver. É uma viagem e tanto para nós adultos, um brilho nos olhos para as crianças. É sobretudo uma vontade incoerente de voltar a tal fase, encontrar um tal sítio de coisas selvagens, para depois voltar - ainda a tempo do jantar.



Classificação:

5 comentários:

  1. Eh pá, vi hoje o filme e gostei bastante, mas por vezes (poucas) parece-me que se arrasta um bocadinho. No entanto, tive momentos de pura emoção, pois deu-me imensa vontade de ser criança novamente.

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  2. Ricardo V.,
    Eu esperava o filme melhor em alguns pontos também, talvez um deles seja essa sensação de arrasto. Contudo, o melhor do filme é esse revivalismo da nossa infância.

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  3. Ricardo V.,
    Eu esperava o filme melhor em alguns pontos também, talvez um deles seja essa sensação de arrasto. Contudo, o melhor do filme é esse revivalismo da nossa infância.

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