domingo, 21 de março de 2010

2046, por Tiago Ramos



Título original: 2046 (2004)
Realização: Wong Kar-Wai
Argumento: Wong Kar-Wai
Elenco: Maggie Cheung, Li Gong, Faye Wong, Takuya Kimura, Ziyi Zhang, Carina Lau e Tony Leung Chiu Wai

«Todos os que vão a 2046 têm o mesmo objectivo. Recuperar as suas memórias perdidas. Porque em 2046 nada muda. Ninguém pode ter a certeza de que isto é verdade. Porque de todos os que para lá foram... ninguém regressou. Excepto eu. Porque eu preciso de mudar.»



A metáfora do pássaro sem pernas é a metáfora ideal para explicar 2046. O pássaro sem pernas tem de voar continuamente, sem nunca poder fixar-se. É neste caso, a história de um homem preso às recordações passadas que regressou a 2046 - curiosamente o quarto de In the Mood for Love (2000) - mas que voltou. «Talvez eu não seja um tipo assim tão decente». E na verdade o que encontramos é um Mr. Chow entre um desfilar de mulheres da sua vida, na ânsia de as tornar a mulher que perdeu.

São diversos os tipos de amor que Wong Kar-Wai nos quis mostrar: o amor-romântico, o amor-paixão e o amor-cerebral. Em 2046 temos um comportamento errático do protagonista que sofre com a ausência, a solidão, a recordação. Porque de nada serve encontrar a pessoa certa se ela surge antes ou depois do tempo certo. De uma continuação (não assumida directamente) de In the Mood for Love, temos com certeza uma estrutura narrativa muito semelhante à de Days of Being Wild (1990). E estes factores de facto tem como consequência fazer com que este filme do cineasta chinês se torne um simples pastiche de obras anteriores, mantendo a mesma estética.



Por oposição a obras anteriores, é verdade que o cineasta abandona o conceito de amor platónico para se dedicar agora ao plano físico e erótico das relações humanas. Mas novamente sentimos, mas numa maior escala, que 2046 se refugia no conceito de exercício de estilo e se abstém de desenvolver algo com uma estrutura narrativa mais evoluída. É uma sensação de déjà vu indesejada, que faz com que o arrastamento e contemplação das suas obras acabem por se tornar demasiado monótonas.

Tecnicamente, o cineasta continua a destacar-se. Temos os magníficos cenários - temos agora a novidade de um cenário futurista digital -, os objectos, as cores, as pessoas. Cada frame é uma belíssima e única obra de arte, poética. São os reflexos, os espelhos, os vidros, as cores fortes e contrastantes, os vermelhos e os laranjas e o sentimento de paixão tão ao rubro, como nunca nenhum realizador conseguiu transmitir tão bem. Temos um elenco fantástico, da melhor geração chinesa. Temos o assombroso trabalho fotográfico de Christopher Doyle, com pormenores que rondam a perfeição. E a música de Shigeru Umebayashi que emoldura este quadro, mas que perde com a perfeita simbiose que tinha em In the Mood for Love. Ou o design de produção e o guarda-roupa de William Chang. Pormenores técnicos maravilhosos que o distinguem de qualquer outra obra cinematográfica.


Contudo e especialmente devido à sua auto-repetição e a um argumento mais limitado - embora altamente complexo - 2046 fica aquém do seu antecessor. Dá a impressão que Wong Kar-Wai, tal como o seu protagonista, também regressou à história por não conseguir esquecer o passado. Regressou a In the Mood for Love e voltou, para depois o abandonar. Isto para evitar o marasmo e fazer-se valer das recordações. Também o protagonista opta por ficar sozinho, para preservar a memória do Amor que viveu.

Classificação:


8 comentários:

  1. Pois, não posso deixar de estar de acordo contigo, como sabes. Há complexidade, pouca lógica ou então pouca substância, mesmo. Mas lá que é bonito, lá isso é!

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  2. Conciliado com o visionamento de Days of Being Wild e In the Mood for Love, facilitará a compreensão deste filme. Mas não deixa de lhe faltar pouca substância narrativa e a que existe acaba por ser demasiado pastiche dos seus trabalhos anteriores. É bom, sim. Mas não deixa de desiludir.

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  3. "especialmente devido à sua auto-repetição e a um argumento mais limitado - embora altamente complexo - 2046 fica aquém do seu antecessor. Dá a impressão que Wong Kar-Wai, tal como o seu protagonista, também regressou à história por não conseguir esquecer o passado. Regressou a In the Mood for Love e voltou, para depois o abandonar. Isto para evitar o marasmo e fazer-se valer das recordações. Também o protagonista opta por ficar sozinho, para preservar a memória do Amor que viveu."
    Mais uma review acertadissima e muito honestamente para se falar dele não é fácil.

    Nem mais. Uma síntese perfeita do que representa este filme, enigmático, de estilo surreal... onde até a lógica é subjugada para criar sensações, maioritariamente de desnorte e perda de um tempo que não voltará mesmo que tente dar a entender que se o pode reaver. Desilude como filme stand-alone mas quando seguido do maravilhoso "In The Mood For Love" ganha uma outra valência, sendo esse o momento em que deixa de ser indiferente como filme.

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  4. Obrigado mais uma vez. Foi de facto uma bela descoberta, mas não deixa de desiludir. Contudo, obviamente se o virmos como uma obra isolada perde muito. Mas é muito difícil falar de 2046...

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  5. Não achei nada de especial, tirando, obviamente os aspectos técnicos, e as nossas pontuações batem certo!
    Também como tu penso que a fotográfia está espectacular assim como a banda sonora, embora esta última se torne um pouco monótoma...

    Abraço
    Cinema as my World

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  6. Especial é. Pelo menos para mim. Mas de facto desilude tendo em vista In the Mood for Love.

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  7. Quem nunca muda de ideias, nunca evolui.

    Ainda não vi OS DIAS SELVAGENS mas já vi o DISPONÍVEL PARA AMAR. Depois, de enfiada, vi novamente este 2046. E descobri um filme novo. Extraordinário. Genial.

    Para mim, e das que vi, a melhor obra de Kar Wai.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  8. Ainda bem! :D Mas de qualquer forma, continuo a preferir o Disponível para Amar!

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