Realização: Richard Kelly
Argumento: Richard Kelly e Richard Matheson
Quem assistiu à nova longa-metragem de Richard Kelly à espera de um novo Donnie Darko (2001), saiu desiludido. Com críticas negativas um pouco por todo o mundo, a estreia de The Box sofreu sucessivos atrasos a nível mundial e quase passado um ano chega finalmente a Portugal. E de certa forma não compreendo o motivo de a grande maioria do público insistir em comparar obras do mesmo realizador, mas também porque observam este em detrimento de Donnie Darko, afirmando que o cineasta perdeu a sua identidade. Na verdade, continuamos com o ambiente destrutivo, negativo e altamente criativo da mente do realizador. E mesmo que diferente das suas obras anteriores, os recursos estilizados estão lá de igual forma.
Presente de Morte, má tradução para a língua portuguesa e que por si só revela demais do enredo, é uma interessante obra a nível sociológico. O filme é inspirado no conto de Richard Matheson, intitulado Button, Button, que já serviu para um famoso episódio da série The Twilight Zone e até da sua semelhante canadiana The Outer Limits. Situada no final dos anos 70, o filme desde o início prepara o caminho para a apresentação da situação que dá nome ao filme. Uma família cuja situação financeira começa a entrar em colapso e que se vê em mãos – literalmente – com uma solução para o seu problema. Daqui origina-se um intrigante dilema moral, com contornos sobrenaturais e muita ficção-científica à mistura, ao estilo de Richard Kelly, novamente com referências ao Apocalipse, tal como em Donnie Darko e SSouthland Tales (2006).
Não é por acaso que existam referências ao filósofo francês Jean Paul-Sartre, cujo principal interesse era o indivíduo e a psicologia. Norma Lewis, papel desempenhado por Cameron Diaz, faz referência a Entre Quatro Paredes (1994), peça de teatro sobre a questão da imagem e a dialética “ser um com o outro” e ilustra-a com três personagens que se apercebem que o verdadeiro inferno onde se encontram é o da consciência, especialmente porque a consciência não pode deixar de enfrentar outra consciência que a denuncia. Em Presente de Morte observamos a motivação humano no contexto da premissa: um ano aparentemente tão inocente como apertar um botão dar-lhe-á a hipótese de receber um milhão de dólares livres de impostos, mesmo que tal tenha como consequência a morte de um desconhecido. Mais que a própria curiosidade, é o seu contexto sócio-económico – que a dada altura pensamos que foi propiciado a tal – que mais pesa à decisão. É uma crítica aos danos que o capitalismo provoca na sociedade e as nossas tendências consumistas, aliadas ao egoísmo e alguma ambição à mistura.
É um conto moral pessimista, sarcástico, que se rende à inevitabilidade da fraqueza humana e talvez seja esse um dos motivos que explica a fraca receita de bilheteira do filme. Não gostamos que nos confirmem aquilo que temos dificuldade em reconhecer como negativo em nós. Tudo pontuado por uma subjectividade narrativa muito comum em Richard Kelly e uma anarquia argumentativa, cheia de exageros e situações surreais, com uma mistura de sci-fi que habitualmente não é recebida da melhor forma. Existe então alguma confusão na percepção do objectivo do filme, em meio a uma excessiva explicação de alguns pormenores.
Na realização, o cineasta recusa-se a obedecer aos padrões do cinema do Hollywood e mesmo com um ritmo lento consegue criar um ambiente tenso, num thriller psicológico que evoca o cinema de Alfred Hitchcock – não querendo comparar – e umas nuances inspiradas no surrealismo de David Lynch. O estilo do realizador remete para o cinema de série-B dos anos 70, graças à fotografia Steven Poster (Donnie Darko) ou a direcção artística de Priscilla Elliott (Southland Tales). Uma mise en scène soberba que explora muito bem os conceitos de claustrofobia, muito ajudada pela banda sonora de Win Butler e Régine Chassagne dos Arcade Fire. Os efeitos especiais utilizados especialmente no que diz respeito à deformação facial da personagem de Arlington Steward e de algumas cenas mais excêntricas são bastantes competentes e realistas.
Nas interpretações, o realizador consegue que todos os actores tenham um trabalho competente – sim, mesmo Cameron Diaz (Knight & Day) – mas com especial destaque para Frank Langella (Frost/Nixon).
Presente de Morte merece ser visto sem sofrer preconceito ou por comparação com Donnie Darko do mesmo realizador. Deve ser visto como aquilo que é: um objecto intrigante sobre o ser humano.
Presente de Morte, má tradução para a língua portuguesa e que por si só revela demais do enredo, é uma interessante obra a nível sociológico. O filme é inspirado no conto de Richard Matheson, intitulado Button, Button, que já serviu para um famoso episódio da série The Twilight Zone e até da sua semelhante canadiana The Outer Limits. Situada no final dos anos 70, o filme desde o início prepara o caminho para a apresentação da situação que dá nome ao filme. Uma família cuja situação financeira começa a entrar em colapso e que se vê em mãos – literalmente – com uma solução para o seu problema. Daqui origina-se um intrigante dilema moral, com contornos sobrenaturais e muita ficção-científica à mistura, ao estilo de Richard Kelly, novamente com referências ao Apocalipse, tal como em Donnie Darko e SSouthland Tales (2006).
Não é por acaso que existam referências ao filósofo francês Jean Paul-Sartre, cujo principal interesse era o indivíduo e a psicologia. Norma Lewis, papel desempenhado por Cameron Diaz, faz referência a Entre Quatro Paredes (1994), peça de teatro sobre a questão da imagem e a dialética “ser um com o outro” e ilustra-a com três personagens que se apercebem que o verdadeiro inferno onde se encontram é o da consciência, especialmente porque a consciência não pode deixar de enfrentar outra consciência que a denuncia. Em Presente de Morte observamos a motivação humano no contexto da premissa: um ano aparentemente tão inocente como apertar um botão dar-lhe-á a hipótese de receber um milhão de dólares livres de impostos, mesmo que tal tenha como consequência a morte de um desconhecido. Mais que a própria curiosidade, é o seu contexto sócio-económico – que a dada altura pensamos que foi propiciado a tal – que mais pesa à decisão. É uma crítica aos danos que o capitalismo provoca na sociedade e as nossas tendências consumistas, aliadas ao egoísmo e alguma ambição à mistura.
É um conto moral pessimista, sarcástico, que se rende à inevitabilidade da fraqueza humana e talvez seja esse um dos motivos que explica a fraca receita de bilheteira do filme. Não gostamos que nos confirmem aquilo que temos dificuldade em reconhecer como negativo em nós. Tudo pontuado por uma subjectividade narrativa muito comum em Richard Kelly e uma anarquia argumentativa, cheia de exageros e situações surreais, com uma mistura de sci-fi que habitualmente não é recebida da melhor forma. Existe então alguma confusão na percepção do objectivo do filme, em meio a uma excessiva explicação de alguns pormenores.
Na realização, o cineasta recusa-se a obedecer aos padrões do cinema do Hollywood e mesmo com um ritmo lento consegue criar um ambiente tenso, num thriller psicológico que evoca o cinema de Alfred Hitchcock – não querendo comparar – e umas nuances inspiradas no surrealismo de David Lynch. O estilo do realizador remete para o cinema de série-B dos anos 70, graças à fotografia Steven Poster (Donnie Darko) ou a direcção artística de Priscilla Elliott (Southland Tales). Uma mise en scène soberba que explora muito bem os conceitos de claustrofobia, muito ajudada pela banda sonora de Win Butler e Régine Chassagne dos Arcade Fire. Os efeitos especiais utilizados especialmente no que diz respeito à deformação facial da personagem de Arlington Steward e de algumas cenas mais excêntricas são bastantes competentes e realistas.
Nas interpretações, o realizador consegue que todos os actores tenham um trabalho competente – sim, mesmo Cameron Diaz (Knight & Day) – mas com especial destaque para Frank Langella (Frost/Nixon).
Presente de Morte merece ser visto sem sofrer preconceito ou por comparação com Donnie Darko do mesmo realizador. Deve ser visto como aquilo que é: um objecto intrigante sobre o ser humano.
Classificação:
Um filme muito interessante, que merece reflectirmos sobre o mesmo.
ResponderEliminarAbraço.
P.S.: o título português é, realmente, muito mau!
É, também acho... merece ser visto.
ResponderEliminarQuanto à tradução... o habitual. :P
Muito bom o texto e a critica ao filme é bastante realista, colocando posições certeiras sobre Richard Kelly e as suas obras. Muito bem e gostei da classificação deste filme que devo dizer gostei bastante de o ver.
ResponderEliminarEm tempos cheguei a reunir algumas criticas sobre o filme "The Box".
ResponderEliminarHá muita gente, incluindo eu, que soube apreciar o filme e gostou:
http://armpauloferreira.blogspot.com/2010/08/box-o-que-dizem-por-ai.html
Sim, recordo-me de ler. Ainda bem que há quem gostou, já que o filme é realmente bom.
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